24 Julho 2024
"O ENS é um movimento de espiritualidade familiar, iniciado na França pelo Padre Caffarel durante a Segunda Guerra Mundial, que logo se difundiu ao longo dos anos nos círculos católicos de várias nações, entre as quais a Itália, encontrando um acolhimento especial em Turim e na região do Piemonte", escreve o sociólogo italiano Franco Garelli, em artigo publicado por La Stampa, 17-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Turim, esta semana, é a capital da espiritualidade. Não de uma espiritualidade alternativa, como aquelas de matriz oriental ou importadas da Nova Era, das quais se fala muito na modernidade avançada. Mas de uma atenção aos valores do espírito de orientação cristã, que parece estar um tanto em declínio nas nossas sociedades, mas que, no entanto, resiste em grupos qualificados.
Os protagonistas da semana são os cerca de 8.000 membros do movimento familiar "Equipe Nossa Senhora", que chegaram a Turim - representando mais de 160.000 indivíduos dos cinco continentes - para um encontro internacional que acontece a cada seis anos; dedicado aos desafios que os casais e as famílias crentes encontram nos tempos atuais, tanto na questão de Deus quanto no vínculo familiar. Trata-se de uma imersão total, entre palestras, meditações, shows; e também "mergulho" em uma cidade laica, mas rica em espiritualidade, porque sem esse recurso Turim não teria tido os "santos sociais", nem poderia hoje ostentar as estrelas da caridade cristã que todos admiram (entre as quais o SERMIG, o grupo Abele, as escolas de recreação nas áreas mais degradadas).
Para quem não conhece, o ENS é um movimento de espiritualidade familiar, iniciado na França pelo Padre Caffarel durante a Segunda Guerra Mundial, que logo se difundiu ao longo dos anos nos círculos católicos de várias nações, entre as quais a Itália, encontrando um acolhimento especial em Turim e na região do Piemonte.
Uma realidade, portanto, não de indivíduos, mas de casais crentes, que se reúnem periodicamente (uma ou duas vezes por mês) em equipes estáveis (de 5 a 7 casais por equipe) para alimentar a sua experiência de fé, rezar, aprofundar juntos a Palavra de Deus e discutir os temas que mais desafiam a condição de crente, como as escolhas de vida, a relação de casal, a educação dos filhos, o empenho no trabalho e na profissão, a presença na vida pública etc.
No período do estado nascente, o movimento representou uma verdadeira novidade para a Igreja, um espaço de acentuada autonomia para os leigos, com a reflexão sobre a sexualidade, que até então era tabu, com encontros com casais antes desconhecidos, com a primazia do caminho espiritual sobre o empenho direto nos ambientes eclesiais. Todos aspectos que hoje parecem óbvios e estabelecidos, mas que na época das origens pareciam quase revolucionários para a Igreja. O centro de gravidade havia se deslocado das paróquias e casas canônicas para as casas dos leigos crentes, que também eram chamadas a se tornar lugares do espírito e do ser Igreja. Naquela época, respirava-se um novo clima na Igreja, o que mais tarde foi recebido e ampliado pelo Concílio Vaticano II, particularmente atento para captar aqueles que hoje são chamados de "os novos brotos".
Surgiu, assim, um movimento não de "pertença", mas de "referência", típico de um "lugar" de eleição que se frequenta para nutrir a fé, mesmo sem habitá-lo continuamente, que não se configura como uma realidade totalizante, que não opera em concorrência com as paróquias, pois as pessoas são convidadas a viver seu empenho de laicidade na igreja local, nos ambientes comuns em que levam suas vidas. Trata-se também de um movimento enxuto, pouco estruturado, que não se preocupa em fazer prosélitos. Entre os novos sinais, há também a presença de um padre em cada equipe, concebida não como uma função de seu ministério ou empenho pastoral, mas para que ele também possa compartilhar uma jornada espiritual junto com os fiéis leigos; descendo, assim, de seu pedestal sagrado, caminhando por um espaço normal de vida no qual se regenerar no confronto entre vocações diversas.
É em um contexto como esse (cheio de estímulos, mas também de tensões) que os leigos crentes mais comprometidos sentem a necessidade de refletir sobre as coisas que importam, entre as quais - como o bispo de Turim, mons. Repole, lembrou na cerimônia de abertura do encontro internacional - "um olhar para o Alto que seja significativo na época atual". Trata-se de uma reflexão que abrange os vários campos da existência, questionando o significado de uma fé cristã que hoje é desafiada por muitos que não creem ou por novas tendências espirituais; sobre o porquê dos filhos e netos muitas vezes saírem do caminho (em temas de família e escolha religiosa); sobre uma fecundidade familiar que também está aberta às entregas e às adoções; sobre a precariedade de uma vida de fé demasiado exposta aos altos e baixos da existência.
Ou ainda, sobre a urgência de superar uma formação religiosa datada (e em parte infantil) que não resiste ao teste da vida e da maturidade cultural; ou sobre o vínculo com uma Igreja às vezes percebida como distante da própria vivência, demasiado dogmática, moralista e masculinista para ser um ponto de referência crível. Pelo que foi dito, é evidente que se trata de um movimento de casais que vivem um cristianismo não defensivo (como alguns observadores, ao contrário, argumentaram), mas profundamente entrelaçado com as dinâmicas de seu tempo, enraizado na fé, mas capaz de se posicionar na sociedade plural e dar sua própria contribuição para o bem comum. Justamente como aconteceu em Turim (como Paolo Griseri nos lembrou no La Stampa há alguns dias), onde esse movimento "expressou prefeitos, magistrados, uma parte significativa da classe que administra" a cidade, cujo testemunho de fé está no empenho que eles assumiram de renovar e tornar mais justa a sociedade.
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Turim, a capital da espiritualidade cristã. Artigo de Franco Garelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU