29 Março 2025
"Salvando as devidas diferenças, vale o mesmo na tensão entre oportunidade e oportunismo. O contexto de crise, caos e barbárie abre espaço para ambos", escreve Alfredo J. Gonçalves, CS, padre, assessor do SPM/São Paulo, 09-12-2024.
O cenário é conhecido por suas mais variadas expressões – mudanças climáticas, aquecimento global, crise, caos, barbárie, transição paradigmática, falta de referências, modernidade líquida! Tempo em que tsunamis e terremotos ao mesmo tempo velam e revelam o movimento invisível das placas tectônicas. Mas igualmente tempo que, na superfície da terra, intensos deslocamentos humanos povoam os caminhos, atravessam mares, desertos e florestas, percorrem as estradas e incham as fronteiras que simultaneamente unem e dividem os países. Cresce desmesuradamente o volume de pessoas, bem como a dinâmica e a pressão sobre os chamados complexos fronteiriços. Mescla de rostos, línguas, moedas, bandeiras!...
As referências sólidas da tradição, dos povos, da cultura, dos valores e costumes parecem se diluir no vórtice vertiginoso das mudanças. Tudo gira em ritmo acelerado, endiabrado, alcançando à potência máxima de toda e qualquer possibilidade. Parafraseando Simone de Beauvoir, é como se as estrelas tivessem se apagado no céu, os marcos tivessem desaparecido da estrada e o chão tivesse fugido debaixo dos pés. As verdades são destronadas, dando lugar às hipóteses; quando tínhamos aprendido as respostas, novas perguntas se erguem como órfãs de pai e mãe; as interrogações tomam o lugar das certezas adquiridas ao longo de séculos. Medo, dúvidas e inquietações passam a fazer parte do cotidiano.
É nesse fio tênue da transição paradigmática, qual ponte pênsil sobre um abismo de águas turvas, torvas e bravias, que todos nos sentimos como que “fora do lar, fora da casa e fora da pátria”. Peixes fora da água! No pensamento do filósofo Nietzsche, é como se Deus tivesse morrido e nos deixado sós em meio a um deserto árido, ou olho furioso de uma tempestade colossal. Não dispomos de bússola, não temos âncora, não enxergamos o farol, não sabemos onde está o porto seguro. Na linha de outro filósofo – F. Hegel – o prefixo “in” nos envolve por todos os lados: insegurança, incerteza, inquietude, indignação, impotência. Segundo este último filósofo, entretanto, a predominância dos “in” é sinal de que algo se move da direção correta. A respostas, de certa forma, precedem as perguntas. O ser humano e a sociedade não suportam uma pergunta no vácuo total. Quando elaboramos perguntas é porque já existem no substrato da consciência elementos de resposta. Para quê então fazer a pergunta? Justamente para iluminar e sistematizar os fragmentos de resposta que já nos inquietam. A Incerteza e inquietude apontam já para uma forma de resposta!
Em semelhante dilema surge a tensão entre autoridade e autoritarismo, entre oportunidade e oportunismo. Não obstante o vazio, o escuro e a falta de rumo, a autoridade permanece serena e confiante, porque movida pela fé e esperança. Deposita nas mãos de Deus seu pesado fardo, mesmo reconhecendo suas responsabilidades de liderança. O autoritarismo, ao contrário, cospe sentenças em todas as direções, porque pressionado pela expectativa do imediatismo. A autoridade se sustenta pela sóbria, sábia e saudável memória do tempo e da história, sabendo que está, em última instância, não depende de nossas forças. O autoritarismo se vê pulando ansioso sobre os espinhos da insegurança, da incerteza e da impotência. Não encontrando chão sólido onde firmar os pés, e achando que tudo depende de suas próprias forças, entra facilmente em pânico, partindo para uma agressividade gratuita e generalizada. Enquanto a autoridade se remete ao tempo longo da história, o autoritarismo só conhece o tempo breve de seu poder e influência. O fardo pesa demais sobre os próprios ombros, e ele tende a descarregá-lo sobre os mais vulneráveis do “reino”.
Salvando as devidas diferenças, vale o mesmo na tensão entre oportunidade e oportunismo. O contexto de crise, caos e barbárie abre espaço para ambos. A oportunidade colhe o fruto maduro e vendo que este, se não for aproveitado, irremediavelmente apodrecerá, procura de todas as formas salvá-lo da podridão, dividindo-o com os demais. Já para o oportunismo funciona a lei do “quanto pior melhor”. Tudo faz para apodrecer o fruto: desestabiliza toda e qualquer autoridade democrática, na tentativa de desqualificar a administração pública. Assim, de forma consciente ou inconsciente, abre caminho para a iniciativa privada, a qual, em boa parte dos casos, prima por oportunistas de plantão. Esse modo de agir explica porque privatizar determinados serviços públicos (saneamento básico, saúde, educação, energia, entre outros), não raro, significa manipular e desviar os ganhos líquidos da empresa. Ao invés de pensar em novos investimentos e melhorias nas redes respectivas, os lucros acabam indo para as contas bancárias dos próprios acionistas.
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