21 Março 2025
Modelagem do Instituto de Pesquisas Hidráulicas mostra que estado precisa aprimorar monitoramento para enfrentar chuvas mais frequentes e intensas.
A reportagem é de Gregório Mascarenhas, publicada por Matinal, 20-03-2025.
Uma modelagem hidrológica desenvolvida pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) indica que o estado tem as cheias mais abruptas do país, com rios que sobem muito e de forma muito rápida. Tal condição se torna mais preocupante diante da previsão de inundações mais intensas e frequentes com as mudanças no clima.
Foi uma diferença de percepção sobre as cheias de rios brasileiros que chamou a atenção dos cientistas do IPH. Em conversa com pesquisadores de outras regiões do Brasil, eles perceberam que especialistas frequentemente se impressionavam com transbordamentos fluviais que não seriam tão assombrosos para os gaúchos.
Isso levantou um questionamento: seria o Rio Grande do Sul um lugar singular no que se refere a cheias de rios? Para responder a essa pergunta, os pesquisadores analisaram dados de diversos cursos d’água brasileiros, tanto a partir de medições conduzidas diariamente com réguas quanto de uma modelagem hidrológica criada pelo próprio instituto.
Os resultados mostraram lugares em que os rios apresentam grande amplitude – sobem muito, mas isso leva bastante tempo. Já em outras bacias, os rios sobem rapidamente, mas com menor variação de nível. No Rio Grande do Sul, há uma combinação dos dois fatores preocupantes: a velocidade e magnitude das cheias.
Ainda assim, nesse contexto, o professor Walter Collischonn, integrante do IPH, descreve o Rio Grande do Sul, nas partes alagáveis da depressão central, como um “estado esponja”, em referência à ideia das “cidades esponja”, amplamente debatida nos meios de comunicação após a grande enchente de 2024. “Essa função de reter água por um tempo e liberá-la mais lentamente, no Rio Grande do Sul, na bacia do rio Jacuí, é cumprida por várzeas, que inundam naturalmente. Nunca ninguém precisou modificá-las para que isso acontecesse”, afirma.
O pesquisador da UFRGS foi um dos participantes do seminário RS: Resiliência e Sustentabilidade, realizado em março, uma parceria entre a Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul (SERS), o governo federal e a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). A iniciativa apoiou dez linhas de pesquisa das universidades federais gaúchas sobre desastres climáticos.
Mesmo com a construção de diques em áreas urbanas de algumas cidades da bacia hidrográfica, as inundações continuam atingindo lavouras, matas ciliares e pastagens naturais na depressão central do estado, retardando a formação de ondas de cheia. “Não fosse por esse efeito, a água poderia chegar a mais de seis metros em Porto Alegre”, afirmou o professor, em entrevista à Matinal. Nesse caso, não haveria sistema de proteção capaz de conter as cheias.
Características climáticas e geológicas do Rio Grande do Sul explicam o título de estado com cheias mais abruptas. Aqui há solos profundos, mas com baixa capacidade de armazenamento de água. Nessa situação, qualquer chuva volumosa já provoca escoamento superficial. Em locais de alta declividade – como na descida do planalto ou da serra em direção às áreas baixas do centro do estado –, a água da chuva rapidamente chega aos rios. Muitos desses cursos d’água ainda percorrem vales estreitos, o que intensifica a velocidade do escoamento. Soma-se a isso um fenômeno característico do sul do Brasil: a presença de frentes frias estacionárias, que podem provocar chuva intensa por vários dias – algo raro no Brasil tropical.
As alterações no padrão de chuvas no Rio Grande do Sul devido ao aquecimento global são um consenso na comunidade científica. Os modelos climáticos indicam que o volume de precipitações intensas ao longo do século 21 deve aumentar em todo o país, embora o impacto varie de região para região.
“Essas modelagens apresentam diferentes resultados, mas convergem na previsão de um aumento das chuvas”, explica Collischonn. Ele ressalta que ainda há incertezas sobre chuvas de menor duração, pois a tecnologia atual não permite conclusões definitivas. No entanto, algumas hipóteses indicam que esses eventos também podem se intensificar significativamente. “São tempestades que podem transbordar o arroio Feijó, em Viamão”, exemplifica o professor.
Para os grandes rios do estado, a previsão é de que as cheias se tornem mais frequentes e intensas, gerando uma preocupação severa entre os especialistas do IPH.
Diante desse cenário, os cientistas recomendam aprimorar o monitoramento hidrológico e investir em tecnologia para prever cheias no estado. Durante a cheia de 2024, o IPH criou um mapa mostrando a provável mancha de inundação em Porto Alegre caso o sistema de proteção falhasse – o que de fato ocorreu. “Foi uma tentativa de aproveitar a pesquisa para prestar um serviço em um momento muito crítico”, conclui Collischonn. Segundo os especialistas, muitas das perdas humanas e materiais poderiam ser evitadas.
Em 2020, a Matinal apresentou a chegada do colapso climático a Porto Alegre, com um cenário de inundações severas e secas prolongadas. No ano passado, outra reportagem mostrou que os objetivos do Plano Diretor de Porto Alegre não trabalham com cheia do Guaíba.