"O evangelho deste domingo (Lc 4,1-13) é a narrativa das tentações de Jesus no deserto. Lucas, diferentemente de Marcos e Mateus, faz das tentações um paradigma de toda a vida de Jesus e a estende por 40 dias – quer dizer, muito tempo, todo o tempo – pois as tentações fazem parte de “toda” a vida de Jesus, também da nossa. Esta passagem é bem conhecida por nós, mas vale lembrar que Lucas enfatiza a humanidade de Jesus, o novo Adão, tentado como todo ser humano na tendência, na inclinação ao mal, que chamamos de concupiscência. Jesus foi tentado a transformar pedras em pão para saciar a sua fome; na concupiscência dos olhos, quando lhe foi dado ver todos os reinos do mundo e tê-los para si sob a condição de adorar o diabo/mal; concupiscência da vida quando lhe é sugerido lançar-se do penhasco para ser resgatado pelos anjos de Deus.
As três tentações são, na verdade, tentações de poder que iam na contra-mão do poder-serviço que caracterizava o poder de Jesus, o seu messianismo. O poder oferecido pelas coisas materiais, o poder do prodígio, do maravilhoso, do mágico e o poder da idolatria, adorar outros deuses que não o Senhor."
A reflexão é de Maria Joaquina Fernandes Pinto, graduada em Letras pela Faculdades de Barra Mansa (1976). Possui graduação (1993), mestrado (1996) e doutorado em Teologia pela PUC-Rio (2001) e pós-doutorado em Bioética pela Pontificia Università Lateralense – Accademia Alfonsiana (Roma 2008). Especialista em Sexualidade Humana, Educação, Prevenção e Tratamento pela Universidade Estácio de Sá.
1ª Leitura: Dt 26,4-10
Salmo: Sl 90(91),1-2.10-15 (R/. cf. 15b)
2ª Leitura: Rm 10,8-13
Evangelho: Lc 4,1-13
Estamos vivendo um tempo quaresmal, tempo de fraternidade, tempo de reflexão e de aprimoramento da nossa vida e de melhor convivência com o próximo e com o meio ambiente. Certos momentos da vida equivalem a momentos de libertação pois toma-se conhecimento do sentido da vida a qual somos chamados. O povo de Israel viveu essa experiência na história e a reviveu na memória através de rituais e expressões poéticas como vemos da 1ª leitura (Dt 26,4-10).
A fé dos israelitas era de extrema simplicidade. Não se apoiava em verdades ou em princípios abstratos, mas no que Deus havia feito concretamente por eles, no decorrer da sua história. O centro da sua fé era o fato pascal ou seja, a libertação do Egito – dom da Terra Prometida – cf. Dt 26,4-10 – em que Moisés orienta o povo a proclamar diante do Senhor, uma síntese da sus trajetória como povo: “Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito… e ali viveu como estrangeiro…". Narra como o Senhor ouviu os clamores do seu povo, o libertou e o conduziu para uma terra onde corre leite e mel. Este belíssimo trecho era lido nas assembleias e equivalia ao Credo que hoje proclamamos nas nossas celebrações.
O centro da fé cristã, tem continuidade com este fato, sendo também um fato histórico: a paixão-morte de Jesus e, posteriormente, a ressurreição de Cristo. Ele é a nossa Páscoa porque liberta e nos dá todo o bem que vem do Pai.
O evangelho deste domingo (Lc 4,1-13) é a narrativa das tentações de Jesus no deserto. Lucas, diferentemente de Marcos e Mateus, faz das tentações um paradigma de toda a vida de Jesus e a estende por 40 dias – quer dizer, muito tempo, todo o tempo – pois as tentações fazem parte de “toda” a vida de Jesus, também da nossa. Esta passagem é bem conhecida por nós, mas vale lembrar que Lucas enfatiza a humanidade de Jesus, o novo Adão, tentado como todo ser humano na tendência, na inclinação ao mal, que chamamos de concupiscência. Jesus foi tentado a transformar pedras em pão para saciar a sua fome; na concupiscência dos olhos, quando lhe foi dado ver todos os reinos do mundo e tê-los para si sob a condição de adorar o diabo/mal; concupiscência da vida quando lhe é sugerido lançar-se do penhasco para ser resgatado pelos anjos de Deus.
As três tentações são, na verdade, tentações de poder que iam na contra-mão do poder-serviço que caracterizava o poder de Jesus, o seu messianismo. O poder oferecido pelas coisas materiais, o poder do prodígio, do maravilhoso, do mágico e o poder da idolatria, adorar outros deuses que não o Senhor.
Este texto causa muita perplexidade a um leitor desinformado, pois imaginar o Espírito Santo levando Jesus para ser tentado no deserto é muito incômodo: que Espírito é esse? O Espírito Santo? Primeiramente, devemos tomar consciência que trata-se de um texto teológico, não histórico, colocado em paralelo com o texto do Antigo Testamento sobre as tentações do deserto sofridas pelo povo de Israel sob a liderança de Moisés, que ali permaneceram durante 40 anos. Lá o povo o tentou para que mostrasse sinais – o pão, a água e o bezerro de ouro – que os fizesse acreditar em Iahweh, e Moisés cedeu às suas exigências. Aqui, no Novo Testamento, Jesus, o novo Moisés, não cede! Vence as tentações e segue a sua missão.
A mensagem é muito atual e pertinente. Quem se entrega ao discipulado, à missão, ao seguimento de Jesus sofre tentações sempre = 40 dias! Durante toda a vida; levados pelo Espirito de Deus, pois Ele não nos leva onde está tudo bem, onde não há problemas… ele nos leva ao “deserto” lugar do pecado e do mal, da injustiça, do intolerância, da falta de saneamento básico, da poluição dos nossos rios, enfim, nos leva onde há problemas… E se estamos numa situação cômoda, se nos encontramos longe destes problemáticos desafios, se desconhecemos ou estamos longe destes “desertos”, há algo errado com esse dito “espírito”, não é o Espírito do Senhor!
Como Jesus, estamos no deserto e somos tentados sempre, por 40 dias... Não nos livraremos das tentações! Elas fazem parte da contingência humana. Mas a nossa resposta a elas é que fará a diferença. Daí a proposta de oração, jejum e muito amor/caridade para termos forças e lutar contra elas. Conversão quaresmal é isso: mudança de atitudes, mudança de pensamento, mudança de vida! É fácil culparmos o "satanás" ou o "diabo" pelo mal que nos assola; demonizamos nossos políticos, nossos líderes religiosos, os detentores do poder global, causadores do mal que nos aniquila, mas esquecemos que também fazemos parte do jogo, que, de alguma forma eu também sou culpada por tudo isso que que está acontecendo, quando nada, pelo falar muito e nada fazer!
Que nesta quaresma, possamos nos conscientizar que o jejum que agrada a Deus é a Misericórdia, a Fraternidade, o sadio convívio com a Mãe Natureza sugerido pela Campanha da Fraternidade 2025 – que nos alerta para a crise ambiental que põe em perigo a vida do planeta e, consequentemente, a nossa. É um pedido de socorro que a Criação – nossa Casa Comum – presente de Deus a toda a humanidade, nos faz e apela para a responsabilidade de todos. E neste sentido, Paulo nos lembra da necessidade de nós unirmos a Cristo e aceitarmos a salvação por Ele oferecida; só com Ele, por Ele e n’Ele, não seremos confundidos, e resistiremos às tentações do deserto.
Que seja assim. Que assim seja!