16 Agosto 2024
Proposta muda redação do Código Florestal, de forma a considerar como sendo de utilidade pública obras de infraestrutura de irrigação e dessedentação animal em APPs.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki publicada por ((o))eco, 15-08-2024.
O principal colegiado da Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), aprovou na tarde desta quarta-feira (14) um projeto de lei que visa alterar o Código Florestal, passando a considerar como sendo de utilidade pública obras de infraestrutura de irrigação e dessedentação animal em Áreas de Preservação Permanente (APP), incluindo barramentos ou represamento de cursos d´água. Para o Observatório do Código Florestal, a proposta representa um “retrocesso” e pode levar a grandes perdas de vegetação nativa.
Foram 37 votos a favor e 13 contrários à proposta. Dentre os que se opuseram à mudança no Código Florestal, estavam o Partido Verde, Partido dos Trabalhadores, Avante e Partido Comunista do Brasil. As demais siglas que compõem a comissão foram favoráveis. A medida já foi aprovada na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) e na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara.
As APPs são áreas de margens de rios, topos de morros e locais de extrema importância ecossistêmica para a manutenção dos cursos d ‘água, do solo e da biodiversidade. Pelo Código Florestal, a supressão de vegetação em APPS ou execução de obras em tais áreas pode ocorrer somente na hipótese de utilidade pública, interesse social, ou quando houver baixo impacto ambiental.
O projeto de lei aprovado pela CCJ, PL 2168/2021, de autoria do deputado Jose Mario Schreiner – DEM/GO, propõe justamente mudar o status das obras de irrigação e dessedentação animal, de forma a considerá-las como sendo de utilidade pública.
Em sua justificativa, Schreiner deixa claro que o objetivo da mudança é beneficiar o agro. “Por que apoiamos que as infraestruturas de irrigação são de utilidade pública para fins de licenciamento ambiental? Para aumentar a disponibilidade hídrica com foco na produção e na produtividade rural”, diz.
Para o Observatório do Código Florestal (OCF) – rede de organizações que trabalham pela manutenção e cumprimento da principal lei ambiental do país – a aprovação do Projeto de Lei representa um “retrocesso”, ainda mais quando considerado o agravamento da crise climática no Brasil e no mundo.
“É um retrocesso grave promovido pela comissão e que desconsidera os impactos severos que o desmatamento de áreas de preservação permanente, vegetação nativa protegida pela lei há cerca de cem anos, pode causar. Essa degradação ambiental promovida pela medida ataca diretamente a população brasileira urbana e rural, por poder gerar insegurança alimentar, hídrica e climática, além de ameaçar a biodiversidade nacional. O projeto ignora os efeitos da tragédia climática vivenciada pelo Rio Grande do Sul, que inclusive aprovou uma lei estadual similar a essa”, disse a ((o))eco o secretário executivo do OCF, Marcelo Elvira.
Em 2022, a rede já havia publicado uma nota técnica alertando para os riscos de propostas como a agora aprovada pela CCJ da Câmara. O documento alerta para a possibilidade de perda de produtividade agrícola e escassez hídrica.
O OCF lembra que áreas com vegetação nativa apresentam, em média, uma perda de apenas 4 kg de solo por hectare/ano, enquanto áreas de plantio de soja e algodão, por exemplo, têm perdas que ultrapassam 20 toneladas por hectare/ano.
Segundo a rede, obras de irrigação também resultam no proliferamento de represamentos ao longo dos rios e cursos d’águas, o que impacta diretamente na qualidade e disponibilidade das águas.
Malu Ribeiro, diretora da SOS Mata Atlântica, membro do OCF e do Observatório das Águas, enfatiza que tais mudanças alteram significativamente os ecossistemas, reduzem a biodiversidade e comprometem os usos múltiplos da água nas bacias hidrográficas brasileiras.
“Rios que eram de corredeira e de velocidade viram águas paradas e há um impacto grande na qualidade dessas água. Isso altera todos os ecossistemas e perde biodiversidade, perde a qualidade da água e, com isso, perde a possibilidade de usos múltiplos da água. Portanto, é um projeto de lei equivocado e que beneficia um usuário em detrimento de todos os outros usuários da água das bacias hidrográficas brasileiras”, diz.
Além do projeto de lei aprovado nesta quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, outra proposta com teor semelhante no Congresso. O PL 1.282/19, de autoria do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), permite a construção de reservatórios e barramentos de água em Áreas de Preservação Permanente (APP) dentro de propriedades rurais, para fins de irrigação. A proposta já foi aprovada pelo Senado e submetida à Câmara, mas ainda sem data para apreciação.
Apesar do conteúdo semelhante, a proposta recém aprovada na comissão da Câmara é ainda mais danosa ao meio ambiente, por mudar o entendimento geral do que seriam as obras de irrigação e dessedentação. Ainda não há data para votação do PL em Plenário.
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Projeto que facilita desmatamento e libera obras hídricas em APPs é aprovado em comissão na Câmara - Instituto Humanitas Unisinos - IHU