30 Novembro 2024
Fugindo da turbulência no Líbano de 1949, os irmãos Émile e Emilie vendem tudo e viajam para o Brasil. A bordo do navio, Emilie conhece o comerciante Omar e se apaixona por ele, que é muçulmano, enquanto ela e o irmão são cristãos. O irmão fica obcecado por separar os dois, precipitando conflitos. Nos cinemas.
O comentário é de Neusa Barbosa, jornalista e crítica de cinema, publicado por CineWeb, 18-11-2024.
Mais que uma adaptação, é uma inspiração que colhe o diretor Marcelo Gomes a partir do livro de Milton Hatoum, Relato de um Certo Oriente. No filme, em que muda o nome para Retrato de um Certo Oriente, ele transforma essa história turbulenta de imigrantes libaneses em Manaus numa espécie de metonímia do texto de Hatoum, colhendo dele apenas alguns personagens e ampliando de maneira singular a participação da Amazônia e não só como cenário.
Afeito a filmes sobre personagens em movimento e choques culturais, como sua estreia, Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), em que retratava o convívio de um alemão (Peter Ketnath) e um nordestino (João Miguel) pelas estradas do Brasil, Gomes expande a história pregressa dos irmãos Emilie (Wafa’a Celine Halawi) e Émile (Zakaria Kaakour), igualmente centrais no livro. No roteiro, assinado por Gomes e Maria Camargo, visita-se o passado dos irmãos, no Líbano de turbulento de 1949, numa tempestuosa cena em que o irmão vem arrancar sua irmã do convento em que se refugiara depois da morte dos pais - uma sequência que conta com a participação carismática da atriz brasileira Tuna Dwek, como a madre superiora.
Vendendo a casa dos pais, Émile quer começar vida nova no Brasil com Emilie - a quem o une um amor ciumento, sentimento que será decisivo no rumo dessa história de personagens “apaixonados e apaixonantes”, como define o diretor. A bordo de um navio a caminho do Brasil, Émile esconde-se na cabine de Emilie como clandestino, para economizar o preço de uma passagem. Em suas explorações pelo navio, Emilie acaba conhecendo Omar (Charbel Kamel), um comerciante libanês já habituado na rota entre o Líbano e o Brasil.
Nasce uma paixão entre o muçulmano Omar e a cristã Emilie. Mas a religião é apenas um pretexto para a oposição doentia de Émile, que tem pela irmã uma possessividade quase de paixão incestuosa. Destes repentes extremos do temperamento de Émile, em que se nota um esboço de atração homossexual por um fotógrafo (Eros Galbiati), está contido o potencial de tragédia que, neste aspecto, não se desvia tanto do livro.
Mas, para fugir dos fluxos de consciência que povoam o texto do livro, Gomes constrói um arcabouço de belas imagens em preto-e-branco (fotografia de Pierre de Kerchove), que traduz o conteúdo destes múltiplos olhares, dos libaneses entre si e deles para as populações indígenas locais que eles começam a conhecer já no barco.
A parada numa aldeia indígena, aliás, causada por um acidente com Émile, é a oportunidade criada no filme para apresentar melhor as culturas locais e também introduzir um tema muito atual, a luta pela defesa da terra das populações originárias. E é também neste novo ambiente que o amor entre Emilie e Omar poderá enraizar-se, incorporando um elemento de tolerância entre culturas e religiões que, de algum modo, é também fundador de uma certa utopia sonhada pelo Brasil, apesar de todos os preconceitos.
Ao optar por permanecer apenas na juventude de seus personagens, não indo adiante no tempo como o livro, Gomes também limita seu escopo dramático a essa ideia de início de uma vida nova, que é pontuada de paixões mas também de perda e dor. E é nestes temas que o filme encontra uma universalidade, sem trair a especificidade desses encontros tão inusitados, como o dos libaneses e dos indígenas no solo brasileiro.
Nome: Retrato de um Certo Oriente
Nome original: Retrato de um Certo Oriente
Ano: 2024
País: Brasil, Itália
Gênero: Drama
Duração: 92 minutos
Classificação: 16 anos
Cor da filmagem: Colorido
Direção: Marcelo Gomes
Elenco: Wafa'a Celine Halawi, Charbel Kamel, Zakaria Kaakour, Tuna Dwek, Rosa Peixoto
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Retrato de um Certo Oriente. Comentário de Neusa Barbosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU