11 Julho 2025
O Boston Consulting Group desempenhou um papel de liderança na concepção do sistema de distribuição de alimentos patrocinado por Israel, que matou mais de 600 civis, e esteve envolvido em planos para o deslocamento forçado de moradores de Gaza, nos quais o instituto do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair também está envolvido.
A reportagem é de Victor Honorato, publicada por El Diario, 09-07-2025.
O nome da empresa de consultoria americana Boston Consulting Group (BCG), uma das principais empresas de gerenciamento de projetos do mundo, emergiu como um dos principais participantes do planejamento e promoção obscuros dos interesses israelenses em Gaza.
A multinacional ajudou a projetar o controverso sistema de distribuição de ajuda humanitária patrocinado por Israel para driblar a ONU e ONGs internacionais e, de acordo com reportagens recentes publicadas pelo Financial Times, também participou de planos para transformar Gaza no que Trump chamou de "Riviera Maia do Oriente Médio". Alguns planos do pós-guerra incluem a expulsão e o deslocamento forçado de moradores de Gaza.
O jornal britânico também observa que o instituto do ex-primeiro-ministro Tony Blair também esteve envolvido no trabalho de projetar o futuro da Faixa de uma forma que se adequasse aos interesses de Israel e do presidente dos EUA e magnata imobiliário Donald Trump.
Uma rede de empresas, institutos e fundações, incluindo a BCG, dividiu várias funções para implementar o sistema de distribuição de ajuda humanitária em Gaza e projetar a Faixa de Gaza do pós-guerra — incluindo o cálculo dos custos do que eles chamam de "realocação" da população de Gaza.
A empresa de consultoria ajudou a criar a obscura e controversa Fundação Humanitária de Gaza (GHF), um empreendimento que custou um total de quatro milhões de dólares. Quando o escândalo estourou, a BCG se desvinculou do projeto, abandonou o projeto, culpando um executivo desonesto, e demitiu dois altos funcionários.
Desmentido pelas Nações Unidas e por importantes ONGs com expertise na área, o mecanismo de ajuda humanitária, organizado em torno de apenas quatro pontos de distribuição na Faixa de Gaza, provou ser uma armadilha letal. Desde a sua criação, mais de 650 pessoas foram mortas perto dos pontos de distribuição enquanto aguardavam para receber ajuda. Embora Israel tenha negado alguns desses massacres, reconheceu outros, e testemunhas sobreviventes culpam os soldados.
Em outubro de 2024, uma equipe do BCG dos EUA, liderada por dois parceiros, prestou apoio pro bono para ajudar a estabelecer uma organização humanitária destinada a operar em conjunto com outros esforços de socorro para entregar ajuda humanitária a Gaza. Eles não divulgaram a natureza completa de seu trabalho. Esses indivíduos posteriormente realizaram trabalho não autorizado. Suas ações refletiram um grave lapso de julgamento e conformidade com nossos padrões”, afirmou a consultoria em um comunicado recente.
No entanto, a investigação do Financial Times aponta que seu trabalho, iniciado no outono passado, não se limitou à criação da Fundação Humanitária de Gaza, mas também envolveu o cálculo do custo de um plano de reconstrução pós-guerra para a Faixa de Gaza, que incluía a saída de grande parte de seus dois milhões de habitantes. Uma das projeções elaboradas pela consultoria sugeria um êxodo de meio milhão de pessoas de Gaza, 25% de seus atuais residentes, por meio de um plano de saída incentivada que equivaleria a US$ 9.000 por pessoa, totalizando US$ 5 bilhões.
Fontes internas consultadas pelo jornal britânico indicam que o BCG se envolveu no projeto a pedido da Orbis, uma empresa de consultoria em segurança dos EUA, que por sua vez foi contratada pelo think tank israelense Tachlith Institute. O elo entre os dois era Phil Reilly, um ex-funcionário da CIA que trabalhava para a Orbis. Reilly era consultor de meio período da equipe de defesa jurídica do BCG, que incluía Matt Schlueter e Ryan Ordway — ambos altos funcionários, também com experiência militar, que acabaram sendo demitidos.
No final de 2024, Reilly fundou a Safe Reach Solutions (SRS), atualmente responsável pela segurança das operações do GHF. Estas, por sua vez, foram financiadas pela empresa de private equity Macnally, sediada em Chicago, que, para completar, é proprietária da Orbis.
Em seu comunicado, o BCG culpou os dois executivos supostamente desonestos. "O plano foi orquestrado e executado em segredo, fora de qualquer autoridade ou aprovação do BCG. Rejeitamos este trabalho em sua totalidade. O BCG não recebeu nenhum pagamento por este trabalho." De acordo com a última revelação do Financial Times, o que a empresa, na verdade, fez foi descumprir os US$ 4 milhões já comprometidos.
Após as revelações do Financial Times, a ONG Save the Children rompeu relações com a BCG, empresa de consultoria com a qual colaborava em projetos há duas décadas. O CEO da empresa de consultoria, Christoph Schweizer, disse que o incidente foi "profundamente decepcionante" e "muito prejudicial à nossa reputação", mas limitou a responsabilidade a um único caso de "má conduta".
Os consultores do BCG desempenharam um papel fundamental na concepção e manutenção das operações da nova fundação humanitária e se reuniram regularmente com autoridades israelenses, de acordo com três pessoas familiarizadas com a Fundação Humanitária de Gaza que falaram ao The Washington Post.
"É o rigor operacional e analítico por trás da fundação", disse uma pessoa próxima às operações ao jornal americano. "Eles mapearam a cadeia de valor e identificaram os custos. Sem o BCG, não se tem uma visão completa."
O próprio Netanyahu trabalhou como consultor no Boston Consulting Group entre 1976 e 1978. Lá, ele construiu um bom relacionamento com o político republicano Mitt Romney, que anos depois defendeu o primeiro-ministro israelense enquanto se opunha ao presidente Obama e seu acordo nuclear com o Irã.
O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair seguiu uma carreira lucrativa em consultoria desde que deixou o governo. Nesta segunda fase de sua carreira, o ex-líder trabalhista esteve envolvido em alguns episódios controversos, como sua decisão de aconselhar o ditador cazaque Nursultan Nazarbayev. O Financial Times revelou agora que sua organização sem fins lucrativos, o Instituto Tony Blair para a Mudança Global (TBI), também esteve envolvida na elaboração de planos para uma Gaza sem Gaza.