29 Abril 2025
Em entrevista ao Conexão BDF, do Brasil de Fato, nesta segunda-feira (28), Dia Mundial da Educação, o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), criticou a forma como o Brasil lida com a educação. Segundo ele, a elite econômica brasileira nunca investiu de forma consistente no ensino público, por temer a emancipação popular.
A entrevista é de Adele Robichez, José Eduardo Bernardes e Larissa Bohrer, publicada por Brasil de Fato, 28-04-2025.
“As elites econômicas brasileiras falam sobre educação, elas sabem a importância da educação, mas nunca fizeram muito para que de fato a educação se realizasse por um motivo que é estrutural: uma boa educação gera a emancipação das pessoas. Pessoas emancipadas vão criticar as estruturas de poder e vão querer participar do jogo de poder”, explica.
Cara apontou que, apesar de avanços em políticas públicas e leis, a implementação esbarra na precarização do trabalho dos professores, que são “o elo mais fraco da cadeia”. Salários congelados e condições precárias, especialmente em estados e municípios, mostram a falta de compromisso real com a valorização da carreira docente. “Mudanças estruturais na educação levem de oito a dez anos. Não temos pessoas à frente de governos estaduais e municipais com compromisso público, elas não se preocupam com o futuro, mas com a próxima eleição.”
Ele também criticou o impacto do novo arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso. Segundo o professor, o próprio Ministério da Fazenda reconhece que, a partir de 2027, o financiamento da educação e da saúde será inviabilizado caso as regras atuais não mudem. “Se o governo Lula 3 não romper com o neoliberalismo e não desagradar a Faria Lima em favor do povo brasileiro, corre o risco de não conseguir a reeleição. E isso é muito preocupante, porque não há alternativa melhor colocada hoje”, afirmou.
Questionado sobre os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que mostram que o Brasil ainda não voltou ao patamar pré-pandemia de covid-19, Daniel Cara ponderou que o principal problema da educação brasileira não foi a suspensão das aulas presenciais, mas a crise econômica aprofundada pela crise sanitária.
“O problema da educação está relacionado a problemas econômicos. As famílias passaram muitas dificuldades na pandemia, elas continuam passando dificuldades. Isso é um problema para os professores, mas também para as mães e pais de família. As crianças, em situação de necessidade em casa, acabam tendo dificuldade de aprendizado”, afirma.
Para o professor, o país precisa de mais investimento e políticas estruturadas para a recuperação educacional. Mas, sem crescimento econômico e prioridade política real para a educação, as dificuldades devem persistir. “Se tivéssemos um momento de crescimento econômico, uma gestão federal mais estruturada, isso não teria acontecido”, avalia.
Daniel Cara ainda alertou que fundações empresariais, como o Todos pela Educação, costumam ignorar essas questões estruturais e econômicas ao analisar a qualidade do ensino no Brasil. “Há um interesse em manter o debate educacional desconectado das questões de poder e de desigualdade.”
Durante a entrevista, Cara defendeu a regulamentação do uso de celulares em sala de aula. Para ele, embora o aparelho possa ter funções pedagógicas, a realidade brasileira exigia uma medida de contenção. “O Brasil não estava com maturidade para enfrentar essa questão [do uso de celulares nas escolas] porque existe um desgaste de educação, um desgaste nas relações educacionais e pedagógicas”, explicou.
Cara lembrou que iniciativas como o movimento Escola Sem Partido, liderado pela extrema direita, contribuíram para criar um ambiente de desconfiança e tensão entre professores, alunos e famílias. “O clima dentro das escolas está péssimo, e o celular de fato tira a atenção porque é um instrumento tecnológico imersivo: você só consegue prestar atenção no celular”, destacou.
Segundo o professor, apesar de resistências iniciais, a lei que restringe o uso de celulares nas escolas tem mostrado bons resultados em todo o país: “Acho que em algum momento ela vai desgastar, mas por enquanto tem funcionado e tem dado bons resultados. […] Foi uma lei necessária, e eu espero que continue funcionando”.