13 Fevereiro 2025
Presidente diz que não vai “mandar explorar” combustíveis fósseis na foz, mas que “quer” e ataca IBAMA: “Parece que é um órgão contra o governo”.
A informação é publicada por ClimaInfo, 13-02-2025.
Na semana passada, o presidente Lula isentou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de qualquer responsabilidade no processo de licenciamento do poço que a Petrobras quer perfurar no bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas. Lula defendeu Marina das acusações de integrantes do governo de que estaria “atrasando” a emissão da licença para a perfuração no litoral do Amapá.
Mas, exatamente sete dias depois, parece que o presidente esqueceu o que disse na mesma ocasião, que “temos de fazer a coisa [leia-se o licenciamento] com muita clareza e estudo porque temos que tomar conta do país”. Em entrevista à rádio Diário FM, de Macapá, na 4ª feira (12/2), Lula atacou abertamente o IBAMA, responsável por emitir [ou não] a licença. E usando uma narrativa bastante surrada e repetida por centenas, senão milhares, de responsáveis por projetos que precisam passar pelo crivo do órgão ambiental: a de “atrasar” o desenvolvimento do país.
“Não é que eu vou mandar explorar, eu quero que ele seja explorado”, diz Lula a respeito do petróleo na Foz do Amazonas. Ele defende que o IBAMA libere estudos que permitam a exploração do petróleo, mas há ambientalistas que são contrários a isso. pic.twitter.com/JNQEDScAR6
— GugaNoblat (@GugaNoblat) February 12, 2025
“Não é que vou mandar explorar [a foz do Amazonas], eu quero que seja explorado. O que não dá é ficar nesse lenga-lenga, o IBAMA é um órgão do governo e está parecendo que é um órgão contra o governo”, disse o presidente, em fala destacada por O Globo, UOL, Folha, Congresso em Foco, Exame, Correio Braziliense, Carta Capital e Agência Brasil. Lula também contou que o órgão ambiental vai se reunir com a Casa Civil até a próxima semana para “discutir” a licença.
O que Lula chama de “lenga-lenga” é nada mais, nada menos que o processo de licenciamento, que tem etapas determinadas em lei. Cada fase leva mais ou menos tempo de acordo com a sensibilidade ambiental do projeto. Desde o início, a Petrobras sabia que o FZA-M-59 está em uma região extremamente sensível em termos ambientais, com nenhum estudo sobre os impactos da atividade petrolífera na área. E que anos antes, mais precisamente em 2018, o mesmo IBAMA negou licença para a petroleira francesa TotalEnergies perfurar um poço em área próxima.
Como bem pontuam Délcio Rodrigues e Shigueo Watanabe Jr., do ClimaInfo, Lula também erra ao dizer que o IBAMA é um “órgão do governo”. Não, presidente, o IBAMA é um órgão de Estado. Jair Bolsonaro transformou-o num órgão “de governo” e, assim, muitos crimes ambientais que agora o governo Lula sofre para combater e punir foram liberados aos montes.
Os ataques virulentos de Lula, que em 12 de fevereiro acusou o Ibama de “lenga-lenga” e de agir “contra o governo” no pedido de licenciamento da Petrobras para perfurar a Bacia da Foz do Amazonas, causaram revolta nos técnicos do órgão ambiental. pic.twitter.com/mwEAAu0woY
— SUMAÚMA (@sumaumajornal) February 12, 2025
Mas o mais preocupante é que o ataque de Lula neste momento parece fazer parte de uma estratégia narrativa que o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), inaugurou no fim do ano passado. Após uma reunião com a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, quando ainda não presidia a casa, o senador disse que o IBAMA promovia um “boicote contra o Brasil”.
Pelo visto, o “fazer a coisa” com clareza e estudo não é mais prioridade. A licença para a Petrobras perfurar um poço na foz do Amazonas vai sair “no grito” mesmo, diante da intensificação da pressão política sobre o IBAMA. A biodiversidade da região e o clima do planeta, afetado pela queima de combustíveis fósseis, que esperem mesmo.
Presidente do Ibama rebate fala de Lula cobrando petróleo na Foz do Amazonas: 'Não faria o que faço se não gostasse de pressão' https://t.co/i4gl6y8DDt
— Jornal O Globo (@JornalOGlobo) February 12, 2025
Ao ser questionado sobre o ataque de Lula, o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, afirmou que está “habituado à pressão”, informa O Globo. “Se eu não gostasse de pressão, não estava fazendo o que eu faço. Eu preciso também ser justo. O presidente nunca me pressionou para isso, mas de tempos em tempos tem empreendimentos que são emblemáticos e a sociedade toda cobra uma resposta. Vejo isso com muita naturalidade”, relatou. Sobre a reunião com a Casa Civil mencionada por Lula, Agostinho disse não ter sido avisado, mas afirmou que o IBAMA tem se reunido constantemente com a Casa Civil para tratar sobre esses e outros assuntos. O presidente do órgão ambiental repetiu que dificilmente qualquer resposta sobre a licença para a Petrobras perfurar um poço no FZA-M-59 sairá antes de março.
O ataque de Lula ao IBAMA mobilizou a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA Nacional). Em nota, a entidade lembrou que o IBAMA é um órgão de Estado, cujas decisões são baseadas em critérios técnicos, científicos e legais, e que por isso “é inadmissível qualquer tipo de pressão política que busque interferir no trabalho técnico do órgão, especialmente quando se trata de uma decisão que pode resultar em impactos ambientais irreversíveis”. A ASCEMA também criticou o sucateamento da gestão ambiental do governo e apontou a contradição no fato de que o país que sediará a COP30 “adote posturas que fragilizam a governança ambiental e colocam em risco compromissos assumidos internacionalmente”.
A chegada de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) à presidência do Senado é vista como uma decisão final sobre a exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas, destaca o UOL. Com seu governo cada vez mais dependente de acenos positivos no Congresso, Lula juntou a fome com a vontade de comer ao prometer a Alcolumbre “destravar” a licença para a Petrobras. Tanto agrada o novo presidente do Senado, que quer colher os louros políticos em seus estados, como agrada a si próprio, já que não é novidade que Lula é favorável à exploração de petróleo e gás fóssil no Brasil.