04 Dezembro 2024
A Gerência Executiva do Ibama em Santarém (Gerex-Santarém), no oeste do Pará, identificou a origem da fumaça das queimadas criminosas que há semanas deixa a qualidade do ar do município como a pior do mundo. A fumaça tem se espalhado para áreas vizinhas e ultrapassado os limites do estado. A região onde fica Santarém, divisa com o estado do Amazonas, enfrenta ainda o período de seca extrema, com registros de mortandade de peixes e falta de água potável em comunidades tradicionais do rio Tapajós e afluentes, mas também consequências dos desmatamentos em áreas de preservação ambiental..
A reportagem é de Leanderson Lima, publicada por Amazônia Real, 03-12-2024.
À agência Amazônia Real, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) disse que “identificou graves irregularidades ambientais em áreas de alta relevância ecológica e cultural, incluindo a Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão e a Gleba Mojuí dos Campos”.
Segundo o órgão ambiental federal, a situação é agravada por denúncias de incêndios criminosos no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, “onde um indivíduo ateou fogo em terras que, também, foram adquiridas de forma ilegal”, diz o Ibama em nota enviada à reportagem.
No empreendimento imobiliário Quinta da Vila Residence, segundo o Ibama, foram detectadas as seguintes irregularidades: “concessão irregular de licenças ambientais e sobreposição de áreas protegidas na APA, em Alter do Chão e na Gleba Mojuí dos Campos.”
O Ibama disse que, diante da gravidade da situação, foi determinada a aplicação de auto de infração no valor de R$ 140 mil, o embargo total do empreendimento e notificação para demolição de estruturas em Áreas de Preservação Permanente (APP). “Essas medidas são respaldadas pela legislação ambiental e fundiária federal, com base nos artigos 20 e 225 da Constituição Federal, reforçando a atuação do Instituto na proteção das terras públicas federais e no combate à grilagem”, diz o órgão.
A Amazônia Real procurou a empresa Machado Lima Empreendimentos, responsável pela construção do Quinta da Vila Residence, mas até a publicação desta reportagem, o contato não foi respondido.
No último dia 29 de novembro, o Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação ao Ibama e às secretarias estadual e municipais de meio ambiente para que adotem medidas para proteção das florestas públicas federais no oeste do Pará, especialmente na região das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) de Alter do Chão, em Santarém, e de Amaranaí, em Belterra, e no Planalto Santareno.
Conforme o MPF, essas áreas são terras da União, possuem florestas ricas em biodiversidade e enfrentam desmatamento ilegal, grilagem e ocupações irregulares, muitas vezes autorizadas por órgãos ambientais locais.
O MPF recomendou que o Ibama faça fiscalização contínua nas glebas federais Mojuí dos Campos, Ituqui, Concessão Antiga de Belterra A e Pacoval, que ficam nos municípios de Santarém, Belterra, Mojuí dos Campos e Prainha. O objetivo é prevenir danos às florestas públicas federais destas terras, que pertencem à União.
O procurador da República Vítor Vieira Alves pede que o Ibama inclua essas fiscalizações no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (PNAPA), e organize inspeções periódicas a partir de 2025.
Há dois anos, a Amazônia Real investigou que parte significativa dos 1.267,75 hectares de Alter do Chão, que foram queimados no ano de 2019, passou a ser loteada desde então. A venda de lotes foi feita de forma escancarada em redes sociais ou por meio de cartazes espalhados pela estrada PA-457, estrada que liga Santarém à turística vila conhecida como o “Caribe Amazônico”.
Na época, a equipe da Amazônia Real simulou interesse na compra de algum lote, como um cliente qualquer. A área em questão, conhecida como Capadócia, fica dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão e é composta por terras da União. A maioria delas faz parte do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Eixo Forte.
A reportagem denunciou que muitos compradores vêm de longe. “Santa Catarina, Rio Grande do Sul, até para franceses, eu vendi”, contou à época o corretor Alexandre Mendonça Silva. De acordo com ele, os interessados dizem que vão construir casas de veraneio ou pousadas.
A pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Karla Longo, lamenta que hoje, a única ação de fato efetiva para combate às queimadas tenha que vir do céu.
“O que eu acho bastante triste é que a impressão nossa, que temos a função apenas de fazer a detecção das queimadas e o monitoramento da fumaça, é que as pessoas ficam esperando a chuva chegar, para que a fumaça passe. Não é assim que funciona”, desabafa.
A pesquisadora fala ainda sobre sua preocupação com a redução da incidência de chuvas. “Não é uma certeza, mas há uma indicação de que a chuva deve ficar abaixo da precipitação, abaixo da média climatológica, pelo menos até fevereiro”, indica a pesquisadora, reforçando que no Pará, as queimadas de fato nunca cessaram.
A cientista ainda reclamou da falta de atenção com a região. “Enquanto a fumaça não atinge o Sul, Sudeste, às vezes até o Centro-Oeste, Brasília, isso [queimadas] é completamente ignorado pelo governo, e é muito triste. O que mais chama atenção é que esse desastre ambiental, ele tem um efeito cumulativo. Uma vez que a floresta é derrubada, isso não se recupera”, lembra.
Caetano Scannavino, que é coordenador do Projeto Saúde e Alegria, organização com sede em Santarém, classifica o ano de 2024 como “terrível” para a Amazônia, em especial para a região do Tapajós.
“Depois de a gente ter tido a pior estiagem da história em 2023, vimos um extremo climático se repetir logo em 2024, ainda pior, batendo todos os recordes da seca do ano passado e uma seca prolongada em que o rio não chegou a subir como deveria no meio do ano e aí começou a baixar novamente”, diz.
“É muito fogo, muita fumaça, muita dificuldade de acesso com essa estiagem e para piorar o que a gente está testemunhando, agora, é essa mortandade de peixes principalmente nas regiões das várzeas do Amazonas”, descreve Caetano.
Quando o assunto são os incêndios florestais, Daniel Govino, da Brigada de Alter do Chão, sabe o tamanho do problema enfrentado na região. “Esses dias, esse mês todo [de novembro], tem sido assim. A gente quase não vê o céu. O pôr do sol não tem, nascer do sol não tem, é só aquela luz amarelada, uma coisa bem apocalíptica mesmo”, descreve.
Sobre a fumaça que encobre Alter do Chão, Daniel conta que ela vem de muitos lugares. “Não dá para falar: ‘oh, vem dali ou vem de tal cidade’. Essa fumaça é uma junção de muita fumaça e de muito fogo de todos os tamanhos principalmente dos maiores [incêndios] dentro das unidades de conservação, mas principalmente fora que são [feitos para] agropecuária”, diz.
Já os pequenos incêndios em Alter do Chão, segundo Daniel, são feitos para abrir terrenos. “Pessoas abrem terrenos com fogo, queima tudo o que tem dentro e põe uma placa de vende-se, que é uma coisa odiosa, mas que se faz muito porque também não há fiscalização”, lamenta.
A Brigada de Alter surgiu em 2017, por conta de voluntários como Daniel, que começaram a se unir para enfrentar pequenos incêndios. “A gente começou a estudar, começou a se juntar com outras pessoas com o mesmo interesse. Fizemos um curso com a Defesa Civil e dos Bombeiros e formamos o nosso grupo. A partir daí, a gente começou a ir atrás de se regularizar, que é fazer um CNPJ, para abrir uma ONG. Mas existe essa diretriz da extrema direita de atacar ONGs, justamente por isso. Eles não querem que a gente se organize, porque quando a gente se organiza, fica ruim para eles”, dispara.
Os brigadistas, inclusive, foram criminalizados e presos em 2019, acusados, sem provas, de promover incêndios. “Isso chacoalhou demais as nossas vidas e o projeto, mas aí a gente conseguiu se reerguer, a partir de 2023, a gente se aproximou bastante do ICMBIO. O ICMBIO deu até uma medalha para a gente em reconhecimento e a gente está hoje muito próximo deles”, afirma.
Hoje, além do combate ao fogo em si, Daniel e Brigada de Alter lutam para fomentar a criação de novas brigadas nas comunidades que visita. “O governo nunca vai ter braço para lidar com os problemas de incêndio florestal na Amazônia. É muita coisa, e a gente que está aqui, nos territórios, a gente tem as melhores condições de chegar primeiro se a gente estiver equipado, treinado. A gente não quer substituir o governo, devemos trabalhar sob o governo. É o que a gente faz com o ICMBIO e com os bombeiros em menor escala”, finaliza.
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Fumaça em Santarém tem origem em crimes ambientais, diz Ibama - Instituto Humanitas Unisinos - IHU