10 Junho 2025
Carlos circula pelo pátio no carrinho a pedal acompanhado por seu pai: eles encontram um vizinho que os cumprimenta e começam a conversar. Não muito longe, Ramzi filma a cena com seu celular, para guardá-la como lembrança. Tudo isso enquanto, à distância, se ouve o barulho dos bombardeios israelenses.
A entrevista é de Francesca Caferri, publicada por La Repubblica, 07-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
É a "vida surreal" que se vive há vinte meses no complexo da paróquia da Sagrada Família de Gaza, onde desde o início da ofensiva israelense se refugiou a pequena comunidade cristã - católica e ortodoxa - da Faixa de Gaza: 500 pessoas no total se aglomeram em salas de aula e áreas paroquiais em um minúsculo pedaço de terra, até agora preservado do pior, mas não por isso seguro ou tranquilo. “Estamos cercados pelos bombardeios: quando estão perto, há o risco de estilhaços. O ar é terrivelmente insalubre: poeira, detritos, gás. Você também adoece com isso, assim como por disenteria: e sem remédios, até uma coisa boba se torna grave”, conta-nos o pároco, Padre Gabriel Romanelli. Nos últimos dias, também foi a vez dele: uma faringite grave causada por gás e detritos, e uma febre alta, o incapacitaram por dias.
Padre, é a pergunta mais óbvia, mas também a mais importante: como vocês estão?
Bem. Estamos sobrevivendo. Estamos seguindo em frente. Com a fé de sempre.
Pode nos contar um pouco como é um dia típico de vocês?
Geralmente, durante o dia, todos ficam do lado de fora, no pátio, fazendo alguma coisa. Aulas de canto, cozinhando, as crianças brincam e têm algumas aulas. Mas nunca é tranquilo: assim que uma bomba cai perto, todos correm para a igreja ou para debaixo da laje de concreto. Os estilhaços são muito perigosos. O problema é que agora muitos se acostumaram, principalmente as crianças, e não procuram mais abrigo: temos que gritar para elas pararem de brincar porque correm o risco de morrer. Depois de dois minutos, elas estão de volta: como se fosse normal. É surreal, toda a nossa vida nos últimos vinte meses é surreal. Depois, há os dias piores: algumas semanas atrás, durante dois dias, nenhum de nós saiu: os combates eram muito próximos, nos reunimos na igreja e rezamos. Graças a Deus, passou.
O que comem?
Temos o que o Patriarcado Latino de Jerusalém nos enviou durante a trégua e o pouco que conseguimos comprar. A cozinha funciona todos os dias. Temos que peneirar a farinha para tirar os vermes, e agora ficamos muito bons nisso. Preparamos o zaatar (uma mistura de especiarias) com as ervas que encontramos no chão. Ainda temos lentilhas e cereais empacotados: os amassamos e preparamos uma sopa. Tentamos comprar coisas frescas, mas não se encontra muita coisa: os tomates chegaram a 14 dólares o quilo, o açúcar a 50, é demais para nós. Ainda temos algumas balas: damos uma por dia para as crianças e, se pudermos, também para os idosos. Faz bem para eles, até para o coração”.
E os remédios?
Não têm. Nem para doenças crônicas nem para outras. Faltam antibióticos: deram-me alguns comprimidos vencidos, e foi melhor do que nada. Também faltam remédios mais leves, como aqueles para a disenteria, que é um problema diário aqui: a água é suja, há tantas infecções por aí, gatos, ratos e muito lixo.
Seus paroquianos querem ir embora?
Essa é uma pergunta que ninguém faz. A fronteira está fechada e as pessoas nem sequer consideram o problema. Humanamente, ninguém mais tem esperança no futuro: não há mais esperança humana aqui. Sobrou só a fé: sabemos que o Senhor é bom e continuamos a pedir-lhe que nos traga a paz. Percebemos nas últimas semanas que algo está mudando, que os políticos estão finalmente começando a falar. Isso é algo positivo, mas é preciso agir: quanto tempo teremos que esperar? Sete mil crianças morreram: cada uma é uma tragédia. Era preciso parar na primeira criança morta, israelense ou palestina.
O Papa fala frequentemente de Gaza: inclusive no domingo, pediu paz...
Somos gratos ao Papa, que esteve próximo de nós desde o primeiro momento e que, sabemos, está trabalhando pela paz. E somos gratos aos milhões de cristãos no mundo que rezam por nós. Pedimos aos líderes que não se limitem a rezar, mas que trabalhem pela paz. A paz é possível: deve ser feita. Agora.