30 Agosto 2024
Aplicativo, popular tanto entre criminosos quanto entre oposicionistas de regimes autoritários, promete anonimato – mas tem graves problemas de segurança. Prisão do cofundador Pavel Durov gera preocupação na Rússia.
A reportagem é de Thomas Latschan, publicada por DW, 29-08-2024.
Irã, 2017-2018: protestos na cidade de Mashhad denunciam corrupção, má administração e um aumento nos preços dos alimentos. Em poucos dias, as manifestações se espalham para dezenas de outras cidades e comunidades rurais do país. O governo em Teerã tem dificuldades para manter o controle da situação.
Tailândia, 2020: depois de iniciada por um partido de oposição, a resistência ao regime militar do primeiro-ministro Prayut Chan-o-cha cresce nas universidades do país. Os protestos rapidamente se multiplicam, levando as autoridades a declarar estado de emergência.
Belarus, 2020: uma nação governada há décadas por um autocrata realiza eleições presidenciais. Após a votação, o ditador Alexander Lukashenko anuncia ter sido reeleito. Seguem-se meses de protestos em massa.
Todas essas mobilizações, assim como várias outras, têm um fator em comum: foram amplamente organizadas através do aplicativo Telegram.
O serviço de mensagens se tornou um dos mais populares do mundo desde que foi cofundado, em 2013, por Pavel Durov – que virou alvo da Justiça na França.
Mais de 900 milhões de pessoas utilizam o Telegram, que se orgulha de regular conteúdo com rigidez bem menor do que os demais aplicativos de mensagem. A plataforma também é capaz de funcionar com conexão de internet em velocidade extremamente baixa, como ocorre quando os governos tentam bloquear sua utilização.
Além disso, o aplicativo permite a formação de grupos com até 20.000 participantes, o que possibilita a mobilização rápida de uma quantidade enorme de pessoas.
O aplicativo promete aos usuários um nível particularmente alto de anonimato. Apesar da necessidade de os usuários registrarem um número de telefone celular ao abrirem seus perfis, diferentemente do concorrente WhatsApp eles podem adotar um nome de usuário que pode impedir que os demais membros de um determinado grupo possam ver o número cadastrado. Todas essas funções fazem com que a ferramenta seja bastante interessante para determinados grupos – seja para o bem, seja para o mal.
Os interessados não são apenas os grupos de oposição que vivem sob regimes autoritários. O Telegram, por exemplo, também se tornou a plataforma favorita dos negacionistas da covid-19 em 2020.
Após o Parler – a plataforma preferida dos extremistas de direita e radicais para disseminar conteúdo da ultradireita – ser temporariamente fechado, o Telegram passou a ser a nova ferramenta favorita da extrema-direita, com o surgimento de inúmeras campanhas de desinformação e fake news.
O Telegram também atrai criminosos cibernéticos, Pavel Durov é acusado, entre outras coisas, de permitir que o crime organizado floresça em sua plataforma, sem impedir a distribuição de material de pornografia infantil e de acobertar esses crimes.
A prisão de Durov gerou uma situação incômoda, na qual o Kremlin – que tem inúmeros canais no Telegram – se queixou com a mesma intensidade das principais lideranças de oposição na Rússia. Georgia Alburov, colaboradora de Alexey Navalny, o líder oposicionista morto na prisão, chegou ao ponto de afirmar que a detenção de Durov representa um "duro golpe contra a liberdade de expressão".
Ainda assim, a plataforma não é tão segura e anônima quanto imagina a maioria dos usuários. É, na verdade, exatamente o oposto disso.
"Pode perguntar a quem quiser nos círculos de segurança e todos vão dizer que o Telegram está muito atrás de outras plataformas no que diz respeito à confidencialidade de conteúdo", afirma Jürgen Schmidt, que dirige o portal Heise online, com notícias da área da tecnologia da informação.
Ao contrário de aplicativos como o WhatsApp ou o Signal, o conteúdo no Telegram não tem criptografia ponto-a-ponto, ou seja, entre os telefones de quem emite e de quem recebe a mensagem. No caso do Telegram, a criptografia ocorre entre o emissor da mensagem e o servidor e entre o servidor e o receptor.
"O Telegram às vezes é pouco claro ao comunicar isso", disse Schmidt à DW. "Eles falam sobre encriptar todas as mensagens, mas isso vale somente para o caminho entre o aparelho do usuário e o servidor. Uma vez no servidor, elas são decriptadas no formato de texto".
Apesar de ser, de fato, possível mudar as configurações para permitir a criptografia ponto-a-ponto, isso não é algo simples, além de não funcionar para todos os tipos de chats.
"Isso significa que, por princípio, tudo o que é escrito no aplicativo é armazenado nos servidores do Telegram, ao qual Durov e sua equipe têm acesso", explica Schmidt, que em um de seus artigos classifica o aplicativo como "um pesadelo em termos de privacidade".
Não se sabe, contudo, onde esses servidores estão localizados, assim como quem tem acesso às informações neles armazenadas. O Telegram não divulga a localização de seus servidores.
Mas por que o Telegram é tão popular entre tantos movimentos de oposição a governos autoritários?
"Não há uma explicação técnica", diz Schmidt. "Ao contrário da maioria dos outros aplicativos de mensagens, o Telegram não tem origem nos Estados Unidos, onde muitos ainda pensam que agentes da 'malvada NSA' [Agência de Segurança Nacional dos EUA] estariam envolvidos".
Ele diz que a empresa é administrada por um russo "que ganhou credibilidade ao deixar seu país para evitar a pressão do regime".
Também é peculiar o fato de que Durov parece não manter a empresa em um mesmo lugar por muito tempo. Ao sair da Rússia, ele mudou o Telegram para Berlim, depois para Londres e Singapura, antes de se instalar em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
"É claro que é possível especular que ele se mude tanto para evitar os agentes da lei. Até hoje, o endereço do Telegram em Dubai é visto de maneira favorável pelos usuários da plataforma, o que dá mais credibilidade a Durov, uma vez que ele não pode ser tão facilmente perseguido pelas autoridades da Alemanha ou dos EUA".
Mas isso também traz sérias consequências para os usuários, diz Schmidt. "Eles não têm chance de obter acesso ao Telegram", observou.
A plataforma foi criada com isso em mente. "Pode-se perceber isso de maneira positiva se você se tornar alvo de algum procurador de Justiça, por exemplo. Mas isso pode trazer desvantagens para alguém que se tornou vítima de golpistas online".
"Pessoalmente, eu me manteria bem longe do Telegram ao tratar de qualquer coisa remotamente confidencial", concluiu o especialista em TI.
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Conspiração, crime e fake news: as controvérsias do Telegram - Instituto Humanitas Unisinos - IHU