21 Mai 2025
Na Avenida 18 de Julio, Mães e Familiares de Detidos e Desaparecidos, ativistas e membros do governo do presidente Orsi disseram não ao esquecimento.
A reportagem é de Gustavo Veiga, publicado por Página|12, 21-05-2025.
Milhares de uruguaios reafirmaram mais uma vez seu compromisso com a luta pelos direitos humanos. Fizeram-no a pé, ao longo de vários quarteirões, sem cânticos nem vozes amplificadas, com um respeito tão solene quanto sentido pelas vítimas do Terrorismo de Estado, que nos convida a revisitar o passado. Porque feridas abertas não cicatrizam. A ditadura não é uma lembrança vaga. Suas consequências perduram até hoje.
Na espinha dorsal desta capital, na Avenida 18 de Julio, aconteceu a 30ª Marcha Silenciosa. Um evento que já é um ritual carregado de capital simbólico. O que também foi replicado em diferentes cidades do interior. Mesmo em países tão distantes como Japão e Equador. Sob o lema: "30 vezes Nunca Mais: saiba cumprir. Onde estão eles?"
A coluna que partiu da Universidade da República, no cruzamento da Juan Jackson com a Avenida Rivera, caminhou lentamente pela Rua 18 até a Plaza Libertad. Na frente estavam parentes com faixas dos desaparecidos. Registros uruguaios indicam que há 197, muitos deles sequestrados na Argentina. Um rosto e um nome em cada placa apontavam para a dor silenciosa de seus parentes. Como o usado pelo primo de José Luis Urtasun, que foi detido e desaparecido em Buenos Aires em 13 de agosto de 1978.
À frente da marcha estava Jair Krischke, presidente do Movimento Brasileiro de Direitos Humanos, um ativista incansável que salvou a vida de uruguaios do outro lado da fronteira durante a ditadura de 1973 a 1985. O chefe da coluna era seguido por um grande número de pessoas. Muitos outros a seguiram de perto, vindos das calçadas, onde o silêncio envolvente era interrompido apenas por algumas vozes isoladas de ativistas abrindo caminho para que fotógrafos e cinegrafistas não atrapalhassem a mobilização, e por um pequeno celular filmando seu progresso.
Representantes do Movimento de Participação Popular (MPP), atualmente no governo da Frente Ampla, se reuniram na esquina das ruas Magallanes e 18 de Julio, na Plaza de los Bomberos. Secretário da Presidência Leonardo Pacha Sánchez, ministra da Defesa Sandra Lazo e deputado nacional Gabriel Otero, vítima da ditadura. Quando criança, ele foi mantido em um quartel com sua mãe, Melba, uma ativista política como seu pai, Evaristo Manuel.
“Toda essa questão precisa ser abordada sob vários ângulos. A educação em memória é fundamental. Participamos dessa marcha há trinta anos, tanto aqui quanto no resto do país. Estive em Treinta y Tres, em Rocha e em vários lugares do país, e geralmente venho com meus filhos e, ocasionalmente, com minha neta. Em outras palavras, cada vez mais pessoas estão se juntando, unindo-se na necessidade de avançar na busca pela verdade. E até que isso aconteça, não haverá uma verdadeira reconciliação”, disse o Ministro Lazo à Página/12.
Vivemos tempos de retrocesso no mundo em termos de políticas de memória, verdade e justiça. Na Argentina sabemos disso muito bem. O governo de Javier Milei cultiva o negacionismo. No Brasil, a Lei da Anistia de 1979, que garantiu a impunidade dos militares por seus crimes nas décadas de 1960 e 1970, ainda está em vigor. No Uruguai, os casos têm progredido lentamente; um referendo para abolir a Lei da Expiração foi perdido, mas a Marcha do Silêncio levanta questões anuais sobre as consequências de um passado não resolvido.
Otero afirma que o caminho percorrido até agora "é consequência da luta e da resistência deste povo que exige o paradeiro dos 197 desaparecidos. Exigem verdade. Exigem justiça. E temos esperança de que este governo, o Presidente Yamandú (Orsi) e o Ministro da Defesa consigam encontrar a verdade que muitos de nós ainda buscamos. Esta é uma marcha sustentada pelos jovens. Hoje tive a oportunidade de vivenciar isso com meus sobrinhos-netos, de 22 e 19 anos, que estão por perto. Eles me perguntaram: 'Tio, como foi a primeira marcha?'" Eles estão sensibilizados com a questão e com essa mobilização, que é um ícone de resistência."
O Uruguai não esqueceu suas vítimas do terrorismo de Estado, mas ainda há focos de negação, especialmente nas redes sociais. Soldados condenados que reciclam o esquecimento e desafiam o governo. Vozes críticas que ainda hoje, no século XXI, afirmam que "não houve ditadura, tortura ou desaparecimentos". Eles atribuem aos militares um status beatífico por terem salvado o país do comunismo internacional. Uma construção de subjetividade que, em pedaços, continuou até mesmo nos primeiros governos constitucionais de Julio María Sanguinetti e Luis Lacalle Herrera.
A trigésima Marcha Silenciosa perdeu desta vez dois grandes uruguaios, que não puderam comparecer porque faleceram com quatro dias de diferença. O ex-presidente José Pepe Mujica e María Belela Herrera, ativista de direitos humanos, professora e política uruguaia que atuou como vice-chanceler do Uruguai entre 2005 e 2008. Nesta terça-feira, 20 de maio, esse homem, que recebeu críticas elogiosas por sua história de luta, sabedoria popular e consistência, também completaria 90 anos.