21 Julho 2022
Quando se pensa no trabalho de Miquel Seguró, é difícil não pensar na ética, que, afirma, serve para “perguntar-se como viver no concreto e no universal”. O filósofo catalão, atualmente professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade Ramon Llull, é também um dos diretores da revista Argumenta Philosophica, e seu último livro tem como título Vulnerabilidad (Herder). Os seres humanos são, antes de tudo, seres vulneráveis?
A entrevista é de Iñaki Domínguez, publicada por Ethic, 18-07-2022. A tradução é do Cepat.
A angústia em Heidegger é algo semelhante à essência do ser no mundo. Para você, a vulnerabilidade exerce esta função?
Não exatamente. Para mim, a vulnerabilidade é anterior a qualquer experiência, a condição de possibilidade de qualquer narrativa ou reconstrução dela. No meu modo de ver, esse a priori existencial seria a temporalidade na filosofia de Heidegger.
Em relação à ideia de vulnerabilidade, é comum associá-la a experiências pouco agradáveis, mas na minha concepção, a vulnerabilidade é a condição existencial que também permite dar espaço a experiências agradáveis. Em meu livro Vulnerabilidad exploro essa tese fundamental da vulnerabilidade como afetabilidade, e esta última pode ir em várias direções e deixar pegada de diferentes maneiras.
Atualmente, o papel da dor parece ganhar um especial protagonismo e valor. Que papel você considera que a vulnerabilidade possui, neste sentido?
Uma das faces da vulnerabilidade é sua dimensão do sofrimento, mas neste ponto é preciso diferenciar entre a vulnerabilidade constitutiva, no sentido de que todos somos afetáveis, e as vulnerabilidades absolutamente advindas e, portanto, reversíveis, que são consequência de nossas ações. A injustiça ou as desigualdades, por exemplo, são completamente contingentes e dependem de nossa forma de nos relacionarmos.
Como eu disse antes, vulnerabilidade significa afetabilidade, e justamente porque podemos afetar e ser afetados, as coisas podem ir mal, mas também podem mudar completamente de rumo. Está em nossas mãos eliminar todas as vertentes de sofrimento da vulnerabilidade que dependem de nossas ações ou omissões, todas sem exceção. É incompreensível que como espécie ainda não tenhamos alcançado esse ponto.
Atualmente, na pós-modernidade, é difícil encontrar uma verdade absoluta. Somos particularmente vulneráveis, hoje em dia?
A questão levanta dois assuntos diferentes. Em primeiro lugar, existe a condição vulnerável, que sempre encarnamos e que nos define como seres humanos. Em segundo lugar, a questão da relação com esta realidade, sobretudo as implicações menos agradáveis dessa condição: quando nos apaixonamos ou desfrutamos os sentidos durante uma refeição, por exemplo, isso também se dá graças à condição de vulnerabilidade.
No entanto, quando a vulnerabilidade implica consciência de finitude, contingência e incerteza, aí é mais difícil nos acomodarmos e protestamos. Nesse sentido, penso que a pós-modernidade, que é muitas coisas e não uma só, pode ajudar a refletir justamente a esse respeito: que as coisas são complexas, que os discursos permanecem abertos a mais e maiores conhecimentos e que as verdades e concepções de mundo estão sujeitas à sua falibilidade.
A partir daí, temos o desafio de decidir o que fazer diante dessa situação, e penso que se aprecia que o relevante não é só a vulnerabilidade como tal, mas como nos relacionamos com ela. Ou seja, como a integramos e de que modo somos capazes de assumir as implicações de reciprocidade e responsabilidade que, por exemplo, comporta no processo de construção de nossos conhecimentos.
Neste sentido, não me cansarei de repetir a grande diferença que existe entre relativismo e perspectivismo. O primeiro encerra a discussão, ao passo que o segundo a deixa aberta. O que se ajusta à condição vulnerável não é o relativismo, mas o perspectivismo.
A filosofia não está em alta nas salas de aula, atualmente. Considera que este fato tornará os futuros cidadãos mais vulneráveis aos interesses políticos e empresariais?
Sempre somos vulneráveis e em todas as direções. Sou um defensor da filosofia e de seu valor, é claro, mas não um fetichista dela. Parece que com o estudo da filosofia muitas coisas seriam automaticamente consertadas, e isso tem pouco de filosófico. Sempre há liberdade. A função da filosofia é questionar e buscar responder, para depois voltar a perguntar, a partir do respondido, e buscar voltar a reconstruir... E assim por diante, sem parar.
Nesse questionamento, podemos descobrir várias coisas. Primeiro, que as coisas são complexas e que sempre resta uma complexidade que é irredutível. Segundo, que devemos sair às ruas todos os dias nos perguntando como aprender a viver e conviver bem em meio a tanta complexidade. Nesse sentido, penso que a filosofia pode ajudar a nos tornar conscientes de ambas as coisas, mas também as humanidades em geral, as ciências sociais e até as ciências puras: todas nascem e remetem à amplitude da experiência humana.
Talvez o mais específico da filosofia seja a autoconsciência desses limites, da mútua necessidade e da abertura e dinamismo de nossos conhecimentos, tanto os teóricos como os práticos. Por isso, entendo que a filosofia encontra sua relevância quando ajuda a tornar o que nos acontece experiências de vida, ou seja, a percebermos que não somos apenas sujeitos pacientes, à custa do que acontece, mas também sujeitos que são agentes do que pode vir a acontecer. E isso tem um grande potencial no desenvolvimento da autonomia.
O livro confere especial atenção a Descartes. Como avalia o significado do filósofo francês para a atualidade de nossas vidas?
Para mim, ele é um autor de referência não só pelo que disse, mas também pela forma como se expressou. Também pelo que parece que deixa de dizer ou pelo que dá a entender em suas cartas. Sua obra tem muitas nuances, e é uma aventura contínua mergulhar nela.
Além disso, no livro também me pergunto se a nossa época é em certa medida barroca, no sentido de que existe uma grande emotividade, uma crise das certezas e um processo de transformação social e econômica muito pronunciado. E, claro, Descartes foi um dos grandes pensadores do século XVII. Uma das grandes questões que sempre me impressionou nele é que, embora seu pensamento parta e remeta à experiência da subjetividade, suas cartas e a dinâmica de sua vida nos permitem avaliar que estava muito atento ao que estava acontecendo ao seu redor e sobre o que pensavam seus contemporâneos.
Descontando as distâncias, isso me lembra um pouco nosso modo de viver, muito envolvidos em nossos mundos e teoricamente desconectados do ambiente e, no entanto, muito cuidadosos com a nossa imagem nas redes sociais e a acolhida a nossas opiniões. O que traz muitas leituras, como a de que o indivíduo nunca basta a si mesmo, porque é, constantemente, vulnerável, afetável, o que nos lança para a relação social e a interdependência.
Quando se busca entender a realidade hoje, como avalia que o relativismo nos afeta?
Volto ao que comentei antes: existe uma grande diferença entre relativismo e perspectivismo, sobretudo porque o primeiro encerra a discussão, ao passo que o segundo a deixa aberta. O relativismo estipula que tudo é relativo, o que é um paradoxo: se tudo é relativo, então, sua afirmação também deveria ser.
O perspectivismo, no entanto, considera que sempre ocupamos uma determinada cadeira no teatro do mundo, o que determina e condiciona nosso modo de ver as coisas. Ou seja, pode ser que de nossa perspectiva existam coisas que não podemos apreciar simplesmente porque não podemos apreciá-las a partir dessa perspectiva, mas não porque não existam. Talvez mudando de cadeira, sim, as veríamos.
Entendo o perspectivismo como uma espécie de dúvida metódica constante que coloca em questão o fato de que uma perspectiva esgote as possibilidades de observação do mundo: sempre pode existir algo para aprender e contemplar. O relativismo, ao contrário, acredito que postula uma verdade formal da qual não se sai.
Em um mundo supostamente globalizado, é viável compartilhar uma ética unitária e universal?
Por um lado, sim, mas por outro não. É possível reconhecer que em virtude do perspectivismo podem existir diferentes formas de pensar a realidade e de expressá-la, mas ao mesmo tempo nem todas são iguais, pois o relativismo é um a priori, e no mundo vemos que algumas posições não têm as mesmas consequências que outras.
No livro, proponho a via do não-critério para pensar a ética, tendo em conta que a ética é sempre uma ética do cuidado, ou seja, ter um ao outro em auxílio mútuo não apenas nos momentos ruins, mas também nos bons, sem paternalismos e com plena responsabilidade. A ética do cuidado, que no meu modo de ver expressa a vulnerabilidade antropológica que eu comentava antes, tem, é claro, seu eco na ideia da política.
É preciso pensar a política em termos de vulnerabilidade e assumir que a política é vulnerável - e, portanto, afetável - em relação e interdependência com muitas outras esferas que fazem parte da vida concreta e palpável, no dia a dia. Em suma, uma política do cuidado.
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“A vulnerabilidade nos define como seres humanos”. Entrevista com Miquel Seguró - Instituto Humanitas Unisinos - IHU