13 Março 2025
"Musk e Trump explicitam os desejos que foram reprimidos ou envergonhados pela civilização cristã que fala do amor ao próximo. Nesse sentido, a violência da civilização ocidental venceu sobre o discurso cristão de amor ou solidariedade; o capitalismo selvagem venceu sobre o projeto de Estado de bem-estar social", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
"Musk diz com coragem e sem vergonha: empatia que se transforma em solidariedade social é uma fraqueza a ser superada", escreve o cientista da religião.
Semana passada, Elon Musk, em uma entrevista, disse: “A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia. A exploração da empatia. Estão explorando uma falha na civilização ocidental, que é a resposta de empatia. E eu acho que a empatia é boa, mas é preciso pensar bem e não ser apenas programado como um robô”. É claro que muita gente criticou na rede social especialmente a parte mais chocante: “A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia”. E usou essa afirmação para confirmar que é algo típico da extrema-direita, de alguém totalmente insensível, até mesmo quase psicopata, isto é, sem incapacidade de empatia. Mas o papel que ele tem exercido no governo Trump e no cenário mundial é tão marcante que vale a pena analisarmos com mais calma essa afirmação dele.
Em primeiro lugar, empatia é a capacidade de ver as coisas sob a perspectiva de outra pessoa e sentir suas emoções. Nesse sentido, não é uma qualidade ética, mas algo “natural”, por isso, consideramos como uma “anomalia” a incapacidade de empatia de alguém de tentar ver e sentir emoções na perspectiva de outras pessoas. Uma pessoa sem empatia tem um problema sério de ver e compreender a realidade social. Nesse sentido, ele pode ser egoísta, mas não é incapaz de entender a perspectiva de outros. Por isso, na entrevista, diz que “a empatia é boa”, mas o problema é quando a sociedade reage ou é programado a responder à empatia como um robô. Frente ao comentário do entrevistador, ele explica que a empatia está sendo usada como uma arma. Isto é, o problema não é a empatia em si, mas sim a “empatia como uma arma”.
Para Musk (e também Trump e outros), o problema é o uso, pela “esquerda”, da empatia na sociedade para ampliar o papel social do Estado e, com isso, interferir no “mercado livre”, livre dos impostos sobre os ricos e das regulações na economia e na sociedade. Isto é, a liberdade dos ricos e poderosos de fazer e dizer o que desejam. Nesse sentido, Musk tem “razão” no que ele está afirmando: “A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia”. Isto é, para ele e muitos, a utopia da civilização ocidental é dominar e conquistar a todos e tudo. E a empatia pelos que sofrem é um empecilho fundamental. Como disse E. Dussel: “A Modernidade [...] 'nasceu' quando Europa pôde confrontar-se com 'o Outro' que Europa e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo; quando pôde definir-se como um 'ego' descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva da mesma Modernidade” (1492. O encobrimento do outro).
Musk e Trump explicitam os desejos que foram reprimidos ou envergonhados pela civilização cristã que fala do amor ao próximo. Nesse sentido, a violência da civilização ocidental venceu sobre o discurso cristão de amor ou solidariedade; o capitalismo selvagem venceu sobre o projeto de Estado de bem-estar social. A prova disso é que o cristianismo dominante é aquele que considera heresia defender os pobres e os excluídos da sociedade.
Musk diz com coragem e sem vergonha: empatia que se transforma em solidariedade social é uma fraqueza a ser superada. Esse projeto já estava claro no pensamento de Hayek, mas dito de forma “filosófico-científica” que poucos podem entender. Margareth Thatcher explicou mais popularmente nas suas entrevistas e projeto de converter o coração e a alma da sociedade. O que Musk disse não é original, a novidade é o poder de comunicação que ele e a sua “turma” da extrema-direita estão impondo sobre a consciência e o inconsciente coletivo da humanidade.
Se o cristianismo (as igrejas, movimentos, grupos e pessoas cristãs) pretende ainda se aparecer na sociedade como uma religião original, isto é, diferente do espírito do “mundo”, o primeiro passo é recuperar o mandamento de Jesus: amar ao próximo e a Deus (e não o ídolo-dinheiro). Para isso, é preciso recuperar a noção original do amor (ágape) e mostrar à sociedade que empatia é uma condição humana, mas o passar da empatia à ação de solidariedade (por meio de ações concretas e de políticas de bem-estar social mediadas pelo Estado democrático) é ser tornar humano.
Reinterpretando uma afirmação de Paulo, o apóstolo, podemos dizer: “quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10).