14 Agosto 2024
O falecimento do economista aconteceu dias depois da morte de Frei Tito completar 50 anos
A reportagem é de Kaique Santos, publicada por Brasil de Fato, 13-08-2024.
A morte de Delfim Netto, nesta segunda-feira (12), gerou diversas reações de economistas e políticos, inclusive do governo federal, que lamentaram a partida dele. Entre as autoridades que se manifestaram está o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se referiu ao ex-ministro da Fazenda como uma das "referências no debate econômico do país".
O economista morreu aos 96 anos e teve uma trajetória polêmica, incluindo cargos durante governos do regime militar no Brasil, inclusive como ministro da Agricultura e também do Planejamento, tendo assinado o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 1968. O decreto é considerado o mais duro após o golpe militar de 1964, por suspender direitos e garantias individuais.
"Figuras como Delfim Netto e todos os que participaram, apoiaram a ditadura, não merecem nenhuma admiração da nossa parte, sabe? Não merecem nenhuma consideração como pessoas democratas, como pessoas éticas, como pessoas que realmente ajudaram a fazer um Brasil melhor. Pelo contrário, foram figuras nefastas", critica Frei Betto, escritor e assessor de movimentos populares.
O frade, que vivenciou e sofreu com o período da ditadura, conversou nesta terça-feira (13) com o jornal Central do Brasil. O falecimento de Delfim Netto aconteceu dias depois da morte de seu colega, Frei Tito, completar 50 anos, no último sábado (10).
"De todo o grupo dominicano, de frades dominicanos presos, Frei Tito foi o mais torturado. E ele veio a tirar a própria vida em função das sequelas psíquicas que deixaram, porque resistiu bravamente, heroicamente, às torturas. Não delatou ninguém", relembra Frei Betto.
"Mas um dos torturadores fez a maligna profecia de que ele jamais esqueceria o preço de seu silêncio. E dito e feito, no exílio, - porque ele foi banido do Brasil em 1971 - ele veio a se enforcar perto do nosso convento, no sul da França [em 1974]".
Um evento em São Paulo marcou as cinco décadas do suicídio de Frei Tito no fim de semana. O evento contou com a presença de diversos movimentos populares. Frei Betto comenta que a importância da memória está relacionada à necessidade de Justiça, que, no Brasil, não foi feita como em outros países.
"O Brasil cometeu o gravíssimo erro de não investigar, julgar e punir severamente os criminosos torturadores e apoiadores da ditadura militar que, durante 21 anos, cometeram as mais duras atrocidades na história desse país, principalmente sobre jovens, líderes operários. Mas o segmento mais atingido foi o dos povos indígenas na construção das rodovias Transamazônica e 174, que liga Manaus a Boa Vista, em Roraima", destaca o religioso.
"E é uma lástima que a gente não tenha feito essa depuração, principalmente nas nossas Forças Armadas, como, aliás, fizeram Chile, Argentina e Uruguai e, com isso, não há mais ameaças golpistas nesses países. Enquanto, no Brasil, nós assistimos uma permanente ameaça golpista durante quatro anos de governo Bolsonaro e no 8 de janeiro. Na ocasião, o ex-presidente, inconformado com a derrota que sofreu nas urnas, mobilizou milhões de pessoas para tentar um golpe que felizmente fracassou. Então, nós precisamos fazer justiça na nossa história".
Escritor, Frei Betto lembra que parte da crueldade que viveu na ditadura junto ao colega Tito pode ser conferida em livros disponíveis no site da livraria virtual dele.
"As pessoas que têm interesse em conhecer melhor a história do Tito podem acessar o filme Batismo de Sangue, que está aí nas plataformas. É baseado no meu livro, de mesmo título, da Editora Rocco. E lá no site vocês encontrarão outros livros meus que falam daquele período de prisão onde eu convivi com o Frei Tito", convida.
"Convivi com o Frei Tito no movimento estudantil antes de 1964. Depois, ingressamos juntos nos frades dominicanos, estudamos juntos filosofia, fomos presos juntos e ficamos juntos na cela desde novembro de 1969 até janeiro de 1971, quando ele foi libertado devido ao sequestro do embaixador suíço. Eu continuei preso até 1973", recorda.
A entrevista completa, feita pela apresentadora Luana Ibelli, está disponível na edição desta terça-feira (13) do Central do Brasil, no canal do Brasil de Fato no YouTube.
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Figuras como Delfim Netto não merecem admiração, diz Frei Betto ao relembrar trajetória de Tito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU