14 Janeiro 2025
O artigo é de Jesús Martínez Gordo, doutor em Teologia Fundamental e sacerdote da Diocese de Bilbao, professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, publicado por Religión Digital, 13-01-2025.
Em publicações anteriores, dedicadas a expor e analisar o futuro de algumas das estratégias pastorais ativadas nos últimos anos, a partir da existência de paróquias em queda livre e de remanescentes ou resquícios comunitários que possam se tornar comunidades vivas e com futuro, mencionei a estratégia pastoral “entreguista” e aquela que deposita toda sua esperança nas chamadas unidades pastorais. Hoje, aprofundo-me em uma terceira estratégia, que classifico como “contrarreformista” ou, utilizando um anglicismo – recurso linguístico que particularmente encanta seus defensores – “revival” [reavivamento]. E faço isso analisando, nesta primeira parte, o fundamento teológico dessa estratégia em três pontos cruciais: sua espiritualidade eucarística “sem carne”, sua forma excludente de celebrar o perdão e a matriz involutiva na qual se apoia seu clericalismo.
Antes de tudo, devo explicar que classifico essa estratégia pastoral como “contrarreformista” porque ela constitui uma tentativa, mais no fundo do que na forma, de retomar a contrarreforma litúrgica, espiritual, teológica, eclesiológica e organizativa promovida no Concílio de Trento (1545-1563), com o objetivo de deixar de lado a reforma acordada no Vaticano II (1962-1965), timidamente implementada por Paulo VI e repensada de forma involutiva durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI.
Trata-se de uma estratégia pastoral que busca revitalizar – no plano dos conteúdos – uma releitura rigorista de alguns dos pontos mais relevantes da espiritualidade, teologia e eclesiologia recebidos antes do Vaticano II e, particularmente, do Concílio de Trento.
Isso pode ser observado, por exemplo, na centralidade atribuída à adoração eucarística nessa estratégia pastoral, apresentada como se fosse uma espiritualidade “contracultural” e, em certo sentido, “revolucionária”.
Primeiramente, digo “contracultural” porque busca superar a recepção conciliar do Vaticano II que, embora tenha sido falha, considera-se que foi longe demais em nome de uma inculturação que, segundo essa visão, apenas corroeu, ou seja, mundanizou e secularizou o mistério de Deus, tornando-o insignificante.
Em segundo lugar, digo “em certo sentido revolucionária” porque pretende enfrentar e superar outra abordagem que teria sido, segundo eles, dominada pela centralidade da justiça e do compromisso – supostamente, sem eucaristia – e, por isso, entregue aos “cantos de sereia” de um modelo de modernidade sem Deus. Algo que, do ponto de vista espiritual e teológico, Hans Urs von Balthasar chamou de “ateísmo cristão”.
Não deixa de me surpreender o descuido teológico no qual caem os defensores desse recurso espiritual e do qual parecem não estar dispostos a sair: o pão e o vinho eucarísticos são – acima de tudo e antes de tudo – para serem comidos, para alimentar, renovar forças e sustentar a esperança de que é possível um mundo diferente do atual e que esteja relacionado com o Reino de Deus. Nesse Reino de Deus – pregado, vivido e antecipado por Jesus de Nazaré – e em seu programa de vida – proclamado no sermão das bem-aventuranças e na parábola do juízo final – a centralidade não está na adoração eucarística, mas nos últimos e nos crucificados de todos os tempos, incluindo os nossos, os “outros Cristos”.
Isso significa que o normal é "adorar" a Jesus, o Cristo, naqueles com quem Ele, livremente, se identificou: os pobres. E que a maneira mais evangélica de "adorá-los" é acolhendo-os, acompanhando-os e ajudando-os a sair da situação de prostração na qual estão imersos. Nós, cristãos, ou seja, seguidores do Nazareno, contamos – para não desanimar nesse encontro e nessa relação com o Cristo vivente – com o alimento do pão da Vida e com o vinho da esperança, que é a eucaristia.
Não creio que, ao recordar esse ponto central da espiritualidade e teologia eucarística, ela esteja sendo menosprezada ou relativizada, mas, ao contrário, colocada em seu devido lugar e, de passagem, denunciando uma estratégia pastoral que, ao absolutizar a última ceia e retirá-la da história, negligencia o fato de que a espiritualidade católica – desde o nascimento de Jesus em Belém e de Maria – é "com carne", ou seja, faz-se história, inclusive em nossos dias. Assim nos relata Marcos com toda clareza em seu evangelho: "Amar ao próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios" (Mc 12,33).
Quando esses pontos centrais são esquecidos ou relegados, acaba-se por perder a centralidade que "a carne" e os pobres têm na espiritualidade e na teologia católica. Em particular, entende-se que, ao fim da vida, não seremos julgados pelas horas passadas diante do sacrário, mas pelo amor aos Outros Cristos com os quais Jesus se identifica no monte das bem-aventuranças e na parábola do juízo final, contando, para isso, com o alimento e a bebida de esperança eucarísticos. Esses são alimento e bebida para seguir a Cristo nas pessoas com quem Ele se identifica. Foi isso que a grande maioria dos santos, mártires e místicos de todos os tempos recordou ao longo da tradição cristã. Os exemplos são abundantes. Basta abrir um manual de teologia ou espiritualidade com um mínimo de profundidade.
Creio que a espiritualidade eucarística que sustenta o encontro com Jesus nos pobres de carne e osso é teologicamente muito mais coerente – além de integradora e, por isso, católica – do que o mero e ultrapassado retorno a uma adoração que, promovida em seu tempo para demarcar distâncias com o luteranismo, termina por evitar o mistério da encarnação. E faz isso ao retirar do centro da espiritualidade católica a relação – indubitavelmente "espiritual" – com aqueles com quem Jesus livremente se identifica: os "outros Cristos", que são os crucificados de nossos dias e de todos os tempos.
Como se pode perceber, trata-se de uma espiritualidade em que as chamadas "horizontalidade" e "verticalidade" estão unidas, sem que uma seja privilegiada em detrimento da outra, como ocorre em toda teologia que seja verdadeiramente católica e, por isso, plural: unidade sem confusão, distinção sem separação. Mas, quando essas dimensões são justapostas ou uma delas é esquecida, comprometendo a unidade – como se percebe no modo de entender e praticar a adoração eucarística na estratégia pastoral contrarreformista – ocorre um deslizamento para o fundamentalismo, neste caso, espiritualista e "sem carne".
Eis o motivo pelo qual essa estratégia pastoral – empenhada em promover uma adoração eucarística "sem carne" – é tipificada como contrarreformista, tridentina e arcaizante ou, em outras palavras, um "revival".
Algo semelhante deve ser dito em relação à celebração exclusivamente individual do perdão ou da reconciliação, que é praticada – e imposta – quando, ao optar apenas por essa forma, são negligenciadas – e até combatidas – as outras duas, igualmente legítimas e legais.
Ao tomar essa decisão – e fazê-lo de maneira exclusiva e excludente –, acredito que os defensores dessa estratégia pastoral estão fechando – como já mencionado, de maneira ilegal e ilegítima – duas vias de acesso ao sacramento do perdão e da reconciliação, em nome de um diagnóstico pastoral transformado, no caso deles, em uma ideologia excludente.
E, caso este argumento pareça excessivamente jurídico, penso que não é demais lembrar que a absolutização dessa forma de administração do perdão e da reconciliação não apenas ignora a má reputação que essa fórmula absolutizada tem na comunidade cristã e na sociedade, mas também, e sobretudo, as denúncias de abusos de consciência que, objetivamente, sustentam essa má reputação. Por isso, soam como ideologia cega – ou, pelo menos, como cegueira pastoral – todos os discursos sobre o caráter "contracultural" ou "revolucionário" dessa opção para enfrentar – como costuma ser dito – um "perdão facilitado", que seria o equivalente à absolvição geral, com ou sem confissão pessoal.
Na realidade, trata-se de uma estratégia pastoral que, ao ser implementada sem um mínimo de precauções pastorais, acaba por acelerar a queda vertiginosa da celebração deste sacramento em grande parte das paróquias ou unidades pastorais confiadas a eles. E tão preocupante quanto isso é o fato de que seus defensores parecem não se incomodar com o rápido esvaziamento que promovem nessas paróquias ou unidades pastorais por meio dessas e de decisões semelhantes, nem tampouco com a dissolução progressiva – e até o desaparecimento – dos resquícios paroquiais ou comunitários que ainda poderiam existir.
Isso se evidencia, por exemplo, na indiferença com que recebem a fuga de fiéis para outras paróquias vizinhas em busca do sacramento do perdão e da reconciliação ou, simplesmente, seu afastamento ou mesmo abandono: “uma decisão muito comum – não é raro ouvi-los dizer – entre aqueles que, secularizados, já haviam abandonado a Igreja há muito tempo. Nossas opções pastorais apenas evidenciam o distanciamento e até mesmo o abandono em que eles já estavam devido a uma estratégia pastoral secularizada e mundanizada e, como consequência, alheia à verdadeira Igreja”.
Eis aqui uma segunda prática litúrgico-sacramental que explica por que essa estratégia pastoral é tipificada como contrarreformista, além de possuir um futuro particularmente comprometido ao ser aplicada em paróquias em queda livre ou em unidades pastorais formadas por paróquias nessa situação.
No entanto, esses comportamentos litúrgico-sacramentais – e outros semelhantes – por mais relevantes que sejam, não esgotam a estratégia pastoral arcaizante e de “revival”, embora possam ser os mais comentados entre as respectivas comunidades. O comum é que venham acompanhados ou – se preferir, respaldados – por uma teologia e uma eclesiologia “tridentinas” e, portanto, contrarreformistas no que se refere ao ministério ordenado.
O menos importante é que os sacerdotes alinhados com essa estratégia pastoral dediquem – embora isso possa incomodar alguns – uma atenção desproporcional a se diferenciar por meio do uso da veste clerical, como o clerygman ou mesmo a batina, ou que desejem criticar e desvalorizar – dessa forma – a suposta falta de coragem e mundanidade em que estariam presos os outros presbíteros que não adotam essa opção, como frequentemente pensam e, às vezes, verbalizam.
O surpreendente – e preocupante – é que a escolha de usar o clerygman ou a batina venha acompanhada e sustentada por uma teologia do presbiterado que fundamenta – como é o caso – o sacerdócio ministerial no sacramento da ordem por si mesmo e em si mesmo. E que, em coerência com essa recuperação da centralidade sacramental da ordem sacerdotal, enfatizem e reivindiquem, sobretudo, o poder sagrado dos ministros ordenados para administrar, “em representação de Cristo, cabeça da Igreja”, os sacramentos e governar – de forma unipessoal, absolutista e monárquica – as paróquias ou unidades pastorais que lhes são confiadas.
Trata-se, como se pode observar, de uma espiritualidade e teologia do sacerdócio ministerial desvinculada do sacerdócio batismal de todos os cristãos, tal como foi aprovado no Vaticano II. E, como se constata, uma separação inaceitável entre a dimensão vertical e a horizontal, em favor da primeira, ou seja, uma violação da unidade sem confusão e da distinção sem separação; e, portanto, uma ruptura com a catolicidade.
Não se deve esquecer que esse deslocamento do ponto de gravidade espiritual e teológico para uma verticalidade desvinculada da horizontalidade inclina-se – em conformidade com o Concílio de Trento – para uma teologia involutiva e sacralizante do sacerdócio ministerial. Essa tendência, implementada no Sínodo Mundial dos Bispos de 1971, foi confirmada e desenvolvida em sucessivos documentos magisteriais durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI.
No referido Sínodo mundial de bispos de 1971, assiste-se a uma releitura do sacerdócio ministerial a partir da teologia e magistério anteriores ao Vaticano II. E isso é feito para marcar distâncias tanto em relação ao sacerdócio baptismal de todos os cristãos quanto à identidade ministerial ou “servil” do presbiterado em sua relação com o povo de Deus. É uma releitura na qual começa-se a desconsiderar - como pode ser observado - a matriz baptismal do sacerdócio ministerial - a aprovada pela maioria conciliar e ratificada por Paulo VI - em favor de outra que, ancorada no sacramento da ordem, reivindica, em sintonia com o Concílio de Trento, a singularidade ontológica e sacral do sacerdócio ordenado, além de seus poderes.
Daí a necessidade de repensar - e recuperar - o sacerdócio, tendo como mais definitivo de sua identidade tanto a “raepresentatio Christi” quanto o agir “in persona Christi Capitis” e, com tais referências identitárias, o “poder” (não, a autoridade) do ordenado. E daí a razão de os sacerdotes, defensores dessa identidade e da estratégia pastoral em que ela se concretiza, reivindicarem com particular força os poderes que lhes são reconhecidos pelo Código de Direito Canônico.
Creio que não é demais lembrar que tal Código, aprovado em 1983, é o fruto maduro - no que diz respeito aos poderes dos sacerdotes - da revisão à qual foi submetida a identidade e espiritualidade do presbiterado ou do sacerdócio ministerial no referido Sínodo de bispos de 1971, com a intenção de propiciar uma recepção involutiva do que foi aprovado no Vaticano II e, concretamente, no Decreto conciliar “Presbyterorum Ordinis”, 1965).
Reivindicar - como costumam fazer os presbíteros partidários dessa estratégia pastoral - os poderes do clero, à margem da teologia e da espiritualidade do Vaticano II, é dar por válida a releitura involutiva implementada nesse Sínodo mundial de bispos de 1971 e, desde então, desenvolvida e cuidada, com particular esmero e insistência, pelo magistério eclesial.
No contexto dessa recepção e implementação involutiva, não é surpresa a insistência em fixar e reivindicar sua “singularidade” e diferença em relação ao sacerdócio baptismal e ao povo de Deus. Por isso, também não é surpresa - embora possa indignar - que algumas de suas reivindicações sobre o específico do sacerdócio ministerial e dos poderes conexos lembrem a famosa entrevista da jornalista Mercedes Milá com Paco Umbral (Antena 3, 1992), quando, convidado para apresentar um de seus livros, a locutora pareceu esquecer-se disso e o escritor a lembrou com uma frase que se tornou referencial se alguém reivindica o que é seu, importando pouco ou nada o que acontece no mundo e, no nosso caso, a matriz sacerdotal compartilhada com todo o povo de Deus: “Mercedes, para que vim eu aqui?”. Ou dito de uma maneira castiça e adaptada ao que estou abordando nestas linhas: “Mercedes, e o nosso, o quê?”
Já se sabe qual é o preço a ser pago por essa recepção sacralizante e “poderosa” do presbiterado - que é o que consiste o clericalismo - e por sua posterior assunção como chave identitária: esquecer que esse sacerdócio ministerial tem suas raízes no caminho do sacerdócio baptismal e se coloca a serviço dos batizados, sendo responsável por cuidar, de forma particular, da comunhão e da missão das paróquias e unidades pastorais que lhe são confiadas.
É no desempenho dessa tarefa que o presbítero ganha ou perde a autoridade, para além de ser muito ou pouco o poder que lhe possa ser concedido e reconhecido pelo Código de Direito Canônico, repensado - como já indiquei - não à luz do Vaticano II (“Presbyterorum Ordinis”), mas à sombra de uma recepção involutiva do sacerdócio ministerial, mais preocupada em voltar a sacralizar os presbíteros do que em colocá-los a serviço das comunidades que acompanham e presidem.
Quando não se é consciente da recepção involutiva em que o sacerdócio ministerial ficou imerso desde 1971, irrompe, como se observa em muitos dos partidários dessa estratégia, um clericalismo devastador que, no melhor dos casos, só é recebido por aqueles que não saíram da concepção sacralizante e “poderosa” do presbiterado ou, simplesmente, não estão dispostos a implementar - em conformidade com a maioria conciliar - a espiritualidade e teologia ministerial aprovada no Vaticano II.
Sendo essa a espiritualidade e a teologia do sacerdócio ministerial dos que são partidários da estratégia pastoral contrarreformista, não é surpresa que os leigos e leigas sejam meros receptores dos sacramentos que eles, exclusivamente, podem dispensar. E que os fiéis não passem de ser leais e obedientes cumpridores das diretrizes morais e canônicas que eles interpretam e aplicam, dado que foram ordenados para atuar como os “representantes de Cristo” na terra e, por certo, com seu poder.
Entendo que este é um assunto que precisa ser retomado em outro momento. Será então que se deverá expor os antecedentes e pormenores do Sínodo mundial de Bispos de 1971 e a Exortação Apostólica pós-sinodal “Pastores dabo vobis” (1992), assim como o Sínodo de Bispos de 1990 que está na origem dessa Exortação Apostólica.
Aqui está outro dado e argumento teológico de por que essa estratégia pastoral pode ser tipificada como contrarreformista e, portanto, tridentina e “revival”.
Na entrega anterior sobre a estratégia pastoral “contrarreformista”, eu me detenho - analisando seu fundo teológico - no que entendo ser uma “espiritualidade eucarística ‘sem carne’”, uma maneira excludente de celebrar o perdão e acabo me aprofundando na matriz - também teológica - do clericalismo.
Nesta segunda entrega, fecho a avaliação teológica com uma seção dedicada ao apoio episcopal e presbiteral que tal estratégia “contrarreformista” recebe, para em seguida analisar a importância que se dá - e tem - a festa e o envolvimento estético. E finalizo com outra seção que, a modo de conclusão, titulo “enterradores pastorais”.
Mas o que foi exposto até o momento, sendo significativo, não é suficiente para explicar o porquê e o percurso que, apesar de tudo o que foi indicado e argumentado, essa estratégia pastoral possui. Falta outra chave explicativa de por que ela tem tão boa recepção em alguns lugares e comunidades eclesiais - quase sempre pertencentes às classes econômicas mais ricas - e de por que é recebida como a tábua de salvação.
Entendo que essa chave explicativa se deve ao fato de que alguns bispos e presbíteros - pelo menos entre os que eu conheço - a incentivam e justificam em nome de dois tipos de argumentos e dados, intimamente relacionados.
O primeiro costuma ser o fracasso incontestável - segundo eles - de um modelo de Igreja pós-conciliar que - ocupada, preferentemente, nos pobres e no samaritanismo - tem negligenciado a celebração dos sacramentos, a religiosidade popular e a atualização da estética religiosa a eles tradicionalmente associada. E que, como consequência de tais opções, está vendo como caem em picado as paróquias e se esvaziam os seminários.
Visto o fracasso de tal atualização litúrgico-espiritual pós-conciliar, não há mais remédio a não ser voltar ao que “sempre” funcionou na Igreja, ao menos desde o Concílio de Trento até o Vaticano II, esteticamente posto ao dia, ou seja, na eucaristia, na confissão pessoal, na festa, na música, nas vestimentas litúrgicas e na moral pessoal e familiar.
Surpreende que, em seus diagnósticos - a partir do vaziamento dos seminários e do abandono, às vezes em estampida, de muitos católicos - nunca, ou quase nunca, haja espaço para avaliar o peso que continua tendo não só a secularização galopante - sobretudo nas grandes urbes - mas também a recepção involutiva impulsionada durante os últimos cinquenta anos; em particular, na segunda parte do pontificado de Paulo VI e, sobretudo, nos de João Paulo II e Bento XVI.
Mas, além desse primeiro tipo de argumentos, também é muito frequente que recorram a um segundo tipo de alegações, referidos à ausência de pluralidade eclesial no tempo imediatamente posterior à finalização do Vaticano II e felizmente recuperada, graças a essa estratégia pastoral contrarreformista. Surpreende que, quando argumentam dessa maneira, nunca - ou quase nunca - considerem as opções que - realizadas por Jesus, segundo o Evangelho - são as próprias de seus seguidores: em particular, a que proclama a singular e definitiva identificação de Jesus com os parias e os últimos do mundo e dos nossos dias: “o que fizestes a um de meus irmãos mais pequenos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).
Não deixa de ser curioso que, com frequência, esses bispos e presbíteros apelen à pluralidade para apoiar - de fato - a grupos católicos muito próximos, por exemplo, à Associação Católica de Propagandistas e seu programa eclesial e político, não só marcadamente cultural e nada atento aos crucificados com os quais Deus se identifica, mas em total sintonia com a ultradireita política. E suponho que recorram ao argumento da pluralidade - estranho, por outro lado, ao Evangelho - conhecendo, sem dúvida, a vinculação existente entre uma boa parte dos partidários dessa estratégia pastoral e o programa dessa Associação Católica de Propagandistas.
Embora possa não agradar, acredito que é importante ressaltar que há quem classifique esse tipo de bispos e presbíteros como “rolhas” ou “flutuadores”: quando apelam para a pluralidade e apoiam tais estratégias em nome da catolicidade ou da unidade, na realidade, o fazem porque não estão casados - no imaginário nupcial, tão ousado quanto querido por alguns santos padres - nem com as dioceses, paróquias ou unidades pastorais que lhes foram confiadas, nem com o seu futuro, mas apenas com sua própria carreira eclesiástica.
Por isso, insistem e reafirmam sua negativa em promover uma interpretação criativa do Código de Direito Canônico à luz do que foi aprovado no Vaticano II. Por isso, lhes obceca não marcar diferenças com seus companheiros bispos ou presbíteros, especialmente com aqueles que estão na mesma sintonia. E, por isso, não estão dispostos a que ninguém os “faça passar vergonha”, especialmente na mídia.
É verdade que alguns deles deixam acontecer. Mas não é menos verdade que, se uma declaração ou uma iniciativa chega aos meios de comunicação - seja por sua bondade ou por sua singularidade pastoral - e entendem que isso pode lhes causar problemas com a “autoridade superior”, não têm receio em se distanciar dela e, se necessário, desqualificá-la. É um comportamento muito típico de quem, sendo basicamente gestores com aspirações a “subir” na hierarquia, acabou deixando de lado as entranhas pastorais ou, o que é o mesmo, o amor que deveria presidir sua união matrimonial com a diocese, com a paróquia ou com a unidade pastoral. E, portanto, se esqueceram da correspondente aposta no futuro dessas, algo que também se encontra no imaginário matrimonial mencionado.
Por isso, me parece difícil acreditar que essa estratégia pastoral pudesse ter um mínimo de sucesso em dioceses, paróquias ou unidades pastorais presididas por bispos e presbíteros casados com elas e preocupados com seus respectivos futuros, evidentemente, em sintonia com o melhor do Vaticano II.
Ou, dito de outra forma, entendo que essa estratégia pastoral teria os dias contados em dioceses, paróquias e unidades pastorais presididas por bispos ou padres que, de forma alguma, são “rolhas” ou “flutuadores” ou, como costuma dizer o Papa Francisco, “carreiristas”.
Aqui está o quarto dado identificador dessa estratégia pastoral contrarreformista e, por isso, tridentina e “revival”.
Mas, como indiquei acima, essa estratégia pastoral é tipificável como contrarreformista mais pelo fundo do que pela forma. E o é porque é preciso reconhecer como aceitável e positivo seu interesse e esforço por cuidar com particular zelo e atenção tudo o que é estético e, em concreto, festa, música e teatro, ou seja, o formato ou o envolvimento; uma aposta que, além de aceitável, é necessária nos dias de hoje.
Há, em concreto, um interesse particular em recuperar os cantos em latim e, por extensão, o canto gregoriano e em propor, sobretudo, uma música que cativa, especialmente, os jovens e na qual não estão ausentes algumas referências, embora mínimas e de forma passageira, à fé cristã.
Sem deixar de reconhecer a oportunidade e bondade de tal iniciativa, particularmente, na esfera pública, não deixa de ser surpreendente que aplicar a mesma estratégia estética à celebração litúrgica possa acabar se transformando em um espetáculo no qual o mais determinante não é a celebração do mistério de Deus, mas o formato ou envolvimento estético, musical ou teatral, que o envolve e a atuação de quem ou quem está encarregado disso.
Dando tanta importância ao fator estético dentro e fora do contexto litúrgico-sacramental, busca-se estabelecer contato - ouvi dizer - com os jovens, porque somente quem entra em relação com eles, ainda que, em primeira instância, de forma musical e teatral, tem futuro ou, pelo menos, a possibilidade de atrair alguns deles para a Igreja que, nesse caso, costuma ser uma ou várias das organizações que apoiam e estão por trás de quem organiza e promove esses eventos musicais.
Quando, como parece ser o caso, o formato estético se torna um sinal de identidade, ao mesmo tempo que um prestígio pessoal ou de autoafirmação, é muito comum que se acabe confundindo o formato estético com o conteúdo teológico. Se isso acontecer, nos deparamos com uma distração de fundo que não augura muito sucesso, após o momento da novidade.
A promoção e aposta dessa estratégia pastoral por parte de alguns bispos e presbíteros parece buscar garantir algum futuro para a Igreja que, curiosamente, não é tanto “a” Igreja do Vaticano II quanto “um” modelo muito determinado: o tridentino e pré-conciliar. E nunca - ou quase nunca - acolhendo os possíveis restos paroquiais ou brasas comunitárias como fagulhas vacilantes que precisam ser acompanhadas para que se tornem - os que possam vir a ser - comunidades vivas, com futuro e, por isso, estáveis.
Se se compartilha ou não tal avaliação, o certo é que nesta estratégia pastoral os “restos” paroquiais ou “brasas comunitárias - onde existam - ou sua extinção e desaparecimento contam muito pouco ou nada. E menos ainda, se não podem ser orientados - ou não estão dispostos a ser reconduzidos - aos objetivos que presidem essa estratégia tridentina e arcaizante.
Acredito que isso é comprovado pela falta de acompanhamento e o desinteresse dos partidários dessa estratégia quando se deparam com “restos paroquiais” ou “brasas comunitárias” que não aceitam as opções espirituais, teológicas e organizativas por eles lideradas, simplesmente porque - ao contrário do que lhes propõem - tais restos ou brasas querem trilhar ou estão dispostos a percorrer - em alguns anos - o caminho que pode levá-las a se tornarem comunidades estáveis.
E isso também é comprovado pela crítica condescendente dos partidários da estratégia contrarreformista àqueles que acompanham tais restos ou brasas em uma diocese onde o bispo possa apoiá-los ou onde se sintam incentivados por ele, ainda que de forma discreta: acompanhar tais restos paroquiais ou brasas comunitárias é uma tarefa de segundo nível e, em todo caso, uma opção exclusivamente pessoal; não diocesana, embora tolerada pelo bispo da vez.
Além dessas e outras possíveis avaliações, acredito que, com a aplicação da estratégia pastoral contrarreformista, se propicia a transformação progressiva dos possíveis restos paroquiais ou comunitários em resíduos irrelevantes, aos quais só resta, no melhor dos casos, unir-se a outros resíduos paroquiais próximos para avaliar se é possível reconhecer-se como um resto ou uma brasa, ao menos, interparoquial.
Os partidários da estratégia pastoral contrarreformista - ouvi dizer mais de uma vez - são uma variante do que alguns classificam como “enterradores pastorais”.
Goste-se ou não, a promoção implícita ou condescendente dessa estratégia não só aumenta a distância já existente com os afastados e com os seguidores de Jesus nos crucificados de nossos dias, mas acaba dissolvendo - por desatenção e desânimo - os poucos restos paroquiais ou brasas comunitárias que possam existir. E, de passagem, compromete ainda mais o futuro de uma paróquia, de uma unidade pastoral e, com o tempo, da própria igreja local ou diocese.
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A estratégia pastoral "contrarreformista" ou "revival" (I e II). Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU