"A dívida com Deus se deve ao fato de que o homem era considerado devedor ao Senhor pelos bens da criação. Deus não pretendia o pagamento impossível dessa dívida, mas pedia que os homens percebessem que estavam em dívida com ele para que tivessem o mesmo comportamento humano e solidário com seus devedores", escreve Alberto Maggi, padre, teólogo, biblista, frei da Ordem dos Servos de Maria, em artigo publicado por Il Libraio, 10-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "Jesus torna o Jubileu cotidiano com o pedido: “Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12). Jesus não fala de pecados, mas escolheu o termo dívidas, que vai além da transgressão de preceitos ou mandamentos. Enquanto é possível perdoar as culpas e permanecer na posse dos bens, o perdão das dívidas exige a renúncia a eles".
Se, quando nos perguntarem o que é o Jubileu, respondermos que é uma corneta, teremos respondido corretamente. De fato, “jubileu” deriva de um termo hebraico (Yobel) que indica o chifre (de carneiro) ao som do qual se inaugurava um tempo particularmente sagrado (Lv 25,9). A motivação por trás do Jubileu é o desejo do Senhor de que entre o seu povo “não haja pobres” (Dt 15,4).
Para evitar que alguém acabasse permanentemente na pobreza, foi decretado que a cada sete anos todas as dívidas seriam canceladas (Dt 15,1-11). Além disso, a cada quarenta e nove anos, foi estabelecido um quinquagésimo ano em que não haveria semeadura nem colheita, e todas as propriedades deveriam retornar ao seu proprietário original (Lv 25,8-17). Ambas as leis, do sétimo e do quinquagésimo ano, logo se mostraram ineficazes e inaplicáveis. De fato, a lei da remissão das dívidas, de medida em favor dos pobres, foi um tiro que saiu pela culatra para as classes mais desabonadas, uma vez que ninguém emprestava dinheiro a menos que tivesse certeza de que seria reembolsado dentro do sétimo ano. E a lei do Jubileu a cada cinquenta anos era tão utópica que permaneceu como uma intenção piedosa e nunca foi implementada. Concebida para evitar que houvesse pobres no povo, a aplicação do Jubileu teria reduzido todo o povo à pobreza. Pois, se a cada 49º e 50º anos não se podia semear nem colher, a carestia era garantida, e necessitado se tornaria todo Israel.
Apesar disso, o ideal do Jubileu, como ano em que o Senhor restauraria a justiça, permaneceu vivo no povo e foi proclamado por Jesus na sinagoga de Nazaré. Ali, Jesus anunciou “o ano da graça do Senhor” e afirmou que o tempo em que cada um teria experimento o amor de Deus não seria a cada cinquenta anos, mas que cada dia seria um tempo de libertação: “Hoje se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos” (Lc 4,21). Os presentes na sinagoga, no entanto, não gostaram do anúncio da implementação desse ano do Jubileu.
Enquanto o Jubileu continuava sendo uma lei utópica, todos concordavam com ele, mas quando Jesus anunciou sua realização imediata, todos se voltaram contra ele: “E todos, na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira. E, levantando-se, o expulsaram da cidade, e o levaram até ao cume do monte em que a cidade deles estava edificada, para dali o precipitarem” (Lc 4,28-29). Jesus, que veio para cumprir a vontade do Pai, não falha em seu propósito e continua a propor a realidade do Jubileu, tornando-o uma característica visível da comunidade do Reino de Deus.
Por isso, no Pai Nosso, a fórmula pela qual a comunidade se compromete a aceitar as bem-aventuranças, Jesus torna o Jubileu cotidiano com o pedido: “Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12). Jesus não fala de pecados, mas escolheu o termo dívidas, que vai além da transgressão de preceitos ou mandamentos. Enquanto é possível perdoar as culpas e permanecer na posse dos bens, o perdão das dívidas exige a renúncia a eles.
Enquanto “pecado” é uma palavra que pertence à esfera religiosa e se refere a uma norma transgredida, “dívida” é um termo concretamente relacionado ao campo econômico e figurativamente às relações interpessoais (estar em dívida por algo). A dívida com Deus se deve ao fato de que o homem era considerado devedor ao Senhor pelos bens da criação. Deus não pretendia o pagamento impossível dessa dívida, mas pedia que os homens percebessem que estavam em dívida com ele para que tivessem o mesmo comportamento humano e solidário com seus devedores.
O perdão dessa dívida é, de fato, concedido pelo Pai somente com base em sua misericórdia, e não está condicionado a nenhum tipo de desempenho humano. O perdão aos outros deve ser uma consequência do perdão do Pai. Jesus, portanto, ao escolher o termo “dívidas”, pretende se referir ao que está prescrito no Livro de Deuteronômio, onde o verbo “ser devedor” aparece em referência à “lei do sétimo ano”: “Ao fim dos sete anos farás remissão. Este, pois, é o modo da remissão: todo o credor remitirá o que emprestou ao seu próximo; não o exigirá do seu próximo ou do seu irmão, pois a remissão do Senhor é apregoa” (Dt 15 1-2 LXX). Essa legislação foi contornada na época de Jesus por meio da prática do Prosbul, um certificado contendo uma declaração, feito perante o tribunal, em virtude do qual o devedor autorizava o credor a cobrar sua dívida a qualquer tempo, mesmo após os sete anos, independentemente da lei de remissão.
Jesus se distanciou e rejeitou a instituição do Prosbul a fim de retornar à pureza do projeto primitivo de Deus, em oposição aberta à “tradição dos antigos” (Mt 15,9) que pretendia passar como ensinamentos divinos aqueles que eram meramente “preceitos de homens” (Mt 15,9; Is 29,13), suplantando a palavra original de Deus. Portanto, a remissão da dívida, e com ela a concessão do perdão, devem ser imediatas. Qualquer atraso na manifestação de um amor capaz de se traduzir em partilha generosa só aumenta a dívida para com o Pai que se originou da ausência de amor e empobrece toda a comunidade: “A ninguém devais coisa alguma, senão o amor com que vos ameis uns aos outros” (Rm 13,8).
Mas a proclamação desse Jubileu, verdadeira “boa notícia” para os pobres, transforma-se em um desastre para os ricos, que acreditam possuir o dinheiro, quando na realidade são possuídos por ele. E a fúria com que os fiéis da sinagoga de Nazaré expulsaram Jesus é a mesma fúria que se apodera daqueles que percebem que a verdadeira porta santa pela qual devem passar no Jubileu é aquela do banco, para aliviar sua conta e compartilhar o muito que têm com aqueles que nada têm. Desde que o Jubileu seja resolvido com uma prática religiosa, é bem recebido por todos, mas quando exige uma mudança de vida...