24 Fevereiro 2025
O cacique Mama Parakanã fez um apelo às autoridades após a aldeia Tekatawa sofrer novo ataque de pistoleiros durante a madrugada desta quinta-feira (20): a Terra Indígena Apyterewa, no Xingu (PA), está desprotegida e seus habitantes estão sob risco de morte, revivendo as décadas de convivência com os invasores da terra homologada.
A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário - CIMI, 21-02-2025.
“Foi muito tiro. Graças a Deus ninguém se feriu. Identificamos pistola, 12, carabina, rifle 44, todo tipo de arma. Aqui não tá fácil. Os pistoleiros atacaram de novo. Segundo tiroteio. Mandante, pistoleiro. Todos moram na Taboca. Tem que botar Polícia Federal para investigar. Depois do primeiro ataque, não teve resultado”, diz o cacique.
Os pistoleiros chegaram às duas horas da manhã na aldeia, atirando a esmo, levando desespero especialmente entre mulheres, crianças e pessoas idosas. Um ano após a desintrusão concluída pelo governo federal, novas represálias contra o povo indicam as tentativas de retorno desses invasores e uma provocação ao Estado brasileiro.
Conforme o cacique Mama Parakanã, a única saída será retirar mulheres, crianças e pessoas idosas da aldeia. “Os pistoleiros mandam recado e acontece. O governo federal fala que estamos em segurança, mas estamos em insegurança. A Força Nacional fica lá na base. Quando a Força Nacional chega, o tiroteio já acabou e os pistoleiros sumiram”, reforça.
Algo ruim está perto de acontecer, teme o cacique. Em menos de três meses, é o terceiro atentado a tiros que os Parakanã sofrem. “É um pedido de socorro. Novos ataques vão acontecer. Recebemos ameaças e avisos de quem estava aqui e saiu na desintrusão. Se nada for feito, algo ruim vai acontecer”, afirma.
Desde a conclusão da desintrusão, em fevereiro de 2024 (leia mais abaixo), os Parakanã passaram a sofrer represálias. “Eram mais xingamentos, sobretudo em São Félix do Xingu. Mas foi piorando. Passou para ameaças, tentativas de agressão e depois ataques a tiros”, explica o cacique Mama Parakanã.
Em 18 de dezembro de 2024, os ataques já haviam ocorrido. Vídeos registrados pelos moradores mostram caminhonetes nos arredores da aldeia Tekatawa, as marcas dos tiros, que atingiram as casas e as telas contra mosquito que cobrem as redes de dormir, e as cápsulas das balas no chão. A Força Nacional foi acionada após a ocorrência.
“Esse ataque é uma represália dos invasores contra o processo de reocupação (abertura de novas aldeias) que vem sendo implementado com muito sucesso pelos Parakanã nos últimos três meses”, afirmou na ocasião a Associação Indígena Tato’a, que representa o povo na TI Apyterewa. As ações de represália seguem neste ano.
“Será que é necessário chorarmos primeiro vítimas fatais para que sejam tomadas providências contra os pistoleiros e seus mandantes?”, questiona Dom Erwin Kräutler.
Em 20 de janeiro deste ano, ocorreu o segundo ataque a tiros. Os invasores, portanto, insistem em retornar. Os Parakanã, por sua vez, estão dispostos a resistir. Os fazendeiros que ocupavam ilegalmente a TI Apyterewa, hoje costumam mobilizar a retaliação utilizando a Lei 14701, a Lei do Marco Temporal, insistindo que têm o direito de voltar às áreas invadidas de onde foram retirados, o que gera expectativa em quem vivia ilegalmente na terra pública de usufruto exclusivo dos Parakanã.
“São represálias dos invasores à reocupação dos indígenas nas áreas em que eles ocupavam antes da desintrusão. Os Parakanã estão abrindo novas aldeias nessas áreas para fazer a vigilância e o trabalho de agricultura. Isso dificulta ou impede o retorno. A cada mês, então, os antigos invasores fazem ataques como se a terra fosse deles”, analisa José Cleanton Ribeiro, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte II.
Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu, além de ex-presidente do Cimi, divulgou uma carta onde pede paz ao povo Parakanã, e questiona: “Será que é necessário chorarmos primeiro vítimas fatais para que sejam tomadas providências contra os pistoleiros e seus mandantes?”.
Leia a carta na íntegra:
Um grito por socorro.
Já pela terceira vez o povo indígena Parakanã na Terra Indígena Apyterewa do Xingu (PA), sofre violentos ataques por parte de pistoleiros fortemente armados. O cacique Mama Parakanã fez hoje um veemente apelo às autoridades responsáveis pela segurança e vida dos Povos Indígenas. Os pistoleiros chegaram às duas horas da madrugada na aldeia, atirando a esmo, causando terror e desespero especialmente entre mulheres, crianças e pessoas idosas. O povo está muito abalado e com grande medo de que os ataques vão continuar.
Será que é necessário chorarmos primeiro vítimas fatais para que sejam tomadas providências contra os pistoleiros e seus mandantes?
Altamira, 20 de fevereiro de 2025
Erwin Kräutler C.PP.S.
Bispo emérito do Xingu
Bispo referencial da Pastoral Indigenista – CIMI
CNBB – Regional Norte II
A Apyterewa foi a terra indígena mais desmatada do Brasil entre 2019 e 2022. A devastação da mata serviu à grilagem e à pecuária, sobretudo, além da venda de madeira. Lotes foram comercializados de forma ilegal, dando origem à Vila Renascer, um aglomerado de mais de 200 moradias, erguida a partir de 2016.
Majoritariamente fazendeiros, os invasores utilizavam o território para criação de gado ilegal – comercializada com grandes empresas, como JBS, Marfrig e Minerva. Os invasores chegaram a construir hotéis e postos de gasolina. Foram instaladas grandes fazendas de até 1.000 hectares equipadas com caminhonetes e tratores, e acesso à internet.
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a desintrusão da Terra Indígena, iniciada em outubro de 2023 pelo governo federal e concluída em fevereiro de 2024. Uma cerimônia de devolução simbólica da Terra Indígena contou com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e representantes da Presidência da República.
A TI Apyterewa registrou um marco histórico, em janeiro de 2024, durante o processo de desintrusão, com a redução de 79,8% no desmatamento, em comparação ao ano anterior, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).