06 Agosto 2025
Israel, diz Keret, escritor israelense, destrói cidades inteiras, desloca milhões de pessoas de um lugar para outro e usa a fome como arma. É desumano, horrível, vamos pará-lo".
A entrevista é de Andrea Nicastro, publicada por Corriere della Sera, 05-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Etgar Keret faz uma pausa, sorri pela primeira vez em toda a entrevista e bate com a mão na testa. Como para dizer: "Eu sabia que esse momento chegaria". "Quer que eu diga aquela palavra com G? Posso dizer o que vejo: que Israel está destruindo cidades inteiras, que está deslocando milhões de pessoas de um lado para o outro, que está usando a fome como arma de guerra. Vejo que é desumano, horrível, inaceitável. Mas essa mania de definições é produto da cultura do Instagram. Putin é como Hitler? Não, é diferente. O que está acontecendo em Gaza é genocídio? Não sei. Vamos acabar com esse massacre, libertar os reféns e depois chamaremos os melhores juristas do planeta para entender se esse horror se enquadra na categoria de genocídio, e então gritaremos aos quatro ventos: genocídio. Mas primeiro, por favor, vamos interrompê-lo".
A guerra está se espalhando, o gabinete de Netanyahu decidiu a invasão completa da Faixa.
Um pesadelo. Estamos vivendo um momento histórico em que a democracia parou de funcionar. A grande maioria dos israelenses quer parar a guerra e libertar os reféns. Apenas uns 20% são a favor da continuação da violência, talvez até mesmo arrasar totalmente Gaza e aproveitar o momento para subjugar os palestinos na Cisjordânia. São cerca de dois milhões de pessoas, extremistas como aqueles que existem em muitos países: racistas, messiânicos, fanáticos. Mas são uma franja, como os neonazistas na Alemanha. Só que aqui estão no governo. Infelizmente para nós e para os palestinos, são ministros.
Mas as pesquisas não mostram Netanyahu tão em baixa.
Pode ser que eu queira me enganar, que não consiga aceitar a realidade, mas estudo as pesquisas e vejo que 80% dos israelenses querem o fim dos combates e que os reféns voltem para casa. A habilidade de Netanyahu é nos repetir há anos que está negociando, que esta é a semana decisiva, assim consegue seguir em frente com seu plano. Ele sempre trabalhou criando o caos, impedindo às pessoas de raciocinar.
Como consegue?
Se pergunto às pessoas na rua o que estamos fazendo em Gaza, elas respondem levantando os ombros com as palmas das mãos para cima: não sabem. Existe um problema estritamente israelense e um problema global. Ainda estamos na névoa do 7 de outubro. Não é estresse pós-traumático, é trauma contínuo. As pessoas têm medo dos palestinos, sentem-se inseguras, confiam apenas no exército. E também existe o problema mais geral. Há pessoas horríveis como Trump e Netanyahu, que conseguem fazer as pessoas fazerem o que não querem. Todo o sistema colabora. As redes sociais ajudam, mas também as mídias tradicionais são responsáveis por manter esse estado de ansiedade e adrenalina que impede de pensar. Não passa uma noite sem um programa sobre o 7 de outubro. Em vez disso, quase não há nada sobre Gaza. Estamos esperando o enviado dos EUA, Witkoff, como se fosse Godot. Deve ser ele a ir a Gaza para nos dizer se há fome ou não? Mas o que é isso, ficamos loucos?
Deveria ser função dos intelectuais esclarecer as mentiras do poder.
Eu tento fazer isso escrevendo, mas também todos os sábados, na rua com minha mulher. Ficamos parados com a foto de uma criança palestina nas mãos. No universo vitimista em que estamos imersos, quem olha não consegue aceitar que existe outra vítima. Somos afeitos de empatia seletiva que nos impede de compreender o sofrimento alheio.
Que reações recebe?
Uma senhora gritou para mim: 'Você não entende que são imagens criadas com a inteligência artificial?' Outra me disse que os moradores de Gaza poderiam se livrar do Hamas e tudo estaria acabado; se não o fizerem, é porque são cúmplices. Normalmente não respondo, mas naquele caso não me segurei. Disse que nos manifestamos por meses, às centenas de milhares, para nos livrar de Netanyahu e não conseguimos. Como os palestinos poderiam fazer isso com o Hamas?"
Não é fácil sair disso.
A história caminha na direção dos dois Estados, israelense e palestino, convivendo lado a lado e os Pactos de Abraão com os vizinhos. Quero acreditar que Netanyahu e criminosos como Ben-Gvir sejam um acidente da história. Que, mais cedo ou mais tarde, emergiremos da névoa de 7 de outubro e entenderemos em que tragédia nos metemos.