09 Julho 2024
Ideia polêmica que avança no país é criticada por quem defende ensino público. Presidente da Comissão de Educação da Assembleia alerta para lobby privado.
A reportagem é de Marcelo Menna Barreto, publicada por Extra Classe, 08-07-2024.
O governo do Rio Grande do Sul está dando sequência ao seu plano de estabelecer Parcerias Público-Privadas (PPPs) para terceirizar obras e serviços não pedagógicos em 99 unidades educacionais de sua rede de ensino.
Na última quinta-feira, 4, o Diário Oficial do RS divulgou para Consulta Pública minutas de contrato e edital de concorrência internacional do projeto que já é questionado por especialistas e defensores da escola pública.
O projeto prevê a realização de investimentos e a prestação de serviços de operação e manutenção em escolas de 15 municípios (Alvorada, Bento Gonçalves, Cachoeirinha, Canoas, Caxias do Sul, Cruz Alta, Gravataí, Novo Hamburgo, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria, São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Viamão.
A seleção das escolas foi realizada através do Programa RS Seguro, com critérios focados na maior vulnerabilidade social.
O parceiro privado, conforme o projeto, ficará encarregado de requalificar a infraestrutura das escolas e prestar serviços de apoio “que não interferem nas atividades pedagógicas”, tais como: conservação e manutenção predial, conectividade, zeladoria, higiene e limpeza, segurança e vigilância, jardinagem e controle de pragas, fornecimento de utilidades, gestão de resíduos sólidos e fornecimento de mobiliário e equipamentos.
Mais do que seguir a tendência dos estados de São Paulo e Paraná e alguns municípios do país, a presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS, Sofia Cavedon (PT), vê por trás da iniciativa do governo a influência de grandes empresários que mantêm institutos e ONGs no setor educacional para “capturar fundos públicos”.
Em reunião realizada em novembro de 2023 para estabelecer as premissas da PPP, o governador Leite falou da importância de se repensar o ambiente da rede de ensino estadual. Para ele, o começo se dará pelas estruturas físicas já existentes.
“Ir além do atendimento básico. Oferecer espaços mais atraentes e interessantes, que sejam referências para as comunidades. O parceiro privado será importante para manter esses ambientes em boas condições”, afirmou o governador na ocasião.
A presidente do Cpers-Sindicato, Helenir Schürer, sintetiza a disposição da entidade que representa mais de 80 mil professores, especialistas e funcionários da rede estadual. “Vamos combater, com certeza. É uma privatização!”, afirma.
Um dia antes do anúncio do governo, 3, o Cpers-Sindicato emitiu a nota Educação em risco: PPP de Eduardo Leite é ataque direto à educação pública gaúcha.
No documento, a ideia de PPP proposta pelo governador Eduardo Leite (PSDB) é criticado como uma afronta à educação pública e aos direitos dos estudantes e profissionais da educação.
Resumindo o que chama de privatização das escolas públicas nos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais, o sindicato define a postura como um retrocesso para a educação brasileira.
A lógica empresarial é focada no lucro, registra a nota, e, através da ideia vendida de redução de custos vem o favorecimento de interesses privados em detrimento do bem-estar de alunos e profissionais da educação “que enfrentam salários defasados e condições de trabalho ruins”.
Para a deputada Sofia, “hoje a educação é um grande negócio; tanto é que ‘fora Lemann’ foi o grito na Conferência Nacional de Educação (Conae) na frente do ministro (Camilo Santana, Educação)”, lembra ao se referir ao bilionário que estruturou uma fundação para atuar no setor educacional.
A presidente da Comissão de Educação do legislativo gaúcho diz que está analisando de perto a questão e vai avaliar possíveis ações judiciais e administrativas junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
“Enquanto comissão, nós somos plurais; temos base do governo e oposição. Então, ali, é debate e certamente vou encaminhar audiência pública sobre o tema”, destaca Sofia.
Na visão de Sofia, a autonomia da escola, “a gestão da direção é muito melhor do que qualquer terceirização”. Ela lembra que, diante da tragédia que se abateu no RS no mês de maio, onde foi liberado recursos para a limpeza de escolas afetadas pelas enchentes, tudo ocorreu de forma célere.
O discurso do governo de que as ações administrativas não afetam a questão pedagógica é equivocado para Sofia.
“As escolhas são escolhas que tem sempre atravessamento pedagógico, que tem os tempos pedagógicos, o calendário pedagógico. Então, o proposto é fragmentação na escola, é visão mercadológica, uma declaração de falência do estado e uma falta de aposta na gestão democrática da educação”, conclui a deputada.
Ironicamente o entendimento da parlamentar é seguido por Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco que dá apoio a redes de ensino estaduais para melhorar a gestão escolar.
Para Henriques, em recente entrevista à Folha de São Paulo, em grande parte, a gestão administrativa das escolas interfere no pedagógico, citou ao mencionar preocupação especial com a alimentação dos estudantes, uma questão de segurança alimentar.
Do ponto de vista do governo estadual, a medida visa apenas a qualificação de infraestrutura e gestão administrativa, e que as 99 escolas representam apenas 4,2% da rede. O governo também defende que audiências públicas serão realizadas em datas e locais a serem confirmados pelas secretarias da Reconstrução Gaúcha (Serg) e da Educação (Seduc).
As contribuições e dúvidas serão respondidas após o período de consulta e as audiências. O diálogo com os profissionais da educação e a população tem o objetivo de aprimorar o projeto antes da publicação do edital e de sua implementação. O edital da PPP da Educação deve ser publicado em dezembro deste ano, e a previsão é de que o leilão ocorra em fevereiro de 2025.
De acordo com nota explicativa no site do governo, a responsabilidade sobre a questão pedagógica seguirá sendo da Seduc e a A PPP atuará na transformação da realidade social de crianças, jovens e adultos, com a realização de reformas, adequações e requalificação estrutural em escolas de 15 municípios, beneficiando cerca de 56 mil alunos.
“A PPP visa qualificar a infraestrutura das escolas, melhorar a rotina dos alunos e colaborar para que professores e diretores tenham mais tempo livre para focar no que mais importa, que é a questão pedagógica e o aprendizado dos estudantes. Da parte do governo, vamos fiscalizar e acompanhar a prestação do serviço, com indicadores de desempenho e metas pré-estabelecidas. Também teremos pesquisas de satisfação”, explica o secretário da Reconstrução Gaúcha, Pedro Capeluppi.
As obras de reforma e ampliação das escolas deverão ser concluídas em até 16 meses, após a assinatura do contrato da PPP.
O valor previsto do investimento por parte do parceiro privado será de R$ 1,3 bilhão, que inclui também os reinvestimentos que serão realizados ao longo dos 25 anos da concessão. O montante foi definido após a realização de visitas técnicas e do diagnóstico da estrutura das escolas. A licitação da PPP será dividida em três sublotes, com 33 escolas cada, tendo a opção de um único parceiro assumir os três, se comprovada maior vantagem ao Poder Público.
A escolha da empresa vencedora será pelo critério de menor contraprestação a ser paga pelo Estado. A quantia de contraprestação anual máxima, por parte do Executivo estadual e que inclui o atendimento de todos os indicadores do contrato, é de R$ 203,6 milhões por ano.
O parceiro privado ficará encarregado de requalificar a infraestrutura das escolas e prestar serviços de apoio, tais como conservação e manutenção predial; conectividade; zeladoria; higiene e limpeza; segurança e vigilância; jardinagem; controle de pragas; fornecimento de utilidades; gestão de resíduos sólidos; e fornecimento de mobiliário e equipamentos. Não há previsão de qualquer intervenção pedagógica nas instituições de ensino.
A realização da PPP permitirá que a direção das escolas envolvidas possa se concentrar no planejamento e na definição de diretrizes das políticas públicas pedagógicas, assegurando uma melhor eficiência na prestação de serviços, além de desonerar professores e diretores de atribuições não pedagógicas.
A estruturação do projeto contou com apoio da empresa SP Parcerias, responsável por projetos semelhantes em municípios como São Paulo e Porto Alegre.
A PPP também incorpora medidas proativas para mitigar os riscos associados às mudanças climáticas, bem como ações necessárias para requalificar as escolas atingidas em 2024. Com o Plano de Mitigação de Riscos em Decorrência de Eventos Climáticos, pretende-se avaliar os riscos específicos e desenvolver estratégias eficazes de resiliência no clima.
Das 99 escolas do projeto, 18 terão a estrutura ampliada para se tornarem escolas-modelo, com atendimento em turno integral. Além disso, as instituições vão receber equipamentos como ateliê de artes, estúdio de gravação e espaços de educação profissional e tecnológica (EPT).
Veja a Lista completa das 99 escolas que farão parte da PPP.
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Governo Leite dá mais um passo para privatizar gestão de escolas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU