20 Fevereiro 2025
"Na época de Roosevelt e Stalin, havia dezenas de milhões de mortos no solo - que felizmente não existem hoje - e a Europa estava em ruínas. Os desafios daquela conferência giravam em torno da construção de uma nova ordem internacional (ideia estadunidense) e da segurança russa (ainda estamos nisso!). Stalin lembrava que a Europa Ocidental, entre os séculos XIX e XX, tinha atacado a Rússia quatro vezes (Napoleão; Guerra da Crimeia; apoio aos brancos contra os bolcheviques e ataque nazista) e exigiu garantias. Agora Putin pede o mesmo: o que Trump concederá?", escreve Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 24-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não é uma nova Munique 1938, mas uma nova Yalta. Os impérios se reconhecem, conversam entre si e decidem sozinhos. Afinal, essa é sua prerrogativa, como aprendemos com a história. Os Estados Unidos e a Rússia decidirão sozinhos o que fazer com a Europa, começando pela Ucrânia. É o mesmo que aconteceu na conferência de fevereiro de 1945, com a diferença da ausência do já decaído Reino Unido: os EUA e a Rússia, um diante da outra, e a Europa grudada em torno da Alemanha. Porque o tema é sempre o mesmo: o que fazer com a Alemanha, forte demais para não despertar preocupação aos impérios, mas fraca demais por não ter conseguido por sua vez se tornar um império.
Na época de Roosevelt e Stalin, havia dezenas de milhões de mortos no solo - que felizmente não existem hoje - e a Europa estava em ruínas. Os desafios daquela conferência giravam em torno da construção de uma nova ordem internacional (ideia estadunidense) e da segurança russa (ainda estamos nisso!). Stalin lembrava que a Europa Ocidental, entre os séculos XIX e XX, tinha atacado a Rússia quatro vezes (Napoleão; Guerra da Crimeia; apoio aos brancos contra os bolcheviques e ataque nazista) e exigiu garantias. Agora Putin pede o mesmo: o que Trump concederá? É por isso que não se quer a Europa à mesa de negociações, mas nem mesmo a Ucrânia, apesar de ter pago um pesado tributo de sangue: ela só será deixada entrar quando os “detalhes” da trégua forem discutidos e, em seguida, posta para fora. Os dois grandes se olharão nos olhos sem testemunhas, como sempre. A tática de Trump é muito diferente daquela dos democratas dos EUA, que costumavam enfrentar todos os inimigos juntos: de forma muito mais pragmática, o magnata lida com um potencial adversário de cada vez. Começar com Moscou serve para depois negociar com Pequim a partir de uma posição melhor.
Isso implica reconhecer o papel da Rússia como uma grande potência e entender sua ansiedade por segurança. Portanto, Washington com toda probabilidade reconhecerá a Putin a anexação do Donbass, da Crimeia e de outras partes que foram da Ucrânia. Afinal, os impérios reconhecem a seus pares o direito de controlar o chamado “exterior próximo”.
Trump demonstrou isso começando ele mesmo com a Groenlândia, o Canadá e o Ártico, que Putin não criará dificuldades em lhe conceder. Bancar o durão hoje com a Europa serve ao propósito do magnata de obter dos fracos europeus a concessão da plataforma nórdica e ártica: quem em Bruxelas vai querer “morrer por Copenhague, Nuuk ou Ottawa?” Nesse jogo de toma lá dá cá no qual Trump é mestre, a outra pergunta a ser feita é: qual será o “exterior próximo” que será concedido a Pequim? Talvez Taiwan? Há, no entanto, a questão a ser resolvida dos semicondutores, dos quais Taipei é o maior produtor global, de modo que terá de haver um acordo produtivo-comercial com os chineses.
A única diferença com relação à China é que a tradição de negociação asiática é muito diferente daquela ocidental (Rússia incluída). As coisas não são feitas de pressa e com reviravoltas teatrais, mas com lentidão, paciência, longos silêncios e uma abordagem de tentativa e erro. Trump achará isso irritante e, possivelmente, insuportável, veremos. Ele poderia se aconselhar com o ex-primeiro-ministro australiano Kevin Rudd, alguém que conhece bem os dois mundos. Se a Europa quiser sair do canto, terá que encontrar algo para dar a Trump em troca. Uma possibilidade é concretizar aquela defesa comum que aliviaria os gastos estadunidenses.
Mas há também o caminho das finanças: o sistema financeiro global é mantido pelos EUA e pela Europa juntos, embora os maiores fundos (tanto ativos quanto passivos) sejam estadunidenses.
Trump garantiu para si o apoio dos fundos ativos (especulativos etc.): a Europa deveria entrar imediatamente em negociações reservadas com os fundos passivos (BlackRock, Vanguard e State Street) para verificar sua posição. É possível que esses últimos não estejam nada satisfeitos com as montanhas-russas que se desenham no horizonte: eles foram criados justamente para manter as finanças mundiais estáveis após a crise de 2008.
Representam imensos interesses cruzados entre os EUA e a Europa e não veem com bons olhos nenhum risco de quebra do sistema. Como se sabe, desde a antiguidade, os impérios sempre precisaram de dinheiro e se colocam nas mãos dos banqueiros, especialmente quando estão endividados até o pescoço, como os Estados Unidos e a Rússia.
Somente Pequim poderia dispensar isso, mas ela não vem tentando há tempo entrar no salão principal da governança global? Como protagonista, é claro.