08 Mai 2025
O setor que quer dar continuidade ao legado do Papa teme que uma aliança de Cúria, diplomatas e conservadores tenha se reunido em torno do Secretário de Estado para impedir as reformas de Bergoglio.
A reportagem é de Inigo Dominguez, publicada por El País, 07-05-2025.
O conclave mais complicado dos últimos tempos, devido às divisões entre os cardeais, começou nesta quarta-feira, e uma polêmica já está se formando. No Vaticano, gestos e silêncios, ou o que se lê nas entrelinhas, expressam mais do que o que é dito, e os cardeais são muito hábeis em interpretar sinais. É por isso que dois episódios da Missa Pro Elegendo Pontifice, a cerimônia pré-conclave realizada nesta quarta-feira às dez horas da manhã na Basílica de São Pedro, causaram surpresa e murmúrios, que já se espalharam para Roma.
O decano do Colégio Cardinalício, Giovanni Battista Re, não mencionou Francisco em sua homilia, uma omissão surpreendente e sem precedentes em conclaves anteriores. “Ele não pode ter esquecido, foi deliberado”, diz um prelado. Tanto em 2005 quanto em 2013, a mesma homilia incluiu uma lembrança carinhosa do reconhecimento do papa anterior. Num conclave onde a discussão central é se devemos ou não seguir o caminho aberto por Francisco, este silêncio está cheio de significado.
O setor que quer dar continuidade ao legado de Jorge Mario Bergoglio interpreta isso como um sinal claro, além de uma incompreensível falta de cortesia, de que o movimento mais conservador quer virar a página e mudar de rumo. Mas Re também fez um gesto pessoal muito significativo, fora do protocolo, no final da cerimônia: abraçou Pietro Parolin, o favorito nas pesquisas como candidato de consenso, e pelo microfone ouvimos: “ Auguri [parabéns, ou boa sorte, dependendo do contexto]”.
A verdade é que o abraço poderia ser interpretado simplesmente como uma transferência de poder: Re não entrará na Capela Sistina na tarde desta quarta-feira porque tem mais de 80 anos, e é Parolin quem assume a autoridade dentro do conclave. Além disso, neste sentido, parece ouvir-se a expressão “Auguri doppi [dupla felicitação]”. Mas fontes do Vaticano insistem que o Cardeal Re, um membro altamente experiente e conhecedor da Cúria, está bem ciente do valor dos gestos no Vaticano e como ele está sinalizando um candidato. No momento, por mais absurdo que pareça, tudo isso é assunto de Roma, um sinal de que os nervos estão à flor da pele antes do conclave.
Na frente mais progressista, que quer um papa que dê continuidade às reformas iniciadas por Francisco, os alarmes dispararam, de acordo com fontes do Vaticano. A homilia do decano, uma das principais autoridades do Vaticano, durante a vacância, na missa anterior ao conclave, é frequentemente interpretada como uma indicação do programa e dá pistas sobre o rumo que a eleição pode tomar. E por isso, o campo reformista teme que já tenha se formado um bloco composto por cardeais conservadores da Cúria e da diplomacia, mais ligados à Igreja oficial e interessados em corrigir o rumo de Francisco, e que se uniu em torno de Parolin, até agora Secretário de Estado. Nesse contexto, eles deduzem do abraço e dos parabéns de Re que acreditam que tudo está resolvido e que foi uma espécie de investidura não oficial.
No entanto, a adesão de Re a Parolin pode ser um erro, pois transmite a ideia de que tudo está acertado e pressupõe o resultado, algo que pode irritar alguns cardeais e alterar votos. O vídeo do abraço rapidamente começou a circular nas redes sociais com comentários sarcásticos.
A homilia de Re não apenas negligenciou Francisco, mas também enfatizou claramente a situação política global, destacando a necessidade de um papa mais diplomático e com habilidades de negociação como prioridade. Este é o perfil de Parolin.
Em seu discurso de abertura, Re pediu força ao Espírito Santo "para que seja eleito o papa que a Igreja e a humanidade precisam neste momento difícil e complexo da história". E acrescentou: "O mundo de hoje espera muito da Igreja para salvaguardar esses valores humanos e espirituais fundamentais, sem os quais a convivência humana não será melhor nem trará bem às gerações futuras". Uma referência à Igreja como um bastião moral baseado em princípios sólidos, que é o que o setor conservador está reivindicando.