06 Agosto 2025
"Não basta ser um grande país e uma grande economia. O mais relevante é produzir ameaças sobre ameaças. É absolutamente necessário dobrar os joelhos e a espinha dorsal dos adversários e dos parceiros"
O artigo é de Alfredo J. Gonçalves, padre, CS e assessor do SPM, 04-08-2025.
Primeiramente, usam-se todos os canais, instrumentos e mecanismos da própria democracia para tomar o poder. Vele o investimento pessoal, familiar e dos correlegionários para controlar os votos e as urnas; vale a propaganda maciça para mostrar a cara e os “milagres”, em especial pelas redes digitais; vale todo tipo de mentira, falsidade, distorção e difamação contra os adversários. Adversários, de resto, não são opositores, e sim inimigos, por isso devem ser aniquilados. As ervas daninhas nascem sobretudo dentro do terreno de casa, onde melhor cultivamos e adubamos o solo.
Ademais do executivo, é necessário conquistar as cadeiras na Câmara e no Senado. Somente desse modo os projetos deslizam sem impedimentos pelos corredores noturnos do Congresso Nacional. Com o poder em mãos e o apoio da maioria, pelo menos inicialmente, começa o período da desconstrução. Romper acordos, alianças e tratados faz parte de um princípio que vem lá e Maquiavel: o importante não é alargar o número dos parceiros, mas provocar o medo, destilar rancor e manipular as divergências. Colocar uns contra os outros para adquirir vantagens em favor próprio. O tirano não tem amigos.
Não basta ser um grande país e uma grande economia. O mais relevante é produzir ameaças sobre ameaças. É absolutamente necessário dobrar os joelhos e a espinha dorsal dos adversários e dos parceiros. Promover intrigas entre estes últimos e estabelecer contatos secretos com os primeiros, de tal forma que cada um se sinta desconfortável diante de toda e qualquer situação. Carrancas, boicotes, desqualificação dos demais, tudo isso parte do jogo. É urgente ter sempre uma nova carta na manga: todos devem sentir-se necessitados da grande potência e esta última, por sua vez, deve olhar as demais por cima dos ombros.
Disso decorre a necessidade permanente de criar e semear tempestades. Podem ser de ordem social, política, econômica, cultural, ambiental, étnica, religiosa, racial... No momento crítico em que impera a tormenta, todos se voltam para o próprio umbigo: os próprios bens e a própria sobrevivência. Deixa que os outros se envolvam na busca de soluções, que se percam em negociações e barganhas inúteis. Enquanto prosseguem os ajustes, convém ter no gatilho uma outra decisão bombástica, espetacular, de forma a não dar tempo a que os adversários e/ou parceiros se recomponham devidamente. Faz-se necessário tê-los empenhados em apagar incêndios. Na medida em que se divertem em ser bombeiros, não podem ser protagonistas.
No decorrer do mandado, é de bom tom aumentar o calibre devastador dos projéteis a ser lançados sobre a população, seja interna como externamente. O caos, a anarquia e a sensação de impotência devem prevalecer sobre a aparência da paz. A receita é simples e deve ser imediatamente aplicada: a) tomar o poder pelos degraus e instâncias da democracia, digamos, legítima; b) desqualificar de imediato os demais poderes da prática democrática: legislativo e judiciário; c) neutralizar como inútil, burocrático e perda de tempo toda e qualquer instância que se coloque no meio do caminho do executivo; d) demolir, um a um, os projetos e programas dos serviços e da administração pública, desenvolvendo e cultivando a crença de que essa última é o terreno mais propício para a corrupção e o desvio de versas; e) nesse campo arrasado pelo descrédito e a descrença, apresentar a iniciativa privada como única salvaguarda para a reconstrução do país; f) isso abre caminho e amplas avenidas para os oportunistas dos grandes conglomerados nacionais e internacionais, onde impera o lucro desenfreado e a acumulação do capital.
Campo livre e estradas pavimentadas para o punhado de poderosos que hoje comandam e dominam as fontes energéticas cada vez mais variáveis; as telecomunicações e o negócio do entretenimento; a produção e distribuição de manufaturados de toda espécie; a divisão de trabalho sobre quem produz matérias-primas e quem produz valor agregado; a agroindústria, o agronegócio, a quantidade regular de grãos e de carne a ser produzida; a exploração das reservas do solo, subsolo, das águas e do meio ambiente, do ar e do vento; o combustível a ser utilizado e quem terá em mãos o domínio férreo e inquestionável de impor e manipular suas potencialidades; qual a moeda e que países passam ou não a fazer parte do minúsculo grupo dos que, além de decisões, mantém o poder de veto sobre temas do bem-estar comum universal; onde, como e com que força a ONU e outros organismos internacionais pode intervir nos casos absurdos de guerra, violação dos direitos humanos, genocídio, tráfico, migração e refúgio!