28 Março 2025
"A secularização da Igreja é o resultado de uma combinação de fatores internos e externos que enfraqueceram a relação entre a instituição e seus fiéis. Entretanto, longe de ser uma ameaça, pode ser uma oportunidade para a Igreja para renovar sua mensagem e prática, retornando às suas raízes evangélicas e empenhando-se com os valores de justiça, de igualdade e de solidariedade".
O artigo é de José Carlos Enríquez Díaz, publicado por Ataque al Poder, 26-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O processo de secularização atualmente em curso na Igreja Católica não é um fenômeno espontâneo ou isolado, mas sim o resultado de uma série de fatores históricos, sociais e eclesiais que afetaram a relação entre os fiéis e a instituição eclesiástica. Embora a fé cristã permaneça viva em muitas comunidades, a rigidez de algumas posições doutrinárias e a falta de abertura às mudanças sociais levaram a um crescente distanciamento de muitos fiéis.
O congelamento do Concílio Vaticano II pelo Papa João Paulo II, a rejeição do cristianismo progressista por alguns bispos e padres, a marginalização das mulheres dentro da estrutura eclesiástica e a imposição de um ministério conservador geraram um profundo desencanto entre setores significativos da Igreja.
O Concílio Vaticano II representou um ponto de virada na história da Igreja Católica, pois promoveu a renovação litúrgica, a maior participação dos leigos e a abertura para o diálogo ecumênico. No entanto, a falta de continuidade em sua implementação e a resistência de alguns setores eclesiásticos às suas reformas geraram uma tensão constante entre aqueles que buscam uma Igreja mais aberta e aqueles que apoiam uma estrutura tradicional e hierárquica. Isso levou a uma crescente indiferença entre muitos fiéis em relação às práticas da Igreja, relativizando a importância dos sacramentos e reduzindo sua participação às celebrações comunitárias.
Outro fator determinante no processo de secularização foi a exclusão sistemática das mulheres do ministério e dos cargos de responsabilidade dentro da Igreja. Em um mundo em que a igualdade de gênero se tornou mais importante, a recusa da Igreja em permitir uma maior participação feminina nos processos de tomada de decisão parece anacrônica e afasta muitas pessoas que consideram que a Igreja não está à altura dos valores de justiça e igualdade. Longe de se fortalecer, o patriarcado eclesiástico contribuiu para uma crise de representatividade dentro da instituição.
A teologia da libertação e as comunidades de base representaram uma tentativa de renovar a missão da Igreja em prol dos setores mais empobrecidos. Inspiradas pelos princípios do Evangelho de Jesus de Nazaré, essas comunidades lutaram por uma fé comprometida com a justiça social, a defesa dos direitos humanos e a luta contra as desigualdades. No entanto, a rejeição que sofreram por parte da hierarquia eclesiástica enfraqueceu seu impacto e desencorajou muitos fiéis que buscavam nelas uma alternativa válida para viver sua fé de forma coerente com os sinais dos tempos.
Nesse contexto, a secularização social desempenha um papel crucial. A crescente autonomia da esfera pública em relação à religião, o progresso da ciência e do pensamento crítico e a diversidade de opções espirituais mudaram a maneira como as pessoas vivenciam seu relacionamento com o transcendente. A Igreja, em sua tentativa de manter uma posição conservadora, perdeu relevância para muitos fiéis que agora buscam formas novas, mais abertas e menos institucionalizadas de espiritualidade. Entretanto, a secularização não deve ser vista apenas como uma perda, mas também como uma oportunidade de renovação eclesial. Seguindo a visão do Papa João XXIII, é essencial que a Igreja se adapte aos sinais dos tempos, adotando princípios como democracia participativa, justiça social, igualdade de gênero e empenho ecológico. A fé cristã não pode ser separada das lutas atuais pela dignidade humana e pelo bem-estar dos povos; pelo contrário, ela deve ser uma força transformadora que promova a fraternidade, a liberdade e a igualdade.
Essa reflexão encontra apoio nas palavras do Papa Paulo VI, que afirmava em sua exortação apostólica Evangelii nuntiandi (1975) que “a ruptura entre o Evangelho e a cultura é, sem dúvida, o drama de nossa época”. Nesse sentido, a secularização não é apenas um desafio externo, mas também um apelo à Igreja para renovar sua mensagem e seu testemunho na sociedade contemporânea. A fé não pode ser relegada a um conjunto de ritos e normas, mas deve ser uma experiência viva que responda às preocupações e às exigências do mundo de hoje.
Para reverter a crise da secularização e reconquistar a confiança dos fiéis, a Igreja deve ser fiel ao Evangelho e ao espírito do Concílio Vaticano II. Isso implica uma renovação profunda que inclui maior participação dos leigos, reconhecimento do papel das mulheres na comunidade eclesial, abertura a novas formas de espiritualidade e um genuíno empenho pelos menos favorecidos. Essa é a única maneira de manter sua relevância em um mundo em rápida mudança que exige respostas mais alinhadas com a realidade contemporânea.
Em conclusão, a secularização da Igreja é o resultado de uma combinação de fatores internos e externos que enfraqueceram a relação entre a instituição e seus fiéis. Entretanto, longe de ser uma ameaça, pode ser uma oportunidade para a Igreja para renovar sua mensagem e prática, retornando às suas raízes evangélicas e empenhando-se com os valores de justiça, de igualdade e de solidariedade. Adaptar-se aos sinais dos tempos é essencial para que a fé cristã continue sendo um guia válido e significativo na sociedade atual.