02 Agosto 2024
"O artigo 231 da Constituição do Brasil estabelece que o uso de recursos hídricos em terras Indígenas deve ser previamente autorizado pelo Congresso Nacional, que autorizou o prosseguimento do projeto de Belo Monte em 2005 com base no argumento de que os territórios Indígenas não seriam inundados, ignorando o fato de que estes os territórios perderiam seus recursos hídricos vitais devido ao desvio do rio", escrevem Juarez C.B. Pezzuti, Jansen Zuanon, Priscila F.M. Lopes, Cristiane C. Carneiro, André Oliveira Sawakuchi, Thais R. Montovanelli, Alberto Akama, Camila C. Ribas, Diel Juruna e Philip M. Fearnside em artigo publicado por Amazônia Real, 31-07-2024.
Juarez Carlos Brito Pezzuti é biólogo pela Universidade Estadual de campinas UNICAMP, mestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA, Ecologia) e doutor pela UNICAMP (Ecologia). Fez pós-doutorado na Universidade de Amsterdam. É professor titular da Universidade Federal do Pará, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA). Suas linhas de atuação induem ecologia, etnoecologia e manejo comunitário de fauna, com ênfase em répteis aquáticos.
Jansen Alfredo Sampaio Zuanon possui graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1985), mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1990) e doutorado em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Atualmente é Pesquisador Titular III aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Atua principalmente nos seguintes temas: Amazônia, peixes, ecologia, ictiofauna e comunidades.
Priscila Fabiana Macedo Lopes possui graduação em Biologia pela Universidade Estadual de Campinas (2001), onde também obteve mestrado (2004) e doutorado (2008) em Ecologia. Parte do seu doutorado foi realizado na Universidade da Califórnia (Davis), no departamento de Antropologia (Evolutionary Wing). Ela também é cofundadora do Instituto de Pesca e Alimentação, sem fins lucrativos. As suas principais linhas de investigação são a pesca de pequena escala, o comportamento e estratégias dos pescadores e a co-gestão da pesca.
Cristiane Costa Carneiro possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. Atualmente é aluna de doutorado do Curso de Ecologia Aquática e Pesca, Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Ecologia, atuando principalmente nos seguintes temas: manejo e conservação de quelônios, etnoecologia, pesca e caça de subsistência.
André Oliveira Sawakuchi possui mestrado (2003), doutorado (2006) e livre-docência.(2011) em Geologia pelo Instituto de Geociências – USP, IGC – USP. Fez Pós-Doutorado.Oklahoma State University (2007). Atualmente é Professor Associado do Instituto de Geociências da USP. Principais temas de pesquisa incluem: geocronologia por luminescência, mudanças climáticas na Amazônia e sua relação com a biodiversidade e impactos de hidrelétricas em rios da Amazônia. Atua, também, como orientador de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal do Pará (campus Altamira, PA).
Thais R. Montovanelli possui graduação (2006) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e mestrado (2011) e doutorado (2016) em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos. É pesquisadora vinculada ao Hybrys.·Estuda os impactos da usina Hidrelêtrico de Belo Monte sobre os povos Indígenas junto ao Instituto Socioambiental.
Alberto Akama possui graduação (1993) mestrado (1999) e doutorado (2004) em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisador titular do Museu Paraense Emílio Goeldi, onde atua no estudo da diversidade da fauna de peixes amazônicos.
Camila C. Ribas possui graduação em Ciências Biológicas (1996) pela UNESP-Rio Claro, mestrado (2000) e doutorado (2004) em Genética e Biologia Evolutiva pela Universidade de São Paulo. Foi “Chapman Postdoctoral Fellow” junto ao Depto de Ornitologia do American Museum of Natural History (2005-2007) e é pesquisadora associada à mesma instituição desde 2008. Foi pesquisadora (Recém-Doutor, PRODOC) junto ao Depto de Zoologia da Universidade de São Paulo e pesquisadora (Jovem Pesquisador, FAPESP) do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Trabalha atualmente na Coordenacão de Biodiversidade e no Programa de Coleções Científicas Biológicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, onde é Curadora da Coleção de Recursos Genéticos e ViceCuradora da Coleção de Aves. Tem experiência nas áreas de Genética, Evolução e Zoologia (Ornitologia), com ênfase em Biogeografia, Sistemática Molecular, Filogenia, Filogeografia e Conservação. A pesquisa atual é voltada para o estudo de padrões e processos de diversificação na região Neotropical com ênfase na história biogeográfica da região Amazónica.
Diel Juruna é coordenador de Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), Aldeia Miratu, Altamira, Pará.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É pesquisador 1A de CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
A construção da barragem teve início em 2011. O o desvio de água foi iniciado em setembro de 2015 e a instalação de todas as 18 turbinas da casa de força principal foi concluída em novembro de 2019, fazendo com que o desvio de água atingisse o seu máximo. Há muito se sabia que o fluxo altamente sazonal do rio Xingu era insuficiente para justificar a capacidade instalada de 11.000 MW da casa de força principal [1], e o uso sistemático de desinformação caracterizou o processo de licenciamento e a promoção política do projeto da barragem. [2, 3] Em fevereiro de 2021, a Norte Energia assinou um termo propondo um orçamento de 157 milhões de reais para mitigar os impactos da baixa vazão de água na Volta Grande; embora sem detalhes, os recursos seriam empregados em uma série de medidas de monitoramento [4, 5]. A maior parte dessas medidas já era exigida conforme especificado nas licenças de construção e de operação de Belo Monte [6].
As novidades contam com ações experimentais que são pouco prováveis a serem bem sucedidas, incluindo a coleta de frutas e outros alimentos para serem disponibilizados aos animais aquáticos em plataformas de alimentação artificial em pontos ao longo do trecho de 130 km da Volta Grande, a criação de peixes de algumas espécies em viveiros de aquicultura para repovoamento do rio, e a produção de mudas de árvores de igapó para reflorestamento nas áreas que não serão mais inundadas pelo rio – e que, portanto, nunca mais sustentarão vegetação adaptada ao ciclo de inundação (por exemplo, [7]). Esses experimentos de pequena escala são apresentados pela empresa como um programa robusto de mitigação que permitiria à barragem desviar mais de 70% da vazão sem impactos significativos no sistema socioambiental. Porém, os custos, a logística e a justificativa para a suposta eficácia dessas estratégias não foram apresentados no acordo.
Os Juruna (ou Yudjá, como se autodenominam), um dos grupos Indígenas do hoje desaguado trecho da Volta Grande, são um exemplo emblemático do estilo de vida e da cultura adaptados ao rio. O consumo de pescado é vital para a segurança alimentar de populações Indígenas como esta [8, 9]. A estreita associação dos Juruna com o rio se reflete no fato de serem chamados de “donos do rio” e do povo com “canoas em vez de pés” [10]. Este modo de subsistência é agora perturbado pelo complexo hidrelétrico de Belo Monte, apesar da Constituição do Brasil de 1988 garantir que tanto as famílias Indígenas como as ribeirinhas têm o direito de manter os seus estilos de vida.
O artigo 231 da Constituição do Brasil estabelece que o uso de recursos hídricos em terras Indígenas deve ser previamente autorizado pelo Congresso Nacional, que autorizou o prosseguimento do projeto de Belo Monte em 2005 com base no argumento de que os territórios Indígenas não seriam inundados, ignorando o fato de que estes os territórios perderiam seus recursos hídricos vitais devido ao desvio do rio, argumento que continua a ser utilizado pela Norte Energia, administradora da barragem. O desvio de água evita a inundação sazonal de 86% (30.748 ha) da área total (35.600 ha) originalmente coberta por vegetação sazonalmente inundada na Volta Grande. As consequências incluem declínios na produtividade biológica e nos rendimentos pesqueiros, perda de vegetação adaptada às cheias e da biodiversidade em geral, aumento do risco de extinção biológica de várias espécies endémicas, perda de conectividade ao longo do canal do rio, mudanças nos padrões de sedimentação que afetam a estabilidade do habitat e a qualidade da água, degradação dos repertórios culturais e perda da segurança alimentar das populações humanas ribeirinhas. Em suma, está em curso um colapso do sistema socioecológico regional. [12]
[1] Fearnside, P.M., 2015. Barragens na Amazônia: Belo Monte e o desenvolvimento hidrelétrico da bacia do Rio Xingu. p. 231 -243. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Vol. 1. Editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus, AM. 296 p.
[2] Fearnside, P.M., 2017. Belo Monte – Lições da Luta. Amazônia Real.
[3] Fearnside, P.M. 2019. Desinformação planejada: O exemplo da barragem de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa. p. 55-67. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Vol. 3. Editora do INPA, Manaus, AM. 148 p.
[4] Brazil, IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), 2021. Termo de Compromisso Ambiental – TCA nº 3/2021. IBAMA, Brasília, DF.
[5] Menegassim, D., 2021. Ibama recua e baixa vazão em Belo Monte volta a ameaçar a vida do rio Xingu. OEco, 10 de fevereiro de 2021.
[6] Rede Xingu Mais, 2023. UHE Belo Monte.
[7] Higgins, T., 2021. Amazon’s Belo Monte Dam cuts Xingu River flow 85%; A crime, Indigenous say. Mongabay, 08 de março de 2021.
[8] Begossi, A., Salivonchyk, S.V., Hallwass, G., Hanazaki, N., Lopes, P.F.M., Silvano, R.A.M., Dumaresq, D., Pittock, J., 2019. Fish consumption on the Amazon: a review of biodiversity, hydropower and food security issues. Brazilian Journal of Biology 79, 345-368.
[9] Lopes, P.F.M., Cousido-Rocha, M., Silva, M.R.O., Carneiro, C.C., Pezzuti, J.C.B., Martins, E.G., de Paula, E.M.S., Begossi, A. & Pennino, M.G., 2024. Droughts and controlled rivers: How Belo Monte Dam has affected the food security of Amazonian riverine communities. Environmental Conservation 51(1), 27-35.
[10] Pezzuti, J.C.B., Carneiro, C., Mantovanelli, T., Garzón, B.R., 2018. Xingu, o Rio que Pulsa em Nós: Monitoramento Independente para Registro de Impactos da UHE Belo Monte no Território e no Modo de Vida do Povo Juruna (Yudjá) da Volta Grande do Xingu. Instituto Socioambiental, Altamira, PA.
[11] Watts, J., 2019. Poorly planned Amazon dam project ‘poses serious threat to life’. The Guardian, 08 de novembro de 2019.
[12] Esta sére é uma tradução de: Pezzuti, J.C.B., J. Zuanon, P.F.M. Lopes, C.C. Carneiro, A.O. Sawakuch, T.R. Montovanelli, A. Akama, C.C. Ribas, D. Juruna & P.M. Fearnside. 2024. Brazil’s Belo Monte license renewal and the need to recognize the immense impacts of dams in Amazonia. Perspectives in Ecology and Conservation 22(2), 112-117.
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A renovação da licença de Belo Monte – 3: a mitigação fictícia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU