12 Julho 2025
"O que, de fato, quer a técnica? Poder-se-ia dizer dela o que Nietzsche dizia da vontade de poder: 'O que a vontade de poder quer? Quer a si mesma'. O que a técnica quer? Quer unicamente sua autopotencialização", escreve Umberto Galimberti, filósofo, antropólogo e psicólogo italiano, em artigo publicado por La Repubblica, 10-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ainda existe um horizonte de sentido para a nossa existência hoje? A pergunta surge espontaneamente se considerarmos que a humanidade sempre compreendeu a si mesma a partir de um horizonte de sentido ao qual se referir. Para os antigos gregos, esse horizonte era constituído pela “natureza”, que Heráclito define como aquele fundo imutável que “nenhum homem e nenhum deus fez. Sempre foi, é e será”. A natureza inaugura aquela temporalidade cíclica pela qual, como escreve Anaximandro: “De onde os seres têm sua origem, aí também têm sua dissolução segundo a ordem do tempo”. Sem esperanças sobrenaturais, os seres humanos são chamados de “mortais”. Daí nasce uma grande ética: a ética do limite. É por isso que os gregos acorrentaram Prometeu, que havia doado aos homens a técnica, para que, ao se expandir, ela não comprometesse as leis da natureza.
A tradição cristã assume como horizonte de sentido a "Palavra de Deus" e sua promessa de salvação na vida após a morte. Dessa forma, o tempo é inscrito em um projeto, e assim nasce a "história", onde o passado é o mal: pecado original; o presente é a redenção; o futuro é a salvação. Cumprindo o mandamento de Deus que entrega ao ser humano o domínio sobre a Terra: "Dominarás sobre os animais da terra, sobre as aves do céu e sobre os peixes do mar" (Gênesis 1,26), a ciência retoma a tríade cristã do passado como mal: ignorância; o presente é pesquisa; o futuro é progresso.
Cristianismo laicizado. O mesmo pode ser dito de Marx, para quem o passado é a injustiça social, o presente é fazer explodir as contradições do capitalismo; o futuro é justiça na Terra. Mas Freud também situa no passado (infância) a origem de neuroses e psicoses, no presente a terapia e no futuro a cura. O futuro é sempre positivo, sustentado por aquela figura, a esperança, que Pasolini com boas razões havia removido de seu vocabulário. A era moderna, que começou no século XVII com o nascimento do método científico e mais tarde encontrou sua expressão máxima no Iluminismo, encontra seu horizonte de sentido na promoção da "Razão" para além das religiões, das crenças e das superstições. "Tenha a coragem de usar a sua razão", escreveu Kant, porque, como afirma o lema da era moderna: "Quem pensa bem faz o bem". Mas, como nos lembra o filósofo Miguel Benasayag: "O nazismo demonstrou que até o mal pode ser pensado com excelência". Fim da era moderna e o nascimento da era pós-moderna, que eu chamo de "era da técnica".
Hoje, a técnica não é mais um "meio" à disposição do homem, como estamos acostumados a pensar, mas, em virtude de sua extensão, a técnica é um "mundo" que condiciona a nossa maneira de pensar e sentir. Em comparação com as eras que a precederam, pela primeira vez na era da técnica, o ser humano vive sem um horizonte de sentido, porque a técnica não tende a um propósito, não promove um sentido, não abre cenários de salvação, não redime, não revela a verdade que não faz parte de suas funções: a técnica "funciona" e, como seu funcionamento se tornou planetário, devemos nos despedir dos conceitos tradicionais de indivíduo, identidade, liberdade, salvação, verdade, sentido, propósito, mas também daqueles de natureza, política, ética, religião e história, de que se nutriam as épocas pré-técnica.
Em entrevista sobre o problema da técnica pelo editor do Der Spiegel em 1966, Heidegger respondeu: "Tudo funciona, isso é o inquietante, que funcione e que o funcionamento nos impele sempre a um maior funcionamento e que a técnica dos homens os separa da terra e os desarraiga sempre mais. Não precisamos de bombas atômicas, o desenraizamento dos homens é um fato. Temos apenas puras relações técnicas. Não há um só canto da Terra em que o homem, hoje, possa viver”.
Vamos ver alguns exemplos. Platão, que a tinha idealizado, define a política como "técnica régia" porque, enquanto os conhecimentos sabem como as coisas devem ser feitas, a política decide se e por que elas devem ser feitas. Hoje, a política não é mais o lugar da tomada de decisões, porque para tomar decisões ela recorre à economia, que lhe retirou o poder de decisão. Mas a economia também não é a última instância da tomada de decisões, porque, para decidir sobre seus investimentos, recorre aos recursos e às inovações tecnológicas, de modo que a técnica se torna a última instância para a tomada de decisões.
Mas, como vimos, a técnica não tem finalidades porque é pura experimentabilidade ilimitada e manipulabilidade infinita, de forma que a história – que, como vimos, é um tempo inscrito num projeto e, portanto, dotada de sentido – implode, porque a técnica não tem memória “histórica”, mas apenas “procedural”. Para ela, de fato, o passado é simplesmente superado, e o futuro é apenas um aperfeiçoamento de procedimentos num processo infinito. Perdemos o sentido grego de limite porque, como escreve Hans Jonas, enquanto os gregos haviam acorrentado Prometeu, que trouxera a técnica à humanidade, e nós o libertamos. O resultado é que hoje a nossa capacidade de fazer (com a técnica) é enormemente superior à nossa capacidade de prever os efeitos do nosso fazer. Assim, nos movemos às cegas.
Mas, assim como a política, a ética também não tem nenhum poder sobre a técnica. De fato, como pode a ética impedir a técnica de fazer o que pode? No máximo, ela pode alertar, pode invocar, mas assim se torna ‘pat-ética’.
E se a ética cristã da intenção é ineficaz na era da técnica, o mesmo ocorre com a ética da responsabilidade proposta por Max Weber, que não considera as intenções de quem age, mas sim os efeitos de sua ação, pelos quais deve responder. E, no entanto, é o próprio Max Weber quem alerta: "Desde que os efeitos sejam previsíveis". Mas é próprio da tecnociência, que procede por tentativa e erro, produzir efeitos imprevisíveis. Nesse ponto, resta em campo apenas a ética da tecnociência, segundo a qual se deve conhecer tudo o que se pode conhecer e se deve fazer tudo o que se pode fazer, sem quaisquer limites e sem nenhum objetivo em vista.
O que, de fato, quer a técnica? Poder-se-ia dizer dela o que Nietzsche dizia da vontade de poder: "O que a vontade de poder quer? Quer a si mesma". O que a técnica quer? Quer unicamente sua autopotencialização.
Nesse ponto, encontrar o sentido da própria existência é praticamente impossível para o homem de hoje, reduzido a funcionário de aparatos técnicos, dentro dos quais deve executar as ações descritas e prescritas pelo aparato, de acordo com os valores da técnica: eficiência, funcionalidade, produtividade e, acima de tudo, aceleração do tempo, que já ultrapassou a capacidade temporal de nossa psique.