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Metamorfoses fatais na periferia. Artigo de Juan Michel Montezuma

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25 Julho 2025

Ao buscarmos uma perspectiva mais aprofundada das metamorfoses da periferia, podemos encontrar uma via de explicação possível à tensão produzida pela transformação desses três tipos: o trabalhador, o malandro e o bandido.

O artigo é de Juan Michel Montezuma, publicado por A Terra é Redonda, 23-07-2025.

Juan Michel Montezuma, professor de história na educação básica e popular, é mestre em História Social pela UFBA.

Eis o artigo.

A violência é um elemento contingente da realidade social de uma sociedade periférica. Está presente de maneira subjacente em uma grande variedade de relações sociais. Desde as interações entre o capital e o trabalho, que dão forma a infraestrutura social, até o desenho e funcionamento das instituições de poder responsáveis por impor os sentidos socialmente aceitos para o desenvolvimento material e espiritual da vida.

Em uma sociedade de classes, que se superpõe a uma ordem de castas de origem escravocrata, tal como a nossa, a violência não pode ser apenas sintetizada como uma expressão de uma ditadura. Não pode ser reduzida, no sentido de simplificada, como uma mera rugosidade no espaço social cuja estruturação é remetente ao período colonial.

Da mesma forma, que não pode ser reduzida, em termos de explicação, a uma mera verticalidade imposta pelo capitalismo, desde o alto e fora. Afinal, o que significariam palavras tão vastas no alto do morro? Lá dentro da baixa? Na esquina? Nos becos? E vielas? Em suma, nos espaços que constituem a periferia?

Seriam termos que certamente comunicariam algo, porém não tudo. Talvez, porque essas sejam categorias mais globais do que locais. Universais, disso não há dúvida, porque sua generalidade, até mesmo lá na convergência dos fracassos da humanidade, permitem a abstração necessária a construção de uma perspectiva global. Mesmo assim, a abstração é reticente…

E isso, penso e sinto, que se deve ao fato de que, no debate público, falar da periferia com demasiada impessoalidade, com razão e sem emoção, apenas munido da frieza do jargão científico seja um exercício quixotesco, até mesmo soberbo e por isso desrespeitoso para com os pares de raça e classe.

Acabamos soando como meninos, os tipos que os Racionais MC’s caracterizam com “naipe de estudante, daqueles filhos dedicados”, sujeitos que através de palavras longas e mágicas buscam impressionar sua mãe, a favela, em um gesto de simultânea tolice e erudição, característico dos jovens que pensam sempre poder dizer aos velhos como viver e o que fazer. Uma inteligência fria, que beira o cinismo, pois está sempre flertando com o autoritarismo e a falta de esperança.

Assim, então, o problema do presente exercício de leitura emerge: como comunicar o sentido das metamorfoses na periferia sem cair num vocabulário alienante daqueles com quem mais se deseja comunicar? Ou seja, os periféricos.

A tarefa é um tanto literária, como também é científica, porque é preciso então recorrer a palavras novas sem perder de vista a centralidade da experiência, categoria indispensável ao falarmos das questões humanas. Digo isso, porque ao falar das identidades, falamos de objetos e coisas que só podem ser qualificados socialmente ao serem integradas ao campo semântico da cultura do seu espaço social, vendo aí então o seu sentido, seu lugar na totalidade, na situação estrutural em movimento.

O presente texto é um exercício de leitura das metamorfoses da periferia que parte dessas premissas. É a redação de um periférico sobre uma realidade na qual ele se movimenta, da qual ele não sai, esteja ele onde estiver.

Um esboço de um quadro conceitual pretérito

Há algumas décadas, a violência parecia possuir uma relação orgânica com o sistema de relações que estruturava a periferia. Isso não significa que ela não fosse condenável, deletéria, visceral ou tendente ao colapso social no longo prazo.

Não, isso significa que seus elementos espaciais em conjunção produziam uma infraestrutura social na qual precarização existia, porém estava circunscrita a ambientes específicos da organização social. Quem era, por exemplo, o traficante nesse contexto? Apenas um híbrido entre articulador de atividades econômicas ilegais e um prestador de serviços aos criminosos de colarinho branco.

Sua origem era quase sempre interna a comunidade, eram locais, figuras que precisavam operar a partir de um código de conduta cujo foco não era apenas a preservação do negócio, porém também a manutenção do prestígio junto aos amigos, vizinhos, “tias”, “donas” e “seus” que constituíam o núcleo da moralidade possível no bairro.

Entretanto, aí já existia na periferia um deslocamento da experiência de integração à ordem social dominante. Mesmo que posta de maneira incipiente, o que é discutível, “bandido” não era apenas um “desviado”, “malandro” não era só “vagabundo” e “trabalhador” não era apenas o “sujeito reto”; “cabra macho”; “correria”; “plantado”; “mina de fé”.

Estes tipos sociais obviamente eram intercambiáveis, estavam em disputa e por isso se reorganizavam continuamente em superposições que pautavam a diversidade dos arranjos humanos mais pitorescos que um pobre vê no decorre da sua formação, se estamos falando mesmo a partir da centralidade da categoria de experiência, como adoram os culturalistas.

Essas identidades, na medida em que a precarização ia aumentando, deixando de ser assim circunscrita aos espaços sociais específicos, podiam ser encontradas nas igrejas, nos bares, nas escolas, nos largos, pracinhas do baile, posteriores paredões, na esquina, na rua principal, transversais, bequinhos, baixas.

Se o sujeito esperto olhasse com atenção, podia ver o “malandro”, “correria” e o “bandido” disputando o lugar de “caboclos epistemológicos” da mente e atitude de um único desgraçado, tornando sua trajetória conturbada, fazendo com que ele se dilacerasse no vício ou no crime ou no trabalho. Como alguém que não tinha escolha, ou se submetia a alguma forma de violência, ou não sobrevivia.

Trabalhador, malandro e bandido

Talvez, ao buscarmos uma perspectiva mais aprofundada das metamorfoses da periferia, seja uma via de explicação possível essa tensão produzida pela transformação desses três tipos: o trabalhador, o malandro e o bandido. Especialmente, porque esses sujeitos se metamorfosearam sob ritmo das transformações da própria violência imposta a força de trabalho em nossa sociedade, ou seja de um dos principais elementos estruturantes da sua identidade. Vamos começar pelo trabalhador, sim?

O que é ser um trabalhador agora? O que era ser um trabalhador antes? Em sua essência, o trabalhador na favela é uma identidade social apolínea, ou seja governada pela razão, a abstração subjacente a fé resignada e a ética instrumental, desprovida de humanidade, que nos subordina as relações entre capital e trabalho na ordem sob a qual vivemos, tal como se a submissão a elas fosse inevitável, como se ser subordinado fosse algo que comunicasse um estatuto de verdade universal sobre o nosso lugar no mundo.

Trata-se de uma forma identitária imposta a periferia enquanto uma verticalidade, sua origem é estranha e ao mesmo tempo fundante da favela. Nessa contradição, o trabalhador pode ser interpretado como aquele que está nas margens da ordem burguesa e que é convocado por essas elites sob a ameaça da fome, miséria e morte a sustentar suas formas de organização espacial do poder, da economia e da cultura através da sua força de trabalho.

É um subalterno excluído, um segundo cidadão, quando negro nem isso, quase um capital fixo, uma coisa a qual é negada o estatuto de humano, mesmo que sob o seu suor seja sustentada esse conjunto de empresas chamada humanidade.

Das identidades que a violência estrutural sob a periferia produz, o trabalhador é certamente a mais frágil, pois é dependente da estabilidade geral da economia. Noutras palavras, uma classe trabalhadora forte e pronta para o serviço no capital, só existe quando esse é administrado sob signo de uma ideologia que lhe impute algum grau de projeto de desenvolvimento econômico e social, como é o caso, por exemplo, do nacional-desenvolvimentismo, ou do neodesenvolvimentismo, por mais problemáticos que possam ser.

Porquanto houver uma razão criadora que integre os diferentes setores da produção, mandando uma porcentagem de carne humana para o setor de serviços, outra mais qualificada para o secundário e outra modernizada com títulos técnicos para o setor agrário, os trabalhadores terão “sucesso” dentro dos limites circunscritos ao regime liberal burguês.

Pois notarão, mesmo como classe em si, que a informalidade tenderá a estar circunscrita em padrões sociais aceitáveis, sendo um caminho possível e não o único nos circuitos econômicos do capital. Noutras palavras, enquanto alguns puderem sonhar e chegar no seu lugar ao sol, a estrutura de sentimento que ratifica a miséria de milhões continuará intacta.

A classe trabalhadora que se comporta como classe para si também aceita a situação, atendendo também sua convocação para manter a sustentação “crítica” da plutocracia burguesa, dulcificando no debate público as marcas da violência psicológica e física ao buscar inutilmente reificar a promessa cruel, pois predominantemente falaciosa, da ascensão através do mérito.

Uma narrativa política fadada ao escárnio, o cinismo e a hipocrisia de defesas vazias de pseudointelectuais liberais numa sociedade fundamentada na exploração. Nessa dinâmica, ciclicamente o trabalhador, ou seja a classe em sua generalidade abstrata, acaba sem ter quem o valha, tornando-se assim, portanto, um tipo cada vez mais anacrônico, reduzido, cínico, sozinho e fragilizado.

Tudo isso, porque a contradição, a tensão, a violência estrutural que fundamenta sua identidade não pode ser mais justificada em nenhuma fórmula ideológica, tendo em vista que inexistem atualmente projetos de racionalização do desenvolvimento econômico e social que minimamente salvaguardem a integridade dessa massa de pessoas. Vivemos na radicalização da precarização, do recrudescimento dos projetos genocidas de eliminação física e espiritual das identidades socioculturais historicamente fundamentadas em tradições de luta.

A prova ácida disso está nas salas de aula, onde os filhos dos proletários nos fazem questionar: quem quer ser “CLT” num mundo no qual as leis trabalhistas estão em pleno desmonte? Certamente não eles, talvez nem nossos filhos, aqueles que supostamente, de acordo com os velhos projetos de humanidade, são os que reproduzirão e farão evoluir as formas materiais e espirituais da vida.

É aí que a interpretação das metamorfoses, do sentido dessas transformações das identidades dos sujeitos de um lugar, pode nos ajudar. Por exemplo, se pensarmos a figura do “malandro”, tendo em vista que o “trabalhador” não é mais o sujeito ideal para ser enveredado na fina promessa da ascensão, enfatizando que esse último sujeito passa por um processo de desconstrução identitária.

Sendo, por isso, compelido a adotar novos avatares sociais no novo normal do mundo trabalho burguês. Nesse cotidiano, de precarização irrestrita, convoca-se então o “malandro”, meio que de roldão e ainda a contragosto, pois todo progresso técnico ainda não prescindiu a centralidade do trabalho humano, especialmente no setor de serviços.

Dessa maneira ambígua, o “malandro” é glorificado, tratado como empreendedor. Esse discurso, há décadas cada vez mais popular, nas propagandas, nas novelas e redes sociais, está fundamentado numa apologia a mediocridade de substrato classista e racista. O malandro empreendedor é certamente útil, um gênio, um símbolo intrépido de superação, o nosso novo Dom Quixote.

Seu perfil delirante, antiético, conspiracionista e egoísta faz o trabalhador soar ingênuo, impotente, antiquado, pouco adequado aos fixos e fluxos de uma sociedade informacional onde fortunas crescem sob a dispersão de golpes, mentiras e fantasias.

Contudo, nenhum meio hegemônico de reprodução do arquétipo ideológico socialmente dominante deixa de comunicar que o lugar do malandro é no circuito inferior da economia. Afinal, os negócios do malandro estão nos serviços que ainda não foram plenamente modernizados, em formas quase que pré-capitalistas e extremamente anacrônicas em relação ao meio técnico científico-informacional ao qual estão integradas.

O que basta ao malandro empreendedor, seja influencer ou vendedor das mais variadas bugigangas supérfluas, o que parece ser a mesma coisa, é ser, aos olhos do grande empresariado, um tipo de príncipe dos pobres, lugar antes que era ocupado pelo trabalhador de carteira assinada.

O malandro deve tomar esse lugar, canibalizando qualquer “otário” que puder, somente assim pode vencer o combate mortal do sucesso e ser o vencedor entre os miseráveis, ganhando assim o direito de se sentar a mesa da classe proprietária como pequenos agregados. Um novo tipo de tio Barnabé ou tia Anastácia, só que dessa vez, trajados com roupas afrobrasileiras estilizadas no proselitismo fajuto dos discursos sobre “futuro ancestral”.

Sob essa configuração a malandragem como movimento que transforma a mentalidade da massa avança, forjando especialmente uma classe média baixa que se autoproclama libertária, porém é claramente hobbesiana. Uma classe que toma a violência como algo contingente, quase que ontológico, num esforço miserável de se tornarem indiferentes a desgraça que aflige os seus pares de raça e classe.

Formam então grupos, se tornam corporativistas na política e na linguagem, sendo mais fechados do que os séquitos dos brancos acadêmicos. Se tornam inimigos da alteridade, se tornam fragmentados, predispostos a devorar até os sujeitos que são detentores dos predicativos sociais que lhes são mais próximos. Fazem da política uma superficialidade ao subordiná-la a mera retórica e polêmica.

Enquanto isso, o recrudescimento da desigualdade impõe uma redução dos seus quadros, um encolhimento dessa classe média subnutrida. E como um contrapeso o discurso socialmente dominante lhes transfere com mais vigor o sonho, num mundo miserável, da estabilidade financeira. E eles caem na terra prometida que um dia foi terreno baldio do trabalhador formal. E assim os “malandros” agora convertidos em empreendedores lutam entre si até o último humano.

Quem sabe, dentre essas caricaturas de “lutadoras” e “guerreiros”, sai algum que se torne burguês, como os oprimidos estadunidenses que tiveram sucesso e hoje são nazistas ou organizadores de orgias, esse deve ser o sonho de alguns dos empoderados donos de quitanda no mercado de bens simbólicos.

Independentemente das contradições profundas, esse é um aspecto das metamorfoses da periferia que vai muito bem, pois da forma como se dá o conjunto de informais sob o título de empreendedor vai sendo integrado, com adaptação visceral, as novas regras da divisão do trabalho. A periferia vai assim mudando, não mais no comércio apenas, nos serviços, que antes eram domínio dos “desviados” os “do mundo”, vemos aí então as variadas figuras do “malandro”.

Há “malandros” que “vão na fé” e estão nas igrejas agora, oferecem cursos, tem loja de roupa na internet, compram dinheiro virtual de playboy, fazem dancinhas sensuais, ou vendem foto daqui e dali, da prima, da irmã, da mãe se deixar, grandes negócios de capital associado que tornam a bandeja na qual costuma vir o corpo das mulheres algo que parece banhado a ouro, mas que ainda sim é indubitavelmente prostituição.

Aos poucos, a ideia da “mina de fé”, do “correria”, vai sendo capturada pela “garota do job” ou do “empresário”. Ambos são inimigos da inteligência, da sua própria e dos outros. São espertos demais para estudar, não precisam de plano de saúde, porque serão jovens para sempre. A onda está no jogo do tigrinho, no pix, no dinheiro imediato, em fazer doze entregas por dia, sendo o lucro líquido de cada uma algo em torno de três reais. E quem não cola nisso? Só pode ser otário, bom moço ou moça, um ingênuo, por assim dizer. Há aí uma nova estrutura de sentimento que se consolidou, forjada na bestialização da juventude periférica.

Por fim, se tudo vai bem nessa metamorfose brutal, para onde vão o excedente dos ditos “disfuncionais”? Os “marginais” que não se integram, que não conseguem, pois não tem vocação para serem “honestos” como queriam suas mães ou “espertos” como julgam seus amigos. Ora, esses vão para onde sempre foram: para o resgate fatal do crime.

São os mais integrados a metamorfose capitalista em curso, pois caem na armadilha do genocídio a partir de um apelo a liberdade que só é superficialmente antissistêmico. Se convertem assim, no oposto do trabalhador, seu maior inimigo, tal como Zeus foi do seu pai Chronos. São carregados de elementos dionisíacos do malandro e apolíneos do trabalhador, mas se ressentem de ambos, porque interpretam seus caminhos a partir de uma psicologia fragmentada, onde se desenvolve como estatuto de verdade uma “maldade” que lhes torna falaciosamente conscientes da “sua falta de habilidade”, “de discernimento”.

Esses novos bandidos são o tipo social mais selvagem, menos humano, pronto para tudo. Sujeito mais neoliberal impossível, pois está mais próximo da mentalidade do alto empresariado do que qualquer favelado, até mais do que aqueles que acreditam serem “empreendedores”. Os professores da banda Racionais MC’s, décadas atrás, nos davam a visão, assim os descrevendo esse tipo social na canção capítulo 4, versículo 3:

Tem mano que te aponta uma pistola e fala sério
Explode sua cara por um toca-fita velho
Click, plau, plau, plau e acabou
Sem dó e sem dor, foda-se sua cor
… Limpa o sangue com a camisa e manda se foder
Você sabe por quê, pra onde vai, pra quê
Vai de bar em bar, de esquina em esquina
Pega cinquenta conto, trocar por cocaína

Esse é o tipo social mais preocupante dentre aqueles que se metamorfoseiam na periferia, sem a menor sombra de dúvida, pois seu contingente em capitais como Salvador, Rio de Janeiro, entre outras, vai aumentando na mesma medida que a informalidade se torna norma, com a crise geral das formas de integração da geração anterior ao mercado de trabalho e com o atual esgotamento das possibilidades de vida fora do regime de precariedade imposto verticalmente pelas elites políticas e econômicas. O aumento do número de facções, pequenas gangues, corrupção generalizada de segmentos inteiros das forças de segurança pública, derivam, em parte, desses fenômenos.

Dessas metamorfoses fatais pela qual passa nossa sociedade periférica, o aumento desse contingente tem lugar central, pois sobre ele são estruturadas o recrudescimento das políticas de genocídio. Sob a força das armas a massa trabalhadora, seus novos e velhos tipos identitários, será posta “na linha”, sendo reorganizados de acordo com as regras de um regime burguês que emerge da derrota da Nova República muito mais hostil a direitos políticos e sociais.

Os trabalhadores, tal como foram demandados no século passado, são parcialmente prescindíveis, tal como foram um dia os escravos, porque o avanço do neoliberalismo se torna vitorioso num processo de “democratização invertida” no qual a ideia de empresário é atomizada, na mesma medida, na qual se torna evidente que na sociedade não há mais espaço para difusão de um discurso meritocrático voltado para a consagração desse tipo social, agora tomado como anacrônico em relação a própria sociedade que sustenta. Está aí uma falácia ideológica que precisamos derrotar.

Mais do que interpretar, é preciso retornar e agir

Enfim, reconheço ter falhado miseravelmente nesse primeiro exercício de leitura, pois os conceitos, as noções e o vocabulário, muito embora digam muito, ainda estão muito distantes de uma linguagem verdadeiramente universal, pois construída a partir da localidade.

Isso significa que há ainda muito estudo, ou seja trabalho, e diálogo em forma de serviços voluntários prestados para comunidade que precisam ser realizados a fim de colocar o nosso problema geracional em termos de uma tese sobre a metamorfose da periferia em nosso tempo. Sem dúvidas, uma teoria para a intervenção sobre essa realidade demanda, para alguns de nós, o retorno para casa.

Subindo novamente a ladeira que leva para o verdadeiro ponto mais alto da cidade, talvez do mundo inteiro. Esse é o gesto que precisamos realizar, pois, talvez, ele seja aquele que leve os “trabalhadores”, os “malandros” e “bandidos” a se tornarem os “governantes”, “gestores” e o “passado” superado de uma, ainda mais nova, república.

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