10 Março 2025
Entrevista com Myriam Laaroussi, coordenadora de emergência dos Médicos Sem Fronteiras: “A ajuda à população não pode se tornar uma moeda de troca. O bloqueio nas passagens de fronteira deixa os hospitais de joelhos. E há muito pouca água”.
A reportagem é publicada por La Repubblica, 10-03-2025.
Eles pararam os caminhões com alimentos, cobertores, remédios. Depois cortaram a eletricidade, o que em Gaza significa desligar a única usina de dessalinização, a de Deir al Balah, que produz água potável. Os suprimentos estão acabando e o cerco israelense está aumentando. "A situação é dramática, a ajuda humanitária não pode se tornar uma moeda de troca, uma ferramenta para negociações políticas", disse Myriam Laaroussi, coordenadora de emergência dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), por telefone da Faixa de Gaza.
Quanto tempo durarão os suprimentos armazenados durante a primeira fase da trégua?
Não por muito tempo. Podemos continuar por algumas semanas com cuidados médicos decentes, não é muito tempo. Já precisamos de suprimentos adicionais, especialmente para pacientes com doenças como câncer, diabetes, hipertensão e doenças crônicas.
As casas móveis prometidas no acordo chegaram?
Não, o outro ponto crítico é justamente a habitação. As condições de vida das pessoas são terríveis, muitos se contentam com abrigos improvisados, que eles mesmos montam encontrando pedaços de pano ou papelão, mas não são tendas de verdade. A maioria das pessoas na Cidade de Gaza retornou a prédios completamente destruídos, onde é impossível viver. E há outro problema urgente.
Qual?
A água. Os israelenses impuseram uma proibição às organizações humanitárias sobre os chamados materiais de “uso duplo”, que eles acreditam que podem ser usados para fins humanitários e militares. Os oleodutos são um deles, são proibidos e, portanto, é impossível consertar o sistema hidráulico que foi destruído pela guerra. A água chega de caminhão. O mesmo vale para geradores e combustível, significa que em breve não seremos mais capazes de administrar os hospitais, significa que não haverá terapia intensiva, enfermarias pediátricas, maternidades.
Quais pacientes precisam de mais ajuda?
Crianças, porque há uma escassez enorme de unidades pediátricas, e pessoas que têm doenças crônicas e precisam de cuidados constantes. Precisamos de materiais para os laboratórios, mas não podemos trazê-los e isso significa que não poderemos fazer testes em diabéticos, por exemplo. É como se estivéssemos trabalhando às cegas. Há uma enorme preocupação de que a guerra recomece. Temos dito isso desde o início do conflito: Israel deve abrir as passagens, a ajuda humanitária não pode se tornar uma ferramenta de negociação. Poderíamos fazer muito mais para ajudar as pessoas se as travessias fossem abertas e se as listas de materiais de “uso duplo” fossem modificadas. Mas agora há um bloqueio em tudo novamente.
Os cortes na agência norte-americana USAID afetam seu trabalho?
Não diretamente, porque não temos doadores externos, mas eles afetam outras organizações. Em algum momento, a capacidade operacional deles diminuirá e isso também terá consequências negativas em nosso trabalho.
Vimos fotos do jantar Iftar entre os escombros. Como a população está vivenciando esses dias de Ramadã?
Com o cessar-fogo eles respiraram por um momento. Mas todos estão sobrecarregados, estressados, não se sentem mais considerados seres humanos com suas necessidades, sentem-se como ferramentas. A possibilidade de que a guerra recomece aterroriza a todos. Seria mais do que uma tragédia. Isso não pode e não deve acontecer.