13 Dezembro 2024
“A direita, sem distinções, sabe da importância de ganhar músculos. Tornar visíveis os seus generais no comando. Seus porta-vozes promovem a desigualdade, demonizam a justiça social e se reconhecem no patriarcado. Estimulam a xenofobia e o racismo. Consideram o pagamento de impostos um roubo. Refratários à democracia, a condenaram como forma de governo”, escreve Marcos Roitman Rosenmann, sociólogo, analista político e ensaísta chileno-espanhol, em artigo publicado por La Jornada, 12-12-2024. A tradução é do Cepat.
Pró-nazistas, criacionistas, católicos, antiabortistas, anarcocapitalistas, libertários, inquisidores e sionistas. Este é o perfil de quem participa, em Madri e Buenos Aires, dos conclaves promovidos pela Rede Política de Valores, em sua sexta cúpula transatlântica, e da Conferência Política de Ação Conservadora. São deputados, porta-vozes governamentais, senadores, ministros, mandatários, candidatos presidenciais, empresários, padres. Em tempo recorde, a direita mundial conseguiu mobilizar os seus mais altos representantes, batendo sobre a mesa. Os nomes se sobrepõem e as organizações se repetem, assim como os seus objetivos, concentrados em atacar os direitos políticos, civis, culturais, étnicos e de gênero conquistados pelas classes trabalhadoras em séculos de lutas pela dignidade.
Estes conciliábulos ocorrem em uma etapa agônica do capitalismo, cuja saída é incitar o medo, patrocinar guerras e praticar a repressão sob a fórmula de uma violência extrema. Se me permitem uma licença para explicar o tempo histórico que vivemos, há 500 anos, Lutero e Calvino, entre outros, questionaram o poder da Igreja Católica, provocando um de seus maiores cismas. O Concílio de Trento (1545) foi a resposta. Levou milhares de homens e mulheres para o exílio, outros arderam na fogueira. Foram queimados vivos enquanto uma multidão desfrutava em ver, ao vivo, o sofrimento alheio, aplaudia a Santa Inquisição. Hoje, no ocaso do capitalismo, um batalhão de iluminados pretende reeditar uma ordem inquisitorial, proclamando a sua fé cega no mercado, ao mesmo tempo em que ataca os partidos políticos e as instituições públicas, sob a imagem de um motosserra funcionando a toque de caixa.
A direita, sem distinções, sabe da importância de ganhar músculos. Tornar visíveis os seus generais no comando. Seus porta-vozes promovem a desigualdade, demonizam a justiça social e se reconhecem no patriarcado. Estimulam a xenofobia e o racismo. Consideram o pagamento de impostos um roubo. Refratários à democracia, a condenaram como forma de governo. Proclamam-se guardiões das tradições judaico-cristãs. E em seus discursos alertam: “O Ocidente está em perigo”. A sua mensagem penetrou nas grandes maiorias, sendo aclamada incondicionalmente, embora isto lhes abra as portas do matadouro. Entraram voluntariamente para o sacrifício em nome do mercado.
Os novos führer, sejam eles chamados Bolsonaro, Trump, Bukele, Milei, Kast, Abascal, Meloni ou Marie Le Pen, destilam ódio. Em seu ensaio La plaga social de sicópatas poderosos, José Manuel Naredo destaca: “São predadores natos que buscam se impor e exercer o seu poder sem reparar os danos pessoais, patrimoniais ou outros que causam, sem que por isso sintam qualquer arrependimento. Sofrem um transtorno de personalidade antissocial, cuja patologia é a manipulação, a insensibilidade, o engano, a hostilidade, o aumento de riscos, a impulsividade e a irresponsabilidade”.
Se olharmos em perspectiva histórica, sua fortaleza atual está ancorada nos estertores da Segunda Guerra Mundial. Os nazistas e fascistas, conscientes da sua derrota militar, buscaram nichos para subsistir e planejar o seu retorno. Só era necessário esperar. Enquanto se reorganizavam, criaram redes, transformaram-se em cidadãos modelo. Fizeram parte dos partidos liberais, conservadores e da democracia cristã mundial. Apresentaram as suas credenciais como empresários, banqueiros, investidores, nunca abdicaram da sua ideologia. Milhares limparam o seu passado, graças à rota de ratos, uma rede para favorecer a fuga e lhes fornecer uma nova identidade. Estabeleceram-se na Espanha, nos Estados Unidos e na América Latina. Contaram com o apoio de Perón, na Argentina, de Stroessner, no Paraguai, e de González Videla, no Chile, e foram acolhidos na Bolívia, no Brasil, na Venezuela, na Colômbia, na República Dominicana e no Peru. Criaram raízes e os seus descendentes participaram de em golpes de Estado, governos militares e processos de desestabilização.
No final do século XX, na Europa comunitária, os trabalhadores vítimas de reformas trabalhistas e privatizações se tornaram permeáveis ao discurso nazifascista. Oferecem-lhes um inimigo: imigrantes ilegais, africanos, asiáticos e latinos. Sob a influência das teorias da conspiração, são transformados em assassinos, estupradores, terroristas, cujo objetivo é se apoderar das suas propriedades, empregos, destruindo o seu patrimônio cultural. O mesmo discurso nos Estados Unidos. A diferença com o crescimento da extrema direita nos países do Leste foi o retorno do capitalismo. A sua implantação tirou não só o comunismo realmente existente, mas todas as políticas e benefícios sociais, quaisquer que fossem. O desemprego foi um terreno fértil para o crescimento de partidos de extrema direita, desejosos de ser aceitos na OTAN e na União Europeia que, diga-se de passagem, os apoiaram e financiaram. Na Polônia, Hungria, Bulgária, Romênia, Ucrânia, Croácia e Albânia não pararam de crescer e vencer eleições.
Por que esses conclaves tão midiáticos? Para além da conjuntura e do triunfo de Trump nos Estados Unidos, são uma demonstração de poder e uma confirmação da fragilidade da esquerda institucional que permitiu perder espaço e caiu nas redes da sociedade de mercado. O uso de símbolos neonazistas, a defesa do Terceiro Reich e da Itália fascista, bem como o enaltecimento dos regimes militares e das ditaduras na América Latina são sintomas de um movimento que soube esperar o seu momento para alterar o jogo. E nesta realidade o pensamento reacionário tem campo garantido para crescer. A guerra está em curso e a esquerda continua vendo sua chegada, esperemos que não seja tarde demais. Sem uma alternativa ao capitalismo, estes “sínodos” marcam a agenda.
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A direita mundial entre Madri e Buenos Aires. Artigo de Marcos Roitman Rosenmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU