25 Julho 2025
A nova direita latino-americana combina de forma complexa imagens de retorno à ordem e rebelião contra o status quo, mas, na realidade, elas apenas se adaptam às circunstâncias.
O artigo é de Pablo Stefanoni, jornalista e historiador, publicado por El País, 22-07-2025.
“Quando se olhava para os números do Chile, parecia impossível que o sistema entrasse em colapso [...], mas, de repente, o sistema entrou em colapso. E entrou em colapso porque, basicamente, o que eles fizeram não foi travar a batalha cultural.” Esta declaração confusa de Javier Milei é curiosa, não tanto porque um presidente “libertário” justifica a ditadura de Augusto Pinochet — vários ultraliberais da época também a apoiaram —, mas porque o pinochetismo travou uma batalha cultural que transcendeu até mesmo o seu próprio regime. Mas, além dos detalhes históricos, o que a declaração do presidente argentino revela é a sua obsessão — e a da nova direita radical — com a batalha cultural; uma contrarrevolução no estilo de Viktor Orbán na Hungria, que é admirado hoje por sua luta antiwoke.
O termo "woke", cujas origens remontam à história do movimento afro-americano, foi apropriado pela direita contra seus inimigos. Embora inicialmente servisse para criticar um certo progressismo excessivamente "pastoral", tornou-se agora um grito de guerra contra o progressismo como um todo. Embora até recentemente desconhecido no mundo hispânico, finalmente entrou no discurso público graças à nova direita, incluindo o Vox na Espanha.
“Não importa quão bons sejamos em gestão, ou quão bons sejamos politicamente, não chegaremos a lugar nenhum sem a batalha cultural”, frisou Milei em dezembro de 2024, em uma reunião da Conservative Political Action Conference (CAPC), uma rede global com forte presença na América Latina, que constitui um dos megafones da internacional reacionária.
Nos últimos anos, a América Latina tem testemunhado a ascensão de novos movimentos de direita radical, que já estavam transformando as esferas políticas nas democracias ocidentais. A vitória eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018 abriu a "janela de Overton" — a possibilidade de proferir discursos extremistas sem ser socialmente penalizado —, mas foi a eleição de Javier Milei que deu um impulso sem precedentes a esse fenômeno, que teve como contrapartida a crise da direita liberal-conservadora convencional. Em última análise, a região não é estranha à "rebelião pública" (teorizada pelo ex-analista de mídia da CIA Martin Gurri), nem ao ressentimento, à ansiedade, à depressão, à raiva e à desconfiança social abordados por Richard Seymour em seu livro "Nacionalismo do Desastre".
A derrota de Mauricio Macri, na Argentina, e a crise do segundo mandato de Sebastián Piñera, no Chile, foram apenas duas expressões de um fenômeno mais amplo. Para o influenciador reacionário Agustín Laje, isso é simplesmente o resultado de "direitistas covardes", cuja pusilanimidade acabou abrindo caminho para o retorno da esquerda ou centro-esquerda ao poder em vários países da região. Para Laje, um argentino que é convidado diariamente para diferentes países latino-americanos e tem crescente influência ideológica no governo de Milei, esses direitistas capitularam ao globalismo e até mesmo à agenda woke. O globalismo, ele disse, é um sistema de dominação mundial e controle total, "o projeto de poder político mais ambicioso já visto". Daí a demonização da Agenda 2030.
Nas duas primeiras décadas deste século, a centro-direita brandiu uma retórica contra o populismo de esquerda, enfatizando as instituições republicanas, acusando os populistas de serem autoritários e defendendo a democracia liberal. Hoje, porém, a direita radical está longe de tais caprichos. Na Argentina, os apoiadores de Milei classificam como "nerds republicanos" os liberais que criticam o desrespeito do Executivo pelas instituições e os constantes "insultos" de Milei a qualquer um que ouse questioná-lo. É por isso que o autoritário presidente salvadorenho, Nayib Bukele, pode aparecer como um modelo em termos de combate à criminalidade — embora, na prática, seu modelo seja difícil de exportar. Milei pode continuar a afirmar que "odeia o Estado", mesmo sendo chefe de Estado, e Bolsonaro foi seduzido pela ideia de organizar um golpe de Estado.
Budapeste, outrora distante geográfica e culturalmente da América Latina, é hoje uma Meca reacionária. Sua influência não precisa mais ser expressa através da tradução espanhola do Vox. Cada vez mais figuras da direita latino-americana viajam para a capital húngara em busca de inspiração.
“A imigração ilegal não é um acidente. É uma estratégia. É uma decisão política. É uma arma contra a liberdade do nosso povo”, denunciou o chileno José Antonio Kast — que disputará com grande probabilidade as eleições presidenciais deste ano —, repetindo assim a teoria da conspiração da “grande substituição” propagada pelo francês Renaud Camus. Mas enquanto na Europa o cerne dessa “teoria” está ligado à paranoia civilizacional em relação ao islamismo, na América Latina a migração é intrarregional (que, no caso chileno, também vota em grande parte na direita, especialmente nos venezuelanos).
Laje, cuja Fundação Faro foi promovida pelo governo Milei, também encontrou na Hungria de Orbán um modelo para seu projeto antiglobalista. Esses novos movimentos de direita também “compraram” a ocidentalização modelada pela extrema direita do Norte. Postagens de libertários argentinos contra os "perigos" do islamismo nas redes sociais podem ignorar a ausência de imigração muçulmana recente para a região, replicar visões fantasiosas da "civilização judaico-cristã" e exagerar seu apoio a Israel — assim como o chamado "sionismo cristão", evangélicos pró-Israel altamente influentes em países como Brasil e Guatemala. "O Ocidente está em perigo" com o socialismo, alertou Milei no Fórum Econômico Mundial de 2024 em Davos. "Aqueles que deveriam defender os valores do Ocidente se veem cooptados por uma visão de mundo que inexoravelmente leva ao socialismo e, consequentemente, à pobreza." Esse Ocidente é frequentemente resumido nos Estados Unidos de Donald Trump e no Israel de Benjamin Netanyahu.
Como em outras latitudes, a nova direita latino-americana combina complexamente imagens de retorno à ordem e rebelião contra o status quo. Se Milei personificava mais uma direita rebelde, Kast personificava uma direita de lei e ordem. Mas, na realidade, os dois articulam ambos. Milei se gabou de restaurar a ordem nas ruas contra os protestos sociais e, apesar de seu ódio ao Estado, aumentou os gastos com inteligência. De sua parte, Kast clama por "ousadia" para votar nele, e seu criptopinochetismo rima com seu chamado para "ser ousado".
Embora apelem a retroutopias, esses movimentos de direita estão longe de representar um retorno linear ao passado. Em vez disso, adaptam-se a novas circunstâncias. Às vezes, a tragédia se transforma em farsa: Milei, um pró-natalista, só tem "filhos de quatro patas" (o próprio Elon Musk já o alertou que isso não conta); e nem ele, nem sua poderosa irmã Karina, nem sua vice-presidente Victoria Villarruel são casados. Esses movimentos de direita podem até se autodenominar "antigays queer" e contar com inúmeras mulheres "anti-ideologia de gênero" entre suas líderes.
O progressismo regional enfrenta, portanto, um paradoxo: enquanto forças de centro-esquerda governam um grande número de países — incluindo Brasil e México —, elas se sentem diminuídas diante da batalha cultural de um movimento de direita que as desafia nas ruas. E o mesmo acontece com as mídias sociais, onde trollam, atraem e subjugam adversários progressistas para colocá-los na defensiva. A direita, além disso, conquistou um grande número de jovens, especialmente, mas não apenas, homens.
Seus discursos, especialmente os libertários, parecem mais apropriados para interpretar as mudanças sociotecnológicas em curso. Tudo isso leva a crer que muitos governos progressistas podem ser substituídos por forças de direita entre 2025 e 2026.
Mesmo assim, as sociedades latino-americanas passaram por profundas transformações nos últimos anos, incluindo a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e do aborto em vários países, e não parecem dispostas a aceitar passivamente restaurações conservadoras. Não é por acaso que uma das maiores manifestações de rua contra Milei foi convocada por grupos LGBTI+ após suas declarações no Fórum de Davos, onde o sentimento antiwoke o levou a confundir homossexualidade com pedofilia (uma analogia que, ele posteriormente esclareceu, só se aplicaria a gays woke). O slogan "Nunca mais voltaremos ao armário" mobilizou milhares de pessoas, não apenas homossexuais, no centro de Buenos Aires.
Por enquanto, nenhum desses movimentos de extrema direita conseguiu impor seu projeto político (gerando hegemonia), com exceção de Bukele, cujas posições ideológicas são bastante complexas e que governa um país pequeno. Bolsonaro não foi reeleito e está atualmente impedido de concorrer, Milei apostará parte de seu futuro nas eleições de meio de mandato deste ano e outros, como Kast, tentarão vencer nas próximas eleições. O progressismo ainda representa amplos setores da sociedade, embora com sua "segurança ontológica" erodida, e mantém uma capacidade considerável de mobilização quando encontra uma bandeira unificadora. De fato, pode-se dizer que parte do radicalismo da nova direita advém do medo de que os progressistas recuperem a autoconfiança e partam para a ofensiva.