10 Setembro 2024
Desde 2022, o regime do presidente Nayib Bukele, reeleito em 2024, tornou-se mais duro. A sua eficaz repressão às gangues é sedutora. Mas a sua política de segurança despreza o Estado de direito. Com a maior população carcerária do mundo, o país centro-americano também jogou pessoas inocentes na prisão.
A reportagem é de Corine Chabaud, publicada por La Vie, 06-09-2024. A tradução é do Cepat.
O enorme prédio, cercado por um muro de 11 metros de altura, dividido em oito alas de 6.000 m2, é recente, inaugurado em fevereiro de 2023. O Cecot, Centro de Confinamento do Terrorismo, ou Penitenciária de Tecoluca, a 74 quilômetros de San Salvador, foi projetado para acomodar 40 mil detentos: é a maior prisão da América. Aqui, apesar do equipamento tecnológico mais recente, as condições de detenção são consideradas deploráveis. Mesmo que a superlotação carcerária seja ainda maior nos estabelecimentos mais antigos e degradados, de Mariona a Izalco.
Sem colchões, os prisioneiros dormem em camas de metal. Eles não podem falar sem autorização e as visitas de parentes são proibidas. Semelhantes a gaiolas, as celas de 100 m2 são projetadas para manter encerrados cerca de uma centena de presos, todos vestidos de branco e com a cabeça raspada, que andam algemados e com as mãos na cabeça, sob os golpes dos guardas.
Em julho de 2024, Cristosal, uma organização salvadorenha de direitos humanos, publicou um relatório relatando 79.211 prisioneiros e 265 mortes em detenção desde a instauração do estado de emergência, em março de 2022. Um ano antes, a ONU já havia pedido uma investigação sobre as mortes sob custódia. A Cristosal denuncia a generalização das violações dos direitos humanos, das detenções arbitrárias e dos tratamentos desumanos, das detenções sem mandado judicial, baseadas em simples denúncias anônimas. Tortura, que se tornou “política de Estado”.
Eleito em 2019, e reconduzido com sucesso em fevereiro de 2024, desafiando a Constituição, que o proibia de concorrer a um segundo mandato, o presidente Nayib Bukele, de 43 anos, declarou guerra às maras, gangues importadas dos Estados Unidos pelos filhos de imigrantes que regressaram ao país após a fratricida guerra civil (1979-1990, 100.000 mortes).
De origem palestina da parte de pai, publicitário como ele mesmo era antes de entrar na política, o presidente barbudo e astuto, boné virado para trás, jeans e jaqueta de couro, autoproclamado "o ditador mais cool do mundo", aplica uma política de segurança usando métodos drásticos que desrespeitam o Estado de Direito. Este que “sonha com a grandeza” e quer “um país seguro” quer acabar com um altíssimo índice de homicídios, devido principalmente aos crimes das gangues, especialmente a Mara Salvatrucha ou MS-13 e a Mara Barrio 18, quadrilhas rivais. Gangues acusadas de extorsão, sequestros e assassinatos, ou de se matarem entre si.
Mas agora a criminalidade está diminuindo. Em setembro de 2023, o presidente populista, à frente do partido Nuevas Ideas, manifestou a sua satisfação na tribuna da ONU: “O ontem país mais perigoso do mundo, tornou-se o mais seguro da América Latina”, declarou. Este verão, na revista Time, também saudou o fato de as forças públicas, graças ao regime de emergência, estabelecido após 87 assassinatos em três dias em fevereiro de 2022, terem detido desde então 81 mil pessoas. Para silenciar as críticas ao seu autoritarismo e à erradicação dos contra-poderes, admitiu que “em breve a segurança poderá reinar sem o estado de emergência”, prorrogado todos os meses pela Assembleia, controlada pelo seu partido. E anunciar medidas de flexibilização: fim da suspensão das liberdades civis, restauração do direito de associação, acesso a advogado em caso de prisão...
O menor país da América Central, povoado por 6,3 milhões de habitantes, El Salvador tem, portanto, um regime autoritário. As organizações de defesa dos direitos humanos denunciam-no constantemente nos seus relatórios. A Anistia Internacional relata “graves violações sistemáticas”, uma “desumanização” de prisioneiros e “uma crise humanitária no seio da população prisional”. Porque muitas vezes basta ter uma tatuagem para ser encarcerado, num Estado onde a particularidade dos membros das maras é ser tatuado, às vezes até no rosto, ou ter gravadas na pele as iniciais da gangue a que pertencem.
A ONG Socorro afirma defender 1.500 detidos que não fazem parte das maras, mas que foram presos por esse motivo. Há também desaparecimentos em grande número. E as autoridades não teriam uma posição tão clara como preconizada: fala-se em acordos secretos feitos entre o governo e as gangues para reduzir a criminalidade. É devido ao rompimento de um destes acordos em 2022 que Nayib Bukele teria optado por um aperto no parafuso e pela aplicação do estado de emergência.
Advogados locais dizem que milhares de salvadorenhos inocentes estão detidos, sem recurso legal. Para o chefe de Estado, que assume o seu punho de ferro, seriam as vítimas colaterais de uma guerra mais ampla que visa garantir a segurança da população. Mas para a Human Rights Watch (HRW), “o presidente Nayib Bukele enfraqueceu o funcionamento das instituições democráticas, inclusive ao utilizar o exército” para manter a ordem e fazer detenções questionáveis, inclusive de menores. A justiça é muitas vezes célere, alerta a HRW: alguns julgamentos coletivos duram apenas alguns minutos, abrangendo até 900 acusados. Mais elaborado, o que terminou em 30 de agosto condenou oito líderes da MS-13, incluindo o líder Efrain Cortez, conhecido como “o Velho Tigre”, a 188 anos de prisão por crimes agravados. Outro julgamento ocorreu em junho, condenando outros sete prisioneiros a penas que variam de 360 a 460 anos de prisão.
Com 1.764 detidos para cada 100.000 habitantes, El Salvador tem a maior taxa de detenção do mundo. Um em cada 57 salvadorenhos está atrás das grades! O país liderado por este bom comunicador, adulado mas temido, queria fazer do bitcoin a sua moeda oficial. Ele não teve sucesso. “Ele experimenta um fracasso em sua aposta na criptomoeda. Mas por causa de sua política de segurança, Nayib Bukele é um modelo e uma referência na América Latina”, observa o cientista político do Iris (Institut de Relations Internationales et Stratégiques), Christophe Ventura. O seu modelo de segurança está se tornando uma escola no subcontinente.
As ruas de San Salvador, onde foi prefeito de 2015 a 2018, deixaram de ser cruéis. Os turistas estão voltando a este país com as suas praias paradisíacas – um milhão por ano agora –, o setor imobiliário está em franca expansão, mas os investidores estrangeiros ainda não estão afluindo para lá e a corrupção ainda é abundante. Vindo de um partido de esquerda, a Frente Marxista de Libertação Nacional Farabundo Marti, o líder carismático aplica ideias mais neoliberais na economia. Ele demonstra pouca preocupação com as classes pobres: a taxa de extrema pobreza vem aumentando desde 2020, passando de 5% para 8%. Apresenta-se sobretudo como um “antissistema”, nem de direita nem de esquerda.
Os Estados Unidos, que têm interesse em impedir a imigração de salvadorenhos para o seu país, tornaram-se menos críticos nos últimos meses em relação às violações dos direitos humanos neste país – 2,5 milhões de salvadorenhos já vivem a norte do Rio Grande. “Só existem dois caminhos para um bandido: a prisão ou a morte”, gosta de repetir o muito popular presidente de El Salvador, que joga com o medo, brandindo ao menor escrutínio a ameaça de retrocesso na hiperinsegurança se o seu lado perder as eleições.
“Mais um dia sem homicídios”, tuíta regularmente o homem que tem 5,8 milhões de seguidores no X. O “Rei Filósofo”, como ele se autodenomina, prometeu que não concorreria a um terceiro mandato. “Fiz um acordo com minha esposa”, jura. Falsamente humilde, afirma também, certo de ter atualizado valores como a coragem e o amor ao próximo: “A glória é de Deus”.
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Os tristes recordes de El Salvador, o país mais seguro da América - Instituto Humanitas Unisinos - IHU