27 Mai 2025
Na Ilha do Marajó, uma pequena família em que o pai é pescador vive com dificuldades. Num ambiente isolado e primitivo, são comuns histórias de sexualidade precoce e também de abuso sexual contra meninas. Ao mesmo tempo, uma policial procura agir.
O comentário é de O comentário é de Neusa Barbosa, jornalista e crítica de cinema, publicado por CineWeb, 10-04-2025.
Vencedor do prêmio de direção na Jornada dos Autores, em Veneza 2024, Manas, da diretora Marianna Brennand marca a estreia na ficção da documentarista pernambucana, abordando um tema tão duro quanto necessário: o abuso sexual infantil, tanto dentro da família quanto fora dela.
Ambientado na ilha do Marajó (PA) e com roteiro alimentado por oito anos de pesquisa, o filme retrata uma exploração sexual que ocorre nas balsas que circulam pelo rio Tajipuru, e se tornam um meio excuso de sobrevivência num lugar marcado pelo isolamento geográfico e pela pobreza.
A protagonista é a estreante Jamilli Corrêa, uma adolescente que tinha 13 anos na época da filmagem, e interpreta Tiellli, a menina mais velha de um grupo de irmãos e que sofre assédio do pai (Rômulo Braga). A atriz Dira Paes interpreta Aretha, a policial que representa a intervenção do Estado numa situação que não se limita a essa menina, sendo crônica e, infelizmente, não limitada àquela região do Brasil - um drama universal que repercutiu também junto ao público veneziano.
Fotografado por Pierre de Kerchove, o filme é muito eficiente em retratar a imensidão desse rio, que representa ao mesmo tempo a riqueza dessa natureza e o fator determinante desse isolamento - que finalmente, aprisiona também a mãe da família (Fátima Macedo), ela mesma no passado vítima desse mesmo círculo vicioso de abuso feminino.
É importante a escolha de humanizar, acrescentando nuances, mesmo a personagens evidentemente negativos, como o do pai, contextualizando a ignorância e o machismo sem desculpá-lo. Muito pelo contrário. Manas é um filme que se acompanha com o coração na boca, sentindo e sofrendo por sua pequena protagonista tendo que tão cedo lidar por si mesma com questões tão avassaladoras num contexto em que não há apoio nem mesma da igreja evangélica que frequenta - onde a palavra de ordem é manter as famílias unidas a qualquer custo, sem dar escuta a dramas como o abuso infantil, o que acaba representando uma omissão que perpetua os crimes. Manas é um grito contra todo tipo de silêncio que se tenta produzir sobre esse crime hediondo.