28 Junho 2024
Pesquisa aponta rotina de discriminação da população LGBTQIA+ no Centro-Oeste, especialmente em áreas rurais, e falta de políticas públicas para combater a violência na região.
A reportagem é de Beatriz Vitória, publicada por Repórter Brasil, 28-06-2024.
“As pessoas realmente compraram essa ideia de que professores estão transformando os estudantes em LGBTs ou indo contra os valores da família”, diz a socióloga e professora Daniele Rehling, demitida de uma escola particular de Campo Grande (MS), junto com outros dois colegas, acusados de promover a chamada “ideologia de gênero”.
Rehling conta que eles sofreram perseguição na escola por debaterem questões de gênero em sala de aula e defenderem direitos de alunos trans, como o uso do nome social e do banheiro de acordo com a identidade de gênero. Segundo a professora, que dava aula para o Ensino Médio, mesmo o uso de roupas coloridas era visto como um problema.
O relato de Rehling não é um caso isolado, como mostra relatório do Projeto Pajubá que analisou a situação dos coletivos LGBTQIA+ no Brasil. Idealizado pelas organizações Abong, Antra e ABGLT, o estudo aponta que, no Centro-Oeste, há uma rotina de discriminação de pessoas LGBTQIA+, especialmente em áreas rurais.
Dados do Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, confirmam essa situação de risco. Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Goiás foram as unidades federativas que mais receberam denúncias de violações de direitos humanos contra LGBTQIA+ no primeiro trimestre de 2024, proporcionalmente ao número de habitantes.
Igor Marangon, secretário de organização do coletivo LGBTQIA+ de Sinop, no interior de Mato Grosso, diz que é comum o coletivo receber relatos de preconceito no ambiente de trabalho. Segundo ele, há uma cultura muito forte de “valorização da heteronormatividade”, sobretudo em locais onde o agronegócio é muito forte, como a cidade, que se autointitula “capital do Nortão do Mato Grosso”, região que mais produz soja no país.
“Recentemente, um rapaz entregou currículo em uma empresa de agronegócio, mas não foi contratado por ser, segundo as palavras [de um funcionário] da empresa, ‘muito afeminado’”, exemplifica. O agro pode ser tudo, menos diverso.
Outro trabalhador LGBTQIA+ do agronegócio na região de Sinop denunciou ao coletivo que recebeu diversos ataques homofóbicos, após um perfil do Instagram vazar um vídeo seu, inicialmente enviado a um grupo privado do WhatsApp, no qual ele mostra sua rotina de trabalho em uma fazenda.
Uma professora do município de Juína (MT) também relatou ao coletivo ter sido demitida após levar uma palestra sobre gênero para a escola, em junho do ano passado.
“A falta de políticas públicas inclusivas e a resistência de setores da sociedade em reconhecer e combater a discriminação contribuem para a perpetuação da violência”, diz trecho do relatório.
A rotina de discriminação vivida por essas populações pode se agravar ainda mais. Um levantamento realizado pela Repórter Brasil nos sites das Assembleias Legislativas do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás com os termos “gênero”, “identidade de gênero” e “LGBT” encontrou ao menos 22 projetos de leis que buscam restringir direitos relacionados à população LGBTQIA+ [confira aqui a lista completa].
Entre eles, está o projeto de lei 538/2023 do deputado do PSD de Goiás Cairo Salim, que proíbe a participação de crianças e adolescentes menores de 18 anos nas paradas de orgulho LGBTQIAPN+ no estado, com a justificativa de que esse tipo de evento explora “erotização infantil, independentemente da presença dos pais ou responsáveis legais”.
Já no Mato Grosso, o projeto de lei 99/2023, de autoria do deputado Thiago Silva (MDB), proíbe a “ideologia de gêneros” nas escolas, argumentando que “o Estado não pode usar o sistema de ensino para promover uma determinada moralidade desmedida sem prévia autorização de seus pais e responsáveis”, sem definir, porém, o que seria essa ideologia em si.
A falta de políticas públicas e os desafios na captação de recursos para manter organizações voltadas a essa comunidade são outros problemas recorrentes identificados pela pesquisa do Projeto Pajubá.
Roberta Fernandes, presidente da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros de Goiás (Astral), destaca que a articulação com movimentos feministas é essencial para a sobrevivência da associação, facilitando a captação de recursos através de organizações focadas em mulheres de todos os gêneros e sexualidades.
Segundo ela, apesar de o estado de Goiás ter pelo menos 30 coletivos LGBTQIA+, apenas a Astral e outra organização possuem recursos para manter uma sede fixa.
“Tem que se apoiar em movimento feminista para que a associação de travestis e transexuais tenha um lugar para atendimento. Porque se você pegar a palavra travestis e transexuais, os políticos não atendem”, explica.
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No coração do agro, LGBTQIA+ enfrentam violência e discriminação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU