24 Junho 2025
"Para nós, que não somos profetas, restam a Esperança e o chamado para ficar, em qualquer circunstância, junto com 'o filho do homem', ao lado dos pobres, vítimas da violência e indiferença", escreve Flavio Lazzarin, padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Longe de mim qualquer intenção hipercrítica, polemica, malévola ou de desvalorização dos irmãos, mas homilias, aulas e palestras que, por escolha das palavras, sintaxe e morfologia, apresentam-se como indiscutivelmente católicas, dogmaticamente impecáveis, biblicamente justificadas, me deixam a inevitável impressão de falas, que apesar da inquestionável ortodoxia, soam desafinadas, incompletas e privadas da saborosa verdade evangélica.
Um estilo frequente entre nós, que talvez seja motivado por uma humilde fidelidade à doutrina e à ritualidade testada da tradição, jeito eclesiástico difuso entre os irmãos que amam sinceramente a verdade e acham perigoso e orgulhoso modificar e remodelar o jeito de dizer as coisas de Deus. Assim deixam a impressão de priorizar a fidelidade à Igreja e quase abandonar em segundo plano a pessoa de Jesus, nos deixando órfãos da poesia e da espessura existencial de um evangelho que vai além das convenções consolidadas, vivido, provocador, esmagador, poético, revolucionário, que busca a contaminação das existências de discípulos e discípulas profundamente perturbados e incomodados pela Palavra. E interpeladas pelas tragédias e sofrimentos da nossa história.
Papa Francisco tinha esta capacidade transgressiva de ir além dos ritos fieis e repetitivos e deixava-se conduzir e pela loucura do evangelho. Gestos, linguagem corporal, hábitos, trajes, sapatos... não revelavam simplesmente o Jorge, que o papel institucional, o múnus e o ministério, não podiam cancelar, mas a intenção radicalmente evangélica de despojar a figura do sucessor de Pedro da sacralidade acumulada ao longo dos séculos. Desmitificar, dessacralizar, para recuperar o rosto do “filho do homem” e do simples pescador, também no sucessor de Pedro.
Antes dele o Pedro do Araguaia, o bispo Casaldáliga, profeta e poeta revolucionário, dispensou as insígnias e o estilo episcopal herdeiro da tradição imperial romana, para ser “o soldado derrotado de uma Causa invencível”. E antes dele, também o padre Cláudio Bergamaschi, de São Mateus do Maranhão, fraterno amigo dos oprimidos, que sempre suscitava nos ouvintes a pergunta “com qual autoridade tu faz e diz essas coisas?”
Sabemos, porém, que profetisas e profetas são raros e vão sempre na contramão dos códigos sacralizados e preestabelecidos. Provocam, incomodam, escandalizam os bem-pensantes, autoritários e tradicionalistas.
Esta liberdade criativa, dom do Espírito, é rara com são raros a santidade e o martírio. O que é mais comum na nossa Igreja é o jeito autoritário ou, na melhor das hipóteses, o equilibrismo diplomático, que, irenicamente, acaba mediando e conciliando o inconciliável. Seja o autoritarismo seja a diplomacia acabam porém criando vítimas, às vezes entre os menos culpados ou quase inocentes.
E, para nós, que não somos profetas, restam a Esperança e o chamado para ficar, em qualquer circunstância, junto com “o filho do homem”, ao lado dos pobres, vítimas da violência e indiferença.