A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 18,33b-37 que corresponde à Solenidade de Cristo Rei, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Naquele tempo, Pilatos chamou Jesus e perguntou-lhe: “Tu és o rei dos judeus?” Jesus respondeu: “Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isto de mim?” Pilatos falou: “Por acaso, sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?” Jesus respondeu: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui”. Pilatos disse a Jesus: “Então tu és rei?” Jesus respondeu: “Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”.
Este domingo é a Solenidade de Jesus Cristo Rei, o ponto culminante do ano litúrgico. Essa festa foi instituída em 1925 após a Primeira Guerra Mundial, que deixou milhões de mortos, uma profunda crise econômica e uma realidade social severa e cheia de fortes tensões. O primeiro objetivo foi marcado pela necessidade de devolver a Deus o seu reinado, apontando de certa forma que a sua ausência na vida da sociedade havia sido a causa do desastre socioeconômico que estava sendo vivenciado. No início, essa solenidade era colocada no domingo anterior ao primeiro de novembro, a festa de Todos os Santos, e décadas depois foi transferida para o último domingo do ano litúrgico, como forma de reconhecer tudo o que foi vivido, fazendo uma memória grata da pessoa de Jesus e de suas palavras, e tornar presente a mensagem de Jesus e sua vida em nosso meio.
O capítulo 18 do Evangelho de João nos conta como Jesus foi preso no jardim do outro lado do Vale do Cédron, para onde tinha ido com os discípulos. Ele prossegue narrando que foi ali que funcionários dos chefes dos sacerdotes foram procurá-lo, juntamente com um destacamento, liderado por Judas, que conhecia o lugar, pois Jesus geralmente ia lá com seus discípulos.
Quando o encontraram, amarraram-no e o levaram primeiro a Anás e depois a Caifás, que era o sumo sacerdote. Como eles não tinham poder para condená-lo à morte, levaram-no a Pilatos. No início, Pilatos questiona os judeus para descobrir o motivo da acusação contra Jesus. Eles precisam da autoridade de Pilatos para condenar Jesus à morte! E aqui começa o diálogo de Pilato com Jesus, que é o texto sobre o qual estamos meditando neste domingo.
Pilatos faz quatro perguntas a Jesus, acusado pelas autoridades judaicas de ser um malfeitor por ir contra a Lei e fazer-se semelhante a Deus. As perguntas que Pilatos faz a Jesus, embora enquadradas em seu papel de procurador, estão fortemente carregadas de interesse em saber mais sobre Jesus. Em primeiro lugar, Pilatos o chama e pergunta: “Tu és o rei dos judeus?” Jesus não responde diretamente, mas com grande liberdade lhe faz outra pergunta que envolve suas convicções: “Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isto de mim?”
A partir desse momento, é como se o interrogatório mudasse de rumo: é Jesus quem questiona Pilatos, a quem ele está tentando deixar em aberto a preocupação com sua identidade. Com essa pergunta, Jesus também nos chama a questionar nossas aparentes certezas que, como Pilatos, podem nos dar um certo poder ou autoridade para questionar os outros. Repetimos o que pensamos porque todo mundo diz que é assim, ou é algo que realmente pensamos? Como alimentamos nossa maneira de pensar, de viver, nossas certezas internas? De que fonte estamos bebendo? Pilatos é confrontado com sua ignorância diante de um homem condenado que é “diferente”, o que o leva a questionar a identidade de Jesus, seu reinado, também a verdade e, finalmente, a banalidade de sua autoridade como procurador romano. Desde o primeiro momento em que Pilatos ouve a pergunta que Jesus lhe faz, inicia-se uma sucessão de diálogos e atitudes de Pilatos com ele, com as autoridades judaicas, com a polícia do templo, com os judeus, onde acaba por entregá-lo para ser crucificado, reconhecendo que é rei na inscrição que coloca na cruz.
“O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?” Essa é a segunda pergunta que Pilatos faz a Jesus e a resposta de Jesus o deixa ainda mais perplexo. Pilatos não é judeu e tem pouco interesse nos problemas judaicos, mas Jesus desperta nele uma intriga que o leva a continuar perguntando a Jesus: “Que fizeste?” Qual é a razão dessa situação? O que aconteceu para que isso acontecesse? Qual é a causa de você ter acabado assim? Pilatos coloca em palavras um questionamento que, de diferentes maneiras, é feito àqueles que são condenados pela sociedade e são apresentados como malfeitores para que sejam eliminados e não gerem mais problemas. “Foi o seu povo que o traiu”.
Jesus não responde à pergunta de Pilatos, mas retorna à sua primeira pergunta. “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui”. Por meio de seu interrogatório, Pilatos leva Jesus a revelar sua identidade e onde está seu reinado. Jesus é rei, mas não é a partir das considerações de um reinado de poder, relacionado ao poder do dia, mas Ele reina de uma forma não visível, onde não há coroações ou glorificações em termos de triunfo ou poder humano.
“Pilatos disse a Jesus: ‘Então tu és rei?’ Jesus respondeu: ‘Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isso: para dar testemunho da verdade’”. Jesus confirma o reconhecimento de Pilatos, mas introduz algo novo: eu vim para dar testemunho da verdade. “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”. Nessa revelação de Jesus, como testemunha da verdade, sua realeza é fundamentada. Ele havia dito: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, e em outra ocasião afirmou: “a verdade vos libertará”. É uma liberdade que vem do fato de sermos autênticos em nossas próprias convicções, como ele pede a Pilatos no início. Jesus nos convida a participar de seu reinado, onde emerge o mais genuíno de cada pessoa e de cada comunidade, não é algo imposto, é o caminho que se escolhe e que se percorre passando por problemas e dando a luta por seu reinado, como a justiça social, a luta pelos direitos de cada pessoa e de comunidades inteiras. Este domingo nos convida a escolhê-lo mais uma vez como o Senhor de nossas vidas e a deixar que sua pegada marque o curso de nossa existência.
Dirigindo-se aos jovens, o Papa Francisco disse-lhes: o seu reino é um só: de amor, de quem dá a própria vida pela salvação dos outros. E sublinhou: “a liberdade de Jesus é fascinante. (…) Deixemos vibrar dentro de nós esta liberdade, que ela nos sacuda e desperte em nós a coragem da verdade”. E perguntou aos jovens: “Diante da verdade de Jesus, diante da verdade que Jesus é, quais são essas minhas falsidades que não se sustentam, aquelas minhas dobras que Ele não gosta? Precisamos estar diante de Jesus para reconhecer a nossa própria verdade”.
Fazemos nosso o convite do Papa: “Precisamos adorá-lo para sermos internamente livres, para iluminar nossa vida e não nos deixarmos enganar pelas modas do momento, pelos fogos de artifício do consumismo que deslumbram e paralisam”. E continua dizendo: “na liberdade de Jesus também encontramos a coragem de ir contra a corrente, não contra alguém, como fazem os vitimizadores e conspiradores, que sempre carregam a culpa sobre os outros; não, contra a corrente doentia do nosso eu egoísta, fechado e rígido, para ir nas pegadas de Jesus”, mas para ir “contra o mal com a única força mansa e humilde do bem. Sem atalhos, sem falsidade”. Francisco: “Caros jovens, sejam a consciência crítica da sociedade”