20 Julho 2024
Desde o cristianismo social até os anos do "Ésprit", o pensador [Paul Ricoeur] nunca se esquivou do debate público. Agora, pela primeira vez em italiano, os panfletos Tolerância, intolerância, intolerável e O desgaste da tolerância.
O artigo póstumo é do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005), especialista em hermenêutica e fenomenologia, publicado por Avvenine, 17-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eu delineei, sob o título de quinto estágio, o perfil de uma profissão, implícita ou explícita, da indiferença. Esse estágio, que já alcançamos, é aquele em que se aprova tudo porque tudo vale, tudo é igual. Para Antoine Garapon, o modelo de tolerância nascido da resolução das guerras religiosas esgotou seus recursos, porque hoje não há mais profissões de fé para reconciliar e, acima de tudo, para obrigar a coabitar. Na ausência de pontos de referência comuns, as duas preocupações residuais compartilhadas, a da segurança pública, diante das novas formas de periculosidade, e a da saúde pública, diante das ameaças feitas aos corpos, projetam em primeiro plano a arbitragem da instituição judiciária com seus procedimentos aceitos e a proteção da instituição médica. Arbitragem e proteção: novas figuras da tolerância. E não se trata mais de uma questão de cumprimento, mas de substituição. Assim, os ataques dos escritores pós-modernos à racionalidade do Iluminismo e à "modernidade" reforçam involuntariamente a desintegração a partir de dentro do paciente edifício que elevou ao seu ápice a Declaração dos Direitos Humanos, que hoje se tornou uma ideologia obsoleta.
É claro que todos defendem os Direitos Humanos, mas o trabalho de ascese, tanto sobre a convicção quanto sobre o poder, seja em nível individual ou institucional, deixou de ser relevante: tornou-se incompreensível, sem sentido. Torna-se então inquietante perguntar-se que ligação secreta - e até mesmo involuntária - possa haver entre a ascese final do quarto estágio e a queda na indiferença do quinto estágio. A relação é tão perturbadora como tudo que torna secretamente cúmplices o autêntico e o inautêntico: nada se assemelha mais à frase "Há verdade também fora de mim" do que a frase "As diferenças são indiferentes". Como evitar que a admissão da verdade do outro alimente o argumento da indiferença? É aí que a questão do intolerável surge inesperadamente, como último refúgio de uma tolerância pensada e desejada.
O intolerável é o que não gostaríamos de tolerar, quando poderíamos ou até mesmo deveríamos. Nesse sentido, o intolerável é o oposto polar da intolerância, aquele comportamento de desaprovação e impedimento que a tolerância tentou superar. O intolerável só é problemático em um contexto de tolerância adquirida ou em processo de aquisição. O que o torna problemático é pretender pôr um limite para a tolerância. Mas, enquanto a tolerância se abstém, o intolerável exige a suspensão da abstenção. É por isso que é plenamente pertinente somente em uma cultura educada pela e para a tolerância. Mas para justificar essa expectativa, precisamos ter respondido a algumas perguntas preliminares: como reconhecemos o intolerável? O que é tipicamente intolerável? Em nome de quem se denuncia o intolerável?
O intolerável é reconhecido pela paixão que o detecta, a indignação, uma paixão eminentemente reativa, e é por isso que se contrapõe à atonia prevalente de uma sociedade pronta para aceitar tudo como igualmente insignificante. A indignação é, antes de tudo, um grito: isso é intolerável!
A indignação é uma raiva moral, uma figura "testadora e contestadora da virtude". Mas, se a indignação pode ser reconhecida por seu caráter reativo e apaixonado, é mais difícil encontrar um objeto comum para ela. As ocasiões para a indignação não se apresentam em uma ordem aleatória: o que há em comum entre a repulsa despertada pelo crime de um pedófilo, o horror que continuam a despertar as histórias dos campos de deportação e de extermínio, a revolta contra as manifestações de racismo, contra o retorno disfarçado da escravidão, contra a desigualdade extrema ou contra as políticas de exclusão? Parece que estamos condenados a proceder de forma indutiva: mas em vista de qual objetivo? Se esses são de fato os males que a indignação denuncia, sem ser capaz de designar o bem do qual são o oposto, esses males não são, por sua própria natureza, disseminados?
John Rawls, ao questionar sobre os pressupostos morais para os quais seus princípios de justiça deveriam fornecer uma argumentação racional, no espaço contratual e processual, fala de "convicções bem ponderadas" e tenta estabelecer uma espécie de "equilíbrio reflexivo" entre elas e sua argumentação razoável. É outro tipo de "equilíbrio reflexivo" aquele que proponho, entre a raiva virtuosa da indignação e o retorno às fontes esquecidas de nossa cultura. Se a indignação deve agir como uma barreira contra a indiferença moral na qual a tolerância está afundando, ela deve fazê-lo de forma a soar como uma campainha de alarme. Não se pode dizer que a democracia se apoia em um vácuo; ao contrário, ela expressa um excedente que surgiu das fontes esquecidas de nossa cultura.
A cultura ocidental, por sua vez, é o resultado de um encontro conflituoso, mas, no final, frutuoso, entre a herança greco-romana e aquela judaico-cristã, o sucessivo Renascimento, a Reforma, o Iluminismo, os movimentos nacionalistas e socialistas do século XIX e assim por diante. Seria, portanto, uma tarefa complementar: ao lado do apelo à tolerância, em que a ênfase principal é posta sobre a abstenção de proibir e de impedir, usar os recursos da indignação, despertados pelo intolerável, para haurir energia para uma refundação moral da democracia. Essa refundação só pode ser múltipla e proceder por heranças cruzadas. Se a indignação não levar a tal trabalho sobre si mesmo, ao final do qual as nossas múltiplas tradições se reconhecem como cofundadoras de uma mesma vontade de convivência, essas mesmas tradições correm o risco de armar um justiceiro que, sob o pretexto de limitar os abusos da tolerância, reinventaria a intolerância sob uma aparência virtuosa.
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“Tolerância não é indiferença”. Artigo de Paul Ricoeur - Instituto Humanitas Unisinos - IHU