09 Abril 2025
Alvo da taxa recíproca mínima de 10%, o Brasil escapou do "tarifaço" mais agressivo, mas enfrentará efeitos indiretos da piora da economia global. Dólar e retaliação ameaçam elevar inflação.
A reportagem é de André Marinho, publicada por DW Brasil, 08-04-2025.
O Brasil escapou do pior cenário na guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após o governo americano aplicar a tarifa recíproca mínima de 10% sobre os produtos do país na semana passada.
O quadro coloca o mercado local em vantagem competitiva em relação aos principais concorrentes no sistema de comércio global, como a União Europeia (UE), alvo de uma sobretaxa de 20%.
Ainda assim, economistas esperam algum impacto no bolso do consumidor brasileiro, sobretudo se houver uma deterioração da economia mundial.
"Se houver uma queda brutal da demanda em função de recessão global, é possível que nenhum país saia ganhando, nem sobre o aspecto setorial", alerta Lucas Ferraz, coordenador do Centro de Estudos de Negócios Globais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e secretário de comércio exterior entre 2019 e 2022.
Uma eventual retaliação do governo brasileiro e a instabilidade do dólar podem ainda encarecer produtos importados e impulsionar a inflação, que já está em alta. Por outro lado, em um horizonte de longo prazo, o fechamento do mercado americano deve redirecionar os fluxos comerciais para o Brasil. O resultado seria o aumento da oferta e a consequente queda dos preços.
"É um equilíbrio ainda muito difícil de se prever", explica Ferraz. "Mas certamente é um cenário muito preocupante para a economia mundial", reforça.
Os EUA costumam acusar o Brasil de impor tarifas relativamente altas e outros tipos de barreiras a importações, particularmente nos setores de etanol, automotivo, químico e siderúrgico. No entanto, a balança comercial entre as duas maiores economias da América é superavitária em favor dos americanos há 15 anos – ou seja, eles exportam mais do que importam.
Como o tarifaço de Trump foi calculado com base no déficit dos EUA com os outros países, o Brasil acabou alvo da tarifa mínima de 10%. O valor é bem inferior à taxa cobrada de pares como Japão (24%), Índia (26%) e China (34%). "Se colocarmos no relativo, o Brasil não ficou tão mal", ressalta Ferraz.
Além das recíprocas, Trump já havia imposto, no mês passado, tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio importado, que também atingem as exportações brasileiras. As repercussões econômicas ao país, porém, tendem a ser mais brandas, afirma o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
"A economia brasileira vai crescer menos, terá um pouco mais de desemprego, mas a guerra tarifária não tem um impacto tão dramático assim no nosso cenário econômico", diz.
De qualquer forma, o ambiente global mais adverso impõe pressão sobre economias emergentes, como é o caso do Brasil. Nos últimos dias, os mercados financeiros enfrentaram nervosismo em meio aos anúncios tarifários, o que derrubou bolsas de valores em todo o mundo.
O movimento reflete o temor de que uma piora no ambiente de negócios debilite a atividade econômica americana. O banco de investimentos Goldman Sachs, inclusive, aumentou de 35% para 45% a chance de que os EUA entrem em uma recessão – geralmente caracterizada como um período de dois trimestres consecutivos de encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Para o Brasil, a crise internacional chegaria em um momento em que as condições domésticas já estão se agravando. No mês passado, o Banco Central elevou os juros básicos em 1 ponto porcentual, para 14,25%, maior nível desde 2016. Uma das justificativas para a decisão foi a incerteza tarifária. "O ambiente externo permanece desafiador em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos", destacou o Comitê de Política Monetária.
Somada à desaceleração dos setores de comércio, serviço e indústria, a guerra comercial contribuirá para um aumento da taxa de desemprego, atualmente em 6,5%, diz Vale, da MB Associados. "A economia vai crescer entre 1,5% e 2%, cerca de metade do crescimento do ano passado. Isso vai ter implicações no mercado de trabalho", prevê.
Outro fator que complica as perspectivas é a resposta dos países afetados. A China já reagiu a Trump com o anúncio de uma tarifa de 34%. A União Europeia (UE) discute um pacote mais amplo de retaliação, embora tenha sinalizado abertura ao diálogo.
No Brasil, o Congresso aprovou um projeto de reciprocidade que oferece instrumentos para uma reação ao tarifaço de Trump. Se o país responder com sobretaxas de nível similar às dos EUA, a inflação brasileira tende a subir, afirma Vale. "Não acho que o Brasil vai querer entrar em uma guerra comercial, porque a nossa inflação não está baixa”, especula.
O economista vê riscos relacionados ao setor de alimentos. Neste caso, a posição protecionista dos EUA pode levar o agronegócio brasileiro a exportar mais soja, milho, carne e outros produtos para a China, com objetivo de suprir essa demanda. No curto prazo, o movimento reduziria a produção para consumo doméstico. No longo prazo, porém, o efeito seria revertido.
A volatilidade do dólar, como consequência das medidas, também pode levar a ajustes nos preços. Em meio aos eventos mais recentes, o dólar se desvalorizou diante de expectativas pessimistas para a economia dos EUA. Mas a guerra comercial ainda pode gerar uma corrida de investidores em direção à segurança da divisa americana, o que encareceria o dólar, segundo análise do banco holandês ING.
Por outro lado, a escalada do protecionismo americano também abre uma janela de oportunidades ao Brasil, que poderia afetar positivamente as finanças das famílias. Tarifas americanas mais altas contra concorrentes diretos ajudam a abrir o mercado brasileiro nos setores mais fortes da economia nacional. A China, por exemplo, anunciou retaliação focada no agronegócio dos EUA.
"Olhando para a guerra comercial que está vindo por aí, temos uma economia com um potencial positivo justamente nos setores em que nós mais produzimos, que são as commodities agropecuárias, a mineração e o petróleo", ressalta Vale.
Para o economista André Valério, do Banco Inter, o Brasil tende a ganhar participação em mercados como o chinês, diante do redirecionamento da demanda dos países afetados. "O fato de o Brasil ter sido menos taxado tornará os nossos produtos relativamente mais competitivos em relação aos outros países, o que pode permitir maiores exportações aos Estados Unidos", avalia.