Dados sobre as religiões no mundo e no Brasil. Artigo de Faustino Teixeira

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18 Junho 2025

"Para a compreensão do campo religioso brasileiro, os dados são fundamentais, mas devem ser complementados por pesquisas qualitativas, como dissertações e teses, bem como trabalhos de campo específicos, que possam enriquecer os dados com uma visão mais ajustada da realidade em análise".

O artigo é de Faustino Teixeira, teólogo e colaborador do IHU e do Canal Paz e Bem.  

Eis o artigo.

Nesse mês de junho foram publicados dados importantes sobre a presença das religiões no mundo e também no Brasil. No dia 09 saíram os dados publicados pelo Pew Research Center's Forum de Washington D.C sobre as religiões mundiais. Trata-se de um centro de estudos ou “laboratório de ideias” voltado para transmitir informações e dados que traduzem a realidade do mundo. E no dia 12, aqui no Brasil, saíram os dados preliminares do Censo do IBGE sobre o campo religioso brasileiro. Temos, assim, um panorama interessante sobre a presença das religiões no mundo.

Gostaria de começar falando sobre os dados mundiais. Segundo os dados transmitidos pelo Pew Forum, relativos à presença religiosa no mundo em 2020, o cristianismo contínua sendo o grupo mais numeroso do mundo, com 2.3 bilhões de adeptos, seguido pelos muçulmanos, com 2 bilhões. Na sequência aparecem os não-afiliados (1,9 bilhão), os hindus (1,2 bilhão) e os budistas (0,3 bilhão). Os judeus aparecem com percentagem bem menor, com 0,01 bilhão.

Se comparamos os dados divulgados pelo mesmo Pew Forum em 2010, percebemos que o maior crescimento na década se deu com os muçulmanos, que ganharam 346,8 milhões de adeptos no decênio. Em seguida vieram os não-afiliados, com crescimento de 270,1 milhões, os hindus, com 126,3 milhões e os cristãos, com 121,6 milhões.

O que se nota é que os muçulmanos constituem o grupo religioso mundial em maior expansão. Já ultrapassaram os católicos, e agora vão se aproximando dos cristãos. Os muçulmanos somam hoje 25,6% da população mundial, enquanto os cristãos somam 28,8%. Em 2010, a diferença era maior: os cristãos com 30,6% e os muçulmanos com 23,29%. A aproximação agora é bem evidente. Chama também a atenção a presença crescente dos não-afiliados, que poderíamos identificar com os “sem religião”. Eles traduzem hoje uma presença singular de 24,2% da população mundial.

Os cristãos tem sua presença mais viva na América Latina e no Caribe, seguido de perto pela Europa. Por sua vez, os muçulmanos tem maior presença na Ásia-Pacífico, vindo em seguida o Médio Oriente e Norte da África, bem como a África Subsaariana. Os não afiliados tem sua maior incidência na Ásia-Pacífico, onde estão congregados em número bem superior ao presente na Europa, América do Norte e América Latina e Caribe, que aparecem na sequência.

Os países com maior número de muçulmanos são a Indonésia, Paquistão, Índia, Bangladesh e Nigéria. Quanto aos cristãos, os países com maior incidência são Estados Unidos, Brasil, México, Filipinas e Rússia, progressivamente. Os não-afiliados estão mais presentes na China, com número bem expressivo, vindo na sequência os Estados Unidos, Japão, Vietnã, Alemanha, Rússia, Brasil e França. Os hindus estão mais presentes na Índia, com presença mais moderada no Nepal, Bangladesh, Paquistão e Indonésia. Por sua vez, os budistas marcam maior presença na Tailândia, China, Mianmar, Japão e Vietnã. Os judeus têm uma presença bem menor em âmbito mundial, estando mais presentes em Israel, Estados Unidos, França e Canadá.

Em obra clássica de 2001, o sociólogo Peter Berger já havia sublinhado a pungência do dado religioso no mundo, não havendo indícios de um futuro menos marcado por essa presença. Acentuava na ocasião a força substantiva dos muçulmanos e a emergência singular do evangelismo pentecostal [1]. Por sua vez, a socióloga francesa, Danièle Hervieu-Léger, em livro onde abordou o fenômeno da religião em movimento, sublinhou a presença crescente dos religiosos “peregrinos”, que se contrapõem aos praticantes. Sublinhava que essa figura do peregrino era a que melhor expressava a mobilidade que permeava “a modernidade religiosa construída a partir de experiências pessoais” [2].

Nos dados preliminares apresentados pelo IBGE no Censo de 2022 [3], podemos constatar essa importante presença dos não-afiliados ou “sem religião” aqui no Brasil. Na verdade, esse segmento de pessoas não é necessariamente composto por ateus ou agnósticos. Como mostrou com clareza o Censo de 2010, os ateus e agnósticos constituíam uma fatia bem pouco expressiva entre os sem religião, que em sua maioria são pessoas que se desencaixaram de seus antigos laços e encontram-se em processo de “redefinição de identidade”. Encaixam-se, assim, perfeitamente na categoria de “peregrinos”, como indicou Berger. Entre os sem religião estão aqueles que se desvincularam de uma religião tradicional e afirmam sua crença com base em arranjos pessoais [4]. São “peregrinos” na medida em que circulam por várias instâncias definidoras de sentido, vivendo em trânsito religioso. Não são necessariamente ateus ou agnósticos, mas pessoas que partilham de uma “espiritualidade” peculiar, sem vinculação específica.

Uma primeira leitura dos dados preliminares do Censo foi apresentado pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), em junho de 2025 [5]. Reagindo ao título do documento do ISER, penso que seria equivocado imaginar um Brasil mais plural, a partir dos dados preliminares coletados pelo IBGE no Censo de 2022. Acho mais correto falar em processo de pluralização, pois ainda temos um Brasil profundamente cristão, com 83,6% de declarantes, sendo 56,7% de católicos e 26,9% de evangélicos no país. Não há, assim um pluralismo propriamente dito. Continua ainda válida a provocação feita por Antonio Flávio Pierucci em artigo de 2010, quando já levantava essa questão [6]. E temos ainda uma presença substantiva de sem religião, que ocupam o terceiro lugar dentre os declarantes, na sequência dos católicos e evangélicos. As outras tradições religiosas continuam encolhidas em 4% de declaração de crença, o que é um número bem reduzido.

Como novidades trazidas pelo Censo de 2022, podemos apontar uma queda menos acentuada do catolicismo, se compararmos com o decréscimo ocorrido em décadas anteriores. O catolicismo continua em queda, agora de 7,9 pontos percentuais com relação ao Censo anterior. Os católicos eram 73,8% de declarantes em 2000 e 64,6% em 2010. Agora são 56,7%.

Não é simples a explicação para essa situação do catolicismo, que, de alguma forma freou um pouco a queda progressiva das últimas quedas. O ritmo de decrescimento é agora um pouco menor. Pode ser que fatores como a presença de papa Francisco nessa última década, com todo o simbolismo que carregou, sua simpatia e abertura, tenha ajudado nessa contenção, assim como sua visita ao Brasil, em julho de 2013, coincidindo com a XXVIII Jornada Mundial da Juventude. É algo que se pode aventar. Em âmbito nacional, o que sempre barrou o avanço pentecostal foi a “persistência da teia de símbolos e valores católicos tradicionais na cultura do campesinato local”, com lembrou Carlos Rodrigues Brandão em trabalho sobre crença e identidade no campo religioso [7]. Daí a forte presença do catolicismo no Nordeste brasileiro.

De acordo com o Censo de 2022, o catolicismo liderou em todas as grandes regiões do Brasil, com presença destacada no Nordeste (63,9%) e no Sul (62,4%). A maior presença de católicos ocorreu no estado do Piauí, com 77,4% de declarantes. Foram também maioria em todos os grupos de idade, mas os dados revelaram que há um aumento de católicos entre os núcleos com mais de 80 anos, chegando a 72% na faixa etária de 80 anos ou mais. Na faixa de 10 a 14 anos o índice de católicos diminui, com 52% de declarantes. Isso significa que a presença de católicos na adolescência e início da idade adulta é bem menor da que aparece entre os evangélicos, que dominam nessa faixa etária. Os dados indicam, assim, que há uma tendência de enfraquecimento da socialização primária do catolicismo, indicando a possibilidade de uma crise maior mais à frente.

Com respeito aos evangélicos, o Censo de 2022 indicou que um em cada quatro brasileiros definem-se como evangélicos, sobretudo pentecostais. Nos dados preliminares apresentados pelo Censo atual não consta ainda a diferença de proporcionalidade entre evangélicos de missão e pentecostais. O Censo de 2010 indicava que os evangélicos de missão tinham presença mais tímida, na faixa de 4%, enquanto os pentecostais angariavam 13,3%. Imagino que no Censo de 2022 os índices permaneçam semelhantes, com um pequeno aumento dos pentecostais. Há que aguardar os dados mais detalhados, previstos para possível divulgação no segundo semestre de 2025. Isto vale igualmente para uma melhor determinação da presença das outras tradições religiosas no Brasil, como o islamismo, o budismo, o hinduísmo etc.

O crescimento dos evangélicos foi menor do que estava sendo anunciado por pesquisadores ou meios de comunicação, que chegavam a prever a superação dos católicos em meados de 2030. Foi o caso do pesquisador José Eustáquio Alves, que agora ajeitou esta previsão para 2050.

Os evangélicos têm sua maior presença no Norte (36,8%) e Centro-Oeste (31,4%), com concentração na fronteira agrícola e mineral do país, bem como nas favelas e municípios de regiões metropolitanas. A maior proporção de evangélicos foi detectada no Acre (44,4%), e a menor no Piauí (15,6%). Em algumas cidades, os evangélicos já ultrapassaram os católicos, como em Rio Branco (AC), Duque de Caxias (RJ), Nilópolis (RJ) e Búzios (RJ).

Embora os dados preliminares não tenham discriminado a divisão interna do mundo evangélico, já podemos verificar, desde o Censo anterior a presença crescente dos “evangélicos sem vínculos”. O que era comum no mundo católico, envolvendo os católicos não praticantes, agora vislumbramos também no mundo evangélico, como apontou a pesquisa recente do ISER: “Há um sem número de formas de viver uma religiosidade evangélica sem necessariamente estar vinculado a uma igreja denominacional”. O que os pesquisadores têm evidenciado nos últimos anos, é uma fragmentação no campo evangélico, sendo esse campo menos “monolítico”, com novas gamas de participação ou formas de vivência da religiosidade evangélica: “igrejas autônomas, células independentes, ministérios desigrejados, influenciadores religiosos, grupos de oração no whatsap” [8].

Outro detalhe importante, é a presença dos evangélicos entre os mais jovens. Enquanto os católicos estão mais presentes entre os mais velhos, os evangélicos têm um perfil mais jovem, sendo a maior proporção entre aqueles que têm de 10 a 14 anos (31,6%), diminuindo com o avançar da idade: 19% entre aqueles que tem 80 ou mais anos. Esse perfil jovem também se verifica entre os sem religião.

Levando em conta a distribuição por raça ou cor, os evangélicos têm sua maioria de declarantes de cor ou raça preta ou parda. Como mostrou com pertinência Reginaldo Prandi, as religiões afro-brasileiras “vão cada vez mais incorporando o branco em suas fileiras”, enquanto “os negros engrossam cada vez mais as fileiras das religiões não-negras, das quais algumas mais agressivas modelam sua identidade mostrando-se numa guerra santa contra a religiosidade um dia trazida da África” [9]. Outro dado interessante é a constatação da forte presença evangélica entre a declaração de crença feita por pessoas das tradições indígenas (32,2%).

Cresce também no Brasil, assim como indicou o Censo de 2010, a presença dos sem religião. A proporção de pessoas que se declaram sem religião aumentou em 1.3 pontos percentuais entre os anos de 2010 e 2022, passando de 7,9% para 9,3%. Ou seja, quase 10% da população brasileira define-se hoje como sem religião. São índices que se aproximam de outros países da América Latina, como México (10,6%), Argentina (9,2%) e Equador (8,4%). A proporção aumenta em países como Uruguai (52,4) e Chile (30,3%).

Há uma maior presença dos sem religião na região Sudeste (10,6%), e a menor presença na região Sul (7,1%). Dentre os declarantes sem religião a maioria são homens (56,2%), e a faixa etária mais contemplada é a dos jovens (na adolescência e início da idade adulta). Na avaliação feita por Regina Novaes em reunião do ISER, no mês de junho, dentre os sem religião estão aqueles que enfatizam uma “religiosidade do eu”, ou seja, aqueles que buscam uma síntese pessoal recorrendo a aprendizados feitos em sua peregrinação espiritual. Não há, porém, fixação numa denominação religiosa específica. A preocupação maior é com a experimentação, evidenciando um contínuo trânsito religioso. Esses “peregrinos” estão sempre em busca de um “porto seguro”. Ainda seguindo a reflexão de Regina Novaes, ela não acredita que esse grupo venha a ser maioria no Brasil, uma vez que as religiões instituídas continuam sendo um expressivo dossel sagrado, fornecedoras de significado para os tempos de intempérie.

Em livro que organizei junto com Renata Menezes, sobre o Censo de 2010, há uma reflexão precisa do antropólogo Pierre Sanchis sobre o tempo atual. Ele dizia no prefácio da obra que o que está em curso é uma desinstitucionalização crescente das religiões: “As estruturas sólidas que fundavam, enquadravam, regulavam o universo das experiências religiosas, conferindo-lhes distinção, identidade e conteúdo, não o fazem mais com o mesmo rigor, e até quando se reafirmam com renovado vigor, não o fazem com a mesma abrangência”. Isso inclusive complexifica a noção de “pertença” religiosa, sendo uma questão para os pesquisadores do futuro. Segundo Sanchis, dentre os desafios a serem enfrentados proximamente pelas instituições religiosas está o “significado menos totalizante para a relação identitária que seus fiéis manterão com elas” [10].

O Censo de 2022 apontou também para a diminuição da declaração de crença espírita no Brasil, que decaiu 0.4 pontos percentuais. A religião espírita hoje no Brasil envolve 1,8% de declarantes, estando sua maioria presente na região Sudeste. No Censo de 2010 os espíritas declarantes eram 1,3%, e no Censo de 2000 eram 2,2%. Constituem o grupo com os melhores níveis de instrução, com o percentual de 48,0% de pessoas com nível superior completo, sendo sua maioria de brancos (63,8%) e pardos (26,3%).

Com respeito às tradições afro-brasileiras (umbanda e candomblé), houve um crescimento expressivo, com um aumento de 233% com respeito ao Censo de 2010. Naquela ocasião, a presença afro era de 0,3% dos declarantes, com um decréscimo da umbanda e um pequeno aumento do candomblé, em comparação com o Censo de 2000. Mas no geral, o que tinha ocorrido em 2010 era um declínio dessas tradições [11]. Agora, o quadro se transforma, com o aumento da declaração de crença afro-brasileira, que alcança 1,0%. Pode-se atribuir tal crescimento a todo um movimento de afirmação e valorização do debate racial no Brasil.

Dentre os declarantes das religiões afro-brasileiras, há uma significativa presença de brancos (42,7%) e pardos (26,3%). Destacam-se também pela pequena taxa de analfabetismo, vindo logo depois dos espíritas, que são os mais instruídos dos declarantes religiosos no Brasil

Nas reflexões apresentadas pelo grupo do ISER, após a divulgação dos dados do Censo de 2022, há uma consideração importante a respeito da presença evangélica no campo cultural brasileiro. Não se pode fixar unicamente nos dados do Censo para compreender o impacto e presença dos evangélicos no Brasil. Há também que considerar “a forte e crescente presença na política partidária, na cultura, na sociabilidade e em pautas sociais com muita visibilidade midiática”. Ou seja, há uma presença na cena pública, que escapa à contabilidade expressa no Censo. Isso também vale para o mundo afro-brasileiro, cuja presença na cultura é bem expressiva, como podemos detectar nas canções, nas novelas, no carnaval e tantos outros eventos do mundo cultural. Como sublinhou com acerto a pesquisadora Magali Cunha, em artigo publicado na Carta Capital [12], “o resultado do Censo mostra que não basta projetar crescimento linear com base em números. É preciso considerar as construções culturais, dinâmicas internas, divisões e a relação com a política”. Ela sublinhou que os números são importantes, mas eles “não falam sozinhos”. Estou plenamente de acordo. Para a compreensão do campo religioso brasileiro, os dados são fundamentais, mas devem ser complementados por pesquisas qualitativas, como dissertações e teses, bem como trabalhos de campo específicos, que possam enriquecer os dados com uma visão mais ajustada da realidade em análise.

Notas

[1] Peter L. Berger (Ed.). Le réenchantement du monde. Paris: Bayard, 2001, p. 21-24.

[2] Danièle Hervieu-Léger. O peregrino e o convertido. A religião em movimento. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 87.

[3] Veja aqui. (acesso em 16/06/2024)

[4] Faustino Teixeira & Renata Menezes (Orgs). Religiões em Movimento. O Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 26-28.

[5] Um Brasil mais plural: um primeiro olhar sobre os dados de Religião do Censo 2022 – 06/06/2025: (acesso em 16/06/2025).

[6] Antônio Flavio Pierucci. Cadê nossa diversidade religiosa? Comentários ao texto de Marcelo Camurça. In: Faustino Teixeira & Renata Menezes (Orgs). As religiões no Brasil. Continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 49-51.

[7]Carlos Rodrigues Brandão. Crença e identidade. Campo religioso e mudança cultural. In: Pierre Sanchis (Org.). Catolicismo: unidade religiosa e pluralismo cultural. São Paulo: Loyola, 1992, p. 51.

[8] Veja os dados apontada na recente pesquisa do ISER, citado acima.

[9] Reginaldo Prandi. Herdeiras do Axé. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 77.

[10] Pierre Sanchis. Prefácio. In: Faustino Teixeira & Renata Menezes (Orgs). Religiões em Movimento, p. 13-14.

[11] Reginaldo Prandi. As religiões afro-brasileiras em ascensão e declínio. In: Faustino Teixeira & Renata Menezes (Orgs). Religiões em Movimento, p.203-218.

[12] Magali Cunha. O que podemos afirmar sobre o número de evangélicos no Censo de 2022: (acesso em 16/06/2024).

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