05 Agosto 2025
A inteligência artificial tem se tornado cada vez mais presente no ambiente de trabalho nos últimos anos, mas está longe de afetar a todos, e menos ainda da mesma forma.
Responsável pelas questões de “Transições Digitais e Ecológicas” na Agência Nacional Francesa para a Melhoria das Condições de Trabalho (ANACT), Vincent Mandinaud defende que se relativize o turbilhão midiático em torno da magia da IA: o poder da tecnologia se choca com a realidade econômica e social das organizações de trabalho.
A entrevista é de Audrey Fisné-Koch, publicada por Alternatives Économiques, 02-08-2025. A tradução é do Cepat.
Como a inteligência artificial está revolucionando o mundo do trabalho?
O termo inteligência artificial, na verdade, abrange uma ampla gama de coisas. Se nos atermos às questões tecnológicas, nos últimos dois anos e meio, a IA generativa tem sido a palavra da moda. Mas podemos ampliar o espectro e falar das inteligências artificiais chamadas “conexionistas”, ou seja, aquelas que simulam determinadas capacidades do cérebro humano por meio de diversas formas de aprendizado de máquina. Elas estão na vanguarda há cerca de quinze anos, tendo se beneficiado do aumento do poder computacional e do volume de dados (big data).
No mundo do trabalho, as IAs permitem o reconhecimento ou a geração de imagens, de palavras e de textos, o auxílio à tomada de decisões, a análise preditiva de comportamento e a antecipação de situações, com base em cálculos avançados.
Essas IAs conexionistas demonstram alto desempenho, sem que seja possível explicar completamente como alcançam seus resultados. No entanto, elas não são imunes a erros. Alguns analistas chegam a considerá-las estruturalmente falhas e a serviço da indústria tecnológica que as produz.
Desde a chegada do ChatGPT e das soluções para o consumidor que utilizam grandes modelos de linguagem (LLM), nós assistimos a um turbilhão midiático e formas de pânico moral. Dizem que a IA está em todos os lugares e que pode fazer qualquer coisa, para o bem ou para o mal, inclusive para o mundo do trabalho.
Para colocar as coisas em perspectiva, um estudo recente do INSEE indica que apenas 10% das empresas francesas integraram a IA em suas operações. A França, portanto, encontra-se na parte intermediária do grupo em termos de adoção, quando comparada a outros países europeus.
No entanto, os resultados desta pesquisa referem-se apenas à IA integrada às empresas por meio da gestão. Outra realidade também deve ser levada em consideração, que se refere ao uso de sistemas baseados em IA por parte dos funcionários, sem que isso seja objeto de qualquer estratégia interna impulsionada de cima para baixo. Isso é o que chamamos de “Shadow IA”, ou IA clandestina, ou ainda usos individuais e informais da IA. E, por definição, a extensão desses usos é mais difícil de quantificar estatisticamente. No entanto, relatórios de campo sugerem que o fenômeno excede em muito os 10% das empresas.
No ambiente de trabalho, a IA é usada para auxiliar na tomada de decisões. Mas até onde ela vai?
Ela pode ajudar a coletar e analisar grandes volumes de dados e extrair informações deles. Isso pode ser aplicado em recrutamento, gestão de tempo e marketing. Aplicações de análise preditiva podem ser úteis para avaliação de riscos e planejamento de cenários. Ela pode ser usada para detectar fraudes financeiras e fiscais, além de doenças através de imagens médicas, monitorar a qualidade dos produtos e gerenciar cadeias de suprimentos.
Mas, embora a IA possa aumentar as capacidades, ela também pode ser alienante de maneiras mais ou menos diretas ou ativas. Seu uso em alguns armazéns logísticos é bastante prejudicial à saúde física e mental dos funcionários. Também podemos considerar usos que podem expor os gestores a riscos psicossociais quando os sistemas de tomada de decisão baseados em IA os pressionam a tomar um número cada vez maior de decisões, cada vez mais rápido, sem que sejam verdadeiramente capazes de formar um julgamento e, em seguida, assumir a responsabilidade por ele.
Sob o pretexto de facilitar e agilizar as tarefas, o uso da IA pode acabar intensificando o trabalho e degradar a qualidade de vida e as condições de trabalho. A alienação pode ser mais passiva quando nos deixamos guiar por um sistema que facilita, mas que gradualmente leva ao abandono da capacidade de julgamento.
O que devemos esperar da IA: a destruição de empregos? Ganhos de produtividade?
Há muitas promessas em torno da IA, especialmente em termos de produtividade. Isso nos lembra do paradoxo apontado pelo economista Robert Solow, vencedor do Prêmio Banco da Suécia em 1987, segundo o qual vemos computadores em todos os lugares, exceto nas estatísticas de produtividade. Por quê? Porque os investimentos em tecnologia não produzem necessariamente, por si só, um aumento na produtividade dos trabalhadores. Podem até mesmo diminui-la, uma vez que as tecnologias perturbam gestos, práticas e hábitos de trabalho, mas também colocam em causa o saber-fazer e as aptidões. Trata-se, portanto, de ajustar as próprias tecnologias à realidade da atividade, mas também à realidade das populações trabalhadoras.
Podemos também questionar o tempo que levará até que realmente vejamos esses ganhos, e também a relevância de mensurar essa produtividade. Podemos perceber ganhos de produtividade em tarefas realizadas por este ou aquele indivíduo utilizando esta ou aquela solução de IA. Mas, numa escala mais coletiva, a resposta é menos óbvia e mais matizada.
A entrada através do uso individual de tecnologias não é necessariamente a mais relevante. Porque as tecnologias, assim como os usos individuais, fazem parte de contextos organizacionais e culturais, que influenciam a criação de ganhos reais de produtividade.
Daron Acemoglu, outro vencedor do Prêmio Banco da Suécia em 2024, estima que a IA aumentará a produtividade do trabalho em menos de 1% nos próximos dez anos, ou, em última análise, em 1% do PIB. Isso está muito longe das estimativas das grandes empresas que promovem a revolução da IA e seu superpoder. A integração desses sistemas aos processos de produção leva tempo. As organizações são sempre mais lentas do que as tecnologias. E é, sem dúvida, crucial dedicar tempo para fazer as coisas corretamente, em vez de se apressar por medo de perder o barco.
As condições ideais para aumentar a produtividade podem não envolver a eliminação de postos de trabalho e a sua substituição por máquinas, mas o uso dessas tecnologias para auxiliar os trabalhadores em suas atividades e desenvolvimento profissional.
Em relação ao emprego, um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que um quarto das profissões está exposto aos efeitos da IA, com variações que dependem da geografia, do gênero, das atividades e dos setores. A novidade com a IA generativa é que estão na mira as profissões qualificadas, portanto, mais nos chamados países desenvolvidos e com tarefas administrativas e, portanto, com muitas mulheres. No geral, a OIT não prevê tanto perdas de empregos, mas transformações no trabalho e na sua organização.
Em detalhes, porém, os riscos de perda de empregos na França não devem ser subestimados, especialmente em certas profissões e setores. Já existem casos em comunicação e jornalismo, por exemplo.
Além do emprego, devemos temer a perda de competências com a implantação da IA?
A implementação da IA não é apenas uma questão tecnológica; é uma questão estratégica e organizacional. Perguntemo-nos: para que servem os sistemas de IA? Qual é o propósito? Podemos muito bem usar a IA para eliminar tarefas e profissões, mas também podemos fazê-lo para apoiá-las e desenvolvê-las.
A questão do futuro das competências, ou da expertise, é, na verdade, bastante controversa. Alguns pesquisadores afirmam que a IA estenderá o poder a um número maior de trabalhadores. Que aumentará a expertise daqueles que antes não eram especialistas e, portanto, que isso poderá reconstruir uma classe média e aumentar a capacidade de tomada de decisão.
Sabendo que por trás dessa perspectiva está a dinâmica demográfica dos países ocidentais, onde o problema não é tanto a falta de empregos, mas a falta de trabalhadores. Com a IA, portanto, todos poderiam se beneficiar. Esta é uma visão um tanto otimista e tecnosolucionista da IA.
Por outro lado, outros pesquisadores acreditam que a IA poderia levar a uma substituição. Ela “desafia”, para dizer o mínimo, ou monitora e avalia, aqueles que já possuem expertise; pode depreciá-la ou desvalorizá-la. Isso levanta questões espinhosas sobre cooperação, transferência de conhecimento, mas também de reconhecimento, respeito e proteção.
De qualquer forma, é importante ter Planos B, ou seja, saber como reagir no dia em que a máquina apresentar um defeito, no dia em que a relação com os fornecedores de tecnologia descarrilar econômica, moral ou legalmente. Há uma questão estratégica de antecipar as condições para a execução da atividade.
A questão da transferência do conhecimento é muito atual. A direção da ArcelorMittal, por exemplo, concedeu mais tempo para a implementação do plano de demissão com a condição de que os trabalhadores transferissem seu conhecimento para a inteligência artificial...
Este é um discurso que ouvi em outras empresas: temos medo de perder o conhecimento com a saída de funcionários, então usamos a IA para capitalizar o conhecimento e o saber-fazer que estão de saída. Aqui, por razões econômicas, mas isso também pode acontecer com as aposentadorias. Vemos a IA como um caso de uso interessante para garantir que essas experiências não sejam perdidas. No entanto, pode-se perguntar: por que esperamos até que essas pessoas saiam da empresa, em vez de organizar a transferência de competências para os colegas mais cedo?
Essas práticas representam uma espécie de despossessão do saber-fazer em favor de abordagens procedimentais ou algorítmicas que (em teoria) permitem a reprodutibilidade, sem ter a inteligência social e emocional dos humanos.
O debate subjacente não é novo: devemos expor a forma como o trabalho é feito para que todos possam se apropriar dele incondicionalmente? Ou é necessário que os trabalhadores e seus representantes se organizem para manter uma espécie de segredo industrial? No sentido de não compartilhar técnicas de produção em hipótese alguma e, assim, negociar as condições de implantação da IA?
Essas questões já foram levantadas no outro lado do Atlântico há algum tempo. Não há dúvida de que o assunto é atualmente uma preocupação para os parceiros sociais franceses e que precisará ser esclarecido nos próximos meses e anos.
A IA pode levar a melhores condições de trabalho?
Há uma confusão entre o que significa “trabalhar” e “produzir”. Com a ampla implantação da IA, o objetivo é aumentar a capacidade de produção. O objetivo: aumentar os rendimentos e a produção. A história mostra que essa perspectiva beneficia principalmente os acionistas, mas não significa necessariamente melhores condições de trabalho para os trabalhadores.
Para isso, devemos analisar o trabalho real das pessoas envolvidas, incluindo sua dimensão socializadora, não apenas a produtiva; e não apenas em sua imediatez, mas com um pouco de perspectiva e profundidade de campo.
Há um desafio para deliberar coletivamente para regular o uso da IA, com base na realidade do trabalho e dos contextos organizacionais. Isso não significa impedir a implantação da IA por razões ideológicas, mas refletir sobre ela.
Por exemplo, poderíamos refletir sobre a suposta economia de tempo graças ao uso da IA, especialmente ao assumir as chamadas tarefas repetitivas e de baixo valor agregado, para permitir que os trabalhadores se concentrem em atividades mais nobres, mais interessantes, mais gratificantes e de maior valor. No entanto, uma tarefa pode parecer de menor valor do ponto de vista da gestão, mas o operador pode encontrar significado, interesse e satisfação nela; e vice-versa.
Além disso, a experiência de campo mostra que, ao trabalhar, lidamos com tempos de muito trabalho e com tempos de pouco trabalho. Deixar de ter tempos de pouco trabalho, ocupados por tarefas menos exigentes, equivale a ter apenas tempos de muito trabalho e muito exigentes, o que, na prática, resulta em uma intensificação do trabalho e, portanto, em uma deterioração das condições de trabalho.
Especialmente porque é perfeitamente razoável considerar que nem todo tempo de trabalho se destina a ser diretamente produtivo. O fato de trocar palavras, conhecimentos e informações apoia a cooperação, a coordenação, a coesão e o desenvolvimento. Indiretamente, isso ajuda a melhorar a produtividade geral.
E se o uso da IA realmente economiza tempo, surge também a questão de o que é feito com o tempo economizado. Realizar mais das mesmas tarefas ou outras atividades? Usar esse tempo para qualificação? Para reduzir a jornada de trabalho? Para manter a jornada de trabalho, mas melhorar a partilha do valor assim criado? O leque de perguntas é vasto.
A inteligência artificial não poderia ser uma boa ferramenta para melhorar a saúde e a segurança no trabalho? A questão de levar em consideração o trabalho árduo tem sido recentemente objeto de um debate renovado entre os parceiros sociais, após a conferência sobre as aposentadorias.
A IA poderia, de fato, aliviar uma série de atividades e garantir uma melhor prevenção. Por exemplo, a coleta e o processamento de dados nas áreas de pesquisa, prevenção e epidemiologia de acidentes poderiam encontrar caminhos para melhorias, como foi destacado em outro relatório da OIT sobre o assunto. Mas é necessário regulamentar esse processo para não abrir caminho para todo tipo de abusos, especialmente em termos de vigilância abusiva e desrespeito aos direitos fundamentais.
Sob o pretexto da saúde ocupacional e do acesso a benefícios sociais, poderia ser estabelecida uma espécie de vigilância generalizada, o que seria extremamente problemático. A IA não deve ser usada para servir a uma nova forma de “vigiar e punir” sob o pretexto de prevenir riscos. Também aqui, os parceiros sociais têm um projeto para amadurecer.
Qual o papel que o diálogo social desempenha ou pode desempenhar na regulamentação e orientação da implementação da IA no mundo do trabalho?
Na França, os sindicatos de trabalhadores são unânimes: a melhor maneira seria a criação de um acordo interprofissional nacional sobre o tema. Esse pedido já foi expresso diversas vezes. Isso ajudaria a definir o tom em termos de métodos e salvaguardas. Para evitar generalizações excessivas, as negociações devem ocorrer dentro dos setores profissionais, bem como dentro das empresas, para se adaptarem à realidade dos contextos e das profissões.
Já existem acordos europeus que podem ser uma fonte de inspiração, além dos textos regulamentares que estão começando a entrar em vigor, mas que não abordam em detalhes os desafios para o mundo do trabalho.
Diante dos desafios associados à IA, o diálogo social sobre o tema parece, portanto, necessário e incipiente. O trabalho do Centro de Estudos do Emprego e do Trabalho (CEET) indica que, atualmente, na França, aproximadamente dois em cada 1.000 acordos fazem referência à IA. Portanto, há um espaço considerável para melhorias. E, ao mesmo tempo, estamos assistindo ao surgimento de jurisprudência que demonstra que as melhores práticas para o diálogo social sobre o assunto estão longe de ser totalmente compartilhadas.
Caberia ao diálogo social utilizar a fantasia tecnológica associada ao “hype” da IA para escapar do tecno-sonambulismo vigente e retornar às realidades organizacionais, colocando as questões trabalhistas novamente no centro do debate.