20 Setembro 2024
O Brasil possui um histórico extenso de cooperação multilateral no que se refere à saúde e meio ambiente. Desde a assinatura do Acordo de Paris em 2016 até o envolvimento nas Cúpulas do Clima organizadas pela ONU, o país assumiu o compromisso de diminuir suas emissões de gases poluentes, proteger os biomas e desenvolver políticas públicas com foco em sustentabilidade. Contudo, há quem defenda que as metas estabelecidas ainda estão longe do ideal, e que as mudanças climáticas são um reflexo da falha em cumprir acordos globais.
O artigo é do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil, publicado por Outras Palavras, 18-09-2024.
Problemas respiratórios, ecoansiedade, infecções, zoonoses e muitas outras. Crise climática sacode a saúde coletiva, o que exigirá respostas robustas do governo. Mas medidas mitigatórias em debate adiantarão, sem outro paradigma de desenvolvimento?
A intensificação do aquecimento global foi responsável por inúmeros impactos prejudiciais na esfera social, econômica, ambiental e política nas últimas décadas. Dentre eles, é crucial apontar a implicação das mudanças climáticas no campo da saúde, o crescimento no número de doenças infecciosas, respiratórias, cardiovasculares e a incidência destes efeitos nas diferentes camadas sociais.
Diante do desastre natural ocorrido em junho de 2024 no Rio Grande do Sul e outros ocorridos anteriormente, o Brasil se vê de frente com a vulnerabilidade socioambiental de populações mais pobres e deve se preparar para atenuar as enfermidades que surgiram e ainda surgirão, além de lidar com abalos nas infraestruturas de saúde e com os efeitos sobre os animais. Para tanto, é necessário seguir as diretrizes internacionais preconizadas por órgãos de saúde e veterinária, e combater o desenvolvimento da crise climática como um todo.
Entretanto, neste texto questiona-se a efetividade de medidas que tentam reparar os estragos dos desastres naturais, em detrimento de reformas estruturais que podem preveni-los e, consequentemente, atenuar a intensidade dessas doenças. Esses dilemas são debatidos à luz da economia política dos desastres naturais.
Segundo a OMS, entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas podem causar cerca de 250 mil mortes adicionais anuais por desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico. Elas trazem efeitos sobre a saúde humana de diferentes formas: a variabilidade climática causa uma maior proliferação de doenças infecciosas e não infecciosas, um aumento da insegurança alimentar, além de impactos na saúde mental.
As alterações nos padrões de precipitação, ventos, e a intensificação de eventos climáticos extremos criam condições mais favoráveis para a proliferação de vetores, como os transmissores da dengue, contribuindo para o aumento de infecções. Essas mudanças também impactam a migração humana e a urbanização, aproximando pessoas de animais hospedeiros de patógenos, o que facilita a propagação de doenças zoonóticas. Isto posto, o Ministério da Saúde criou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública para Dengue e outras Arboviroses (COE), com objetivo de coordenar e melhorar a resposta a surtos dessas doenças em todo o Brasil, trabalhando de forma integrada com estados e municípios.
No Rio Grande do Sul, o aumento dos níveis de água pode causar doenças como diarreia, infecções na pele, doenças respiratórias, leptospirose, tétano e hepatite A devido ao contato com água contaminada. As enchentes também danificaram cerca de três mil estabelecimentos de saúde, dificultando o atendimento médico e aumentando o risco de subnotificação de doenças.
A falta de saneamento básico e as enchentes, como as ocorridas entre 26 de abril e 5 de maio, têm um impacto devastador na saúde das populações mais pobres. A leptospirose, causada pelo contato com urina de ratos em água contaminada, é uma das doenças comuns em áreas sem rede de esgoto, afetando desproporcionalmente cidadãos provenientes de zonas precárias. Logo, a vulnerabilidade socioambiental é uma condição agravada por desastres ambientais extremos e contribui para intensificar o abismo de desigualdade social presente no Brasil.
Além das doenças acima, as doenças crônicas não infecciosas relacionadas às modificações ambientais e deficiências nutricionais também são agravadas. As mudanças climáticas geram aumento nos efeitos das doenças respiratórias, proveniente da potencialização dos poluentes atmosféricos nas zonas urbanas. De acordo com a OMS, 50% das doenças respiratórias crônicas e 60% das doenças respiratórias agudas estão associadas a essa exposição aos poluentes atmosféricos. Os estudos apontam que com o aumento de 1,5ºC a 4ºC na temperatura média até o final deste século, conforme as projeções do IPCC das Nações Unidas, deve ocasionar no Brasil um aumento nas doenças respiratórias, cardiovasculares e até renais.
Não só a saúde física das pessoas são afetadas, mas também a saúde mental da população. Depressão, ansiedade, sofrimento emocional, traumas decorrentes dos desastres naturais ameaçam o bem estar e a saúde humana. A ecoansiedade, um termo que vem ganhando atenção das mídias nos últimos anos, é uma dessas consequências reais que afeta a população em diferentes graus.
Contudo, existe uma variação dessas respostas às mudanças climáticas e seus impactos que é diretamente ligada à questão da vulnerabilidade. Uma dessas questões é a condição social, marcada por desigualdade, que se desdobram nas diferentes capacidades de adaptação, resistência e resiliência. Esse cenário pode ser visto na insegurança alimentar, com a diminuição da disponibilidade de alimento e da qualidade nutricional, que dificulta o acesso da população aos alimentos, de modo que elas recorrem a alternativas destes, muitas vezes não convencionais, que fortalecem a sindemia global.
As consequências das catástrofes climáticas no Rio Grande do Sul teve impacto não somente na saúde humana, mas também, estudos apontam a relação dos alagamentos de áreas inteiras e a queda de árvores na volta da doença Newcastle após quase duas décadas sem notificação. A destruição de árvores que poderiam ter ninhos, além das aves exóticas e de estimação que são disseminadores de vírus, foram levados pelas águas. A vacinação contra a doença não é aconselhada em aves de corte, nessa perspectiva, o evento climático vivido pelo estado pode ter contribuído com o surgimento de um foco com mais de 14 mil casos dessa doença, que interfere diretamente na sua economia com a suspensão de exportação de produtos avícolas para pelo menos 44 países.
Outrossim, as queimadas florestais e as secas proporcionadas pela exploração do meio ambiente atingiram níveis altíssimos no primeiro semestre de 2024, nunca antes registrados no Brasil. Os índices de incêndio em regiões como Amazonas e Mato Grosso já são 104% superiores aos hectares queimados registrados durante o mesmo período em 2023. Esses incêndios florestais alarmantes são observados no país desde agosto desse ano, e investigações já estão sendo conduzidas pela Polícia Federal para apurar seus responsáveis. A ministra do meio ambiente Marina Silva propôs que todos os gastos com emergências climáticas no Brasil não fossem incluídos no teto de gastos do governo, considerando esta uma crise contínua e crescente, sendo necessário um investimento em ações preventivas constantes.
Quanto às consequências imediatas dessa catástrofe, os índices de poluição atmosférica aumentam e a qualidade do ar decai, o que pode ocasionar complicações para a saúde de humanos e animais. Além de doenças do sistema respiratório como amigdalite e faringite, o corpo humano também é afetado através de irritações nos olhos e nariz, tosse seca e no aumento de doenças cardiovasculares. Os grupos mais vulneráveis da população, como idosos e crianças, correm risco de vida ao absorverem em seus organismos as toxinas liberadas no ar pelas fumaças das queimadas florestais. Além disso, a má qualidade do ar também tem seu impacto no processo de neurotransmissão do cérebro humano, podendo gerar neuroinflamação e agravar casos de depressão e ansiedade nas comunidades afetadas.
Os efeitos das mudanças climáticas no campo da saúde não se trata de uma problemática isolada, e sim interseccional à esfera econômica, social e política das nações e da comunidade internacional como um todo. Dessa maneira, Organizações Internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e suas ramificações possuem um papel central na elaboração de declarações, projetos e medidas para engajar os países a enfrentar estes impactos.
Para a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization), o combate aos desafios é pautado em torno de três objetivos principais: a redução das emissões de carbono e do uso de combustíveis fósseis a partir da transição energética e da bioeconomia; a construção de sistemas de saúde mais sustentáveis; e a proteção da saúde populacional por meio de análises de vulnerabilidade, desenvolvimento de planos de ação e sistemas responsáveis por monitoramento de riscos.
Também é evidenciada a necessidade de mudança nos hábitos alimentares para uma dieta mais equilibrada e saudável, tendo em vista que a indústria de carne vermelha é uma das maiores responsáveis pela proliferação de gases poluentes na atmosfera. Além disso, coalizões com a sociedade civil e agências de saúde são primordiais para impulsionar a formação de políticas públicas e conscientizar os cidadãos sobre os desafios da saúde num mundo de crise climática.
A perspectiva para futuros cenários internacionais epidemiológicos, caso não haja uma virada ambiciosa no combate às mudanças climáticas, é caracterizada por fatores agravantes intrincados na poluição atmosférica e precarização de áreas interurbanas, o que facilita a transmissão das doenças. As catástrofes ambientais se intensificam cada vez mais e ocorrem paralelamente a conflitos políticos. Os impactos devem ser analisados no que tange seus efeitos para a saúde da população e nos sistemas designados para acolhê-la, sendo necessário um plano adaptativo.
Dentre as ações do governo brasileiro para remediar os impactos na saúde gaúcha, pode-se destacar a iniciativa do Ministério da Saúde no suporte psicológico à população afetada, oferecendo serviços de atendimento em centros comunitários provisórios e escolas, além da entrega de medicamentos e itens essenciais. Em cooperação com o Ministério do Desenvolvimento Regional, o Ministério da Saúde também está atuando em parceria com prefeituras locais para o mapeamento das necessidades de assistência médica e psicológica nos pontos críticos de desastre.
O Brasil possui um histórico extenso de cooperação multilateral no que se refere à saúde e meio ambiente. Desde a assinatura do Acordo de Paris em 2016 até o envolvimento nas Cúpulas do Clima organizadas pela ONU, o país assumiu o compromisso de diminuir suas emissões de gases poluentes, proteger os biomas e desenvolver políticas públicas com foco em sustentabilidade. Contudo, há quem defenda que as metas estabelecidas ainda estão longe do ideal, e que as mudanças climáticas são um reflexo da falha em cumprir acordos globais.
Estudos como o da Comissão Lancet Countdown mostram a importância de adaptar-se à vulnerabilidade climática para mitigar os impactos das doenças no sistema de saúde.
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A era das doenças climáticas. Artigo do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU