24 Mai 2024
O químico Vincenzo Balzani, professor emérito da Universidade de Bolonha, mantém uma coluna quinzenal onde aborda brevemente questões relacionadas ao mundo da ciência e seu papel na sociedade. Retomamos aquela dedicada à tenacidade, também em âmbito eclesial, do negacionismo climático.
A coluna é publicada por Bolonha7, encarte do jornal Avvenire, 20-05-2024. Tradução de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Um recente artigo na revista Nature (12 de março de 2024), aborda o problema das desigualdades com muitos dados e um título provocativo: Why the world cannot afford the rich.
Entre 2020 e 2022, o aumento da riqueza do 1% mais rico da população foi o dobro do aumento da riqueza total dos restantes 99% da população e, na década 2012-2022, os multimilionários mais do que duplicaram a suas riquezas. Essas grandes disparidades causam tensões que comprometem o bom funcionamento da sociedade. A pesquisa relatada no artigo demonstra que com o aumento das desigualdades, aumentam o número de homicídios e de presos, a mortalidade infantil, a obesidade e o consumo de drogas, enquanto diminuem o bem-estar das crianças, a mobilidade social e a confiança entre as pessoas.
Nas nações onde a riqueza está mais distribuída, todos vivem melhor: por exemplo, na Noruega o número de homicídios é 11 vezes menor do que nos EUA, os episódios de bullying nas escolas são seis vezes menos frequentes e as crianças têm melhor desempenho escolar. A razão pela qual a desigualdade tem efeitos negativos é essencialmente psicológica: aumenta o stress das pessoas, cria problemas no funcionamento da sociedade e, nos mais pobres, corrói a confiança e a autoestima.
A evidência científica mostra que a redução das desigualdades é também uma condição preliminar para enfrentar as crises sanitárias e sociais. A redução das desigualdades e o aumento da solidariedade e da coesão social são fatores importantes também para enfrentar o problema das alterações climáticas. Num país com fortes desigualdades é difícil levar a cabo uma política em favor do meio ambiente precisamente porque as pessoas veem que as despesas necessárias não são distribuídas equitativamente.
Os países com menor desigualdades são os mais interessados na paz e os mais dispostos a fornecer ajudas internacionais. Nesse campo, o objetivo da ONU é que cada país gaste 0,7% do seu PIB em ajudas internacionais: a Suécia e a Noruega, países com baixa desigualdade, disponibilizam 1% do seu PIB para esse fim, a Grã-Bretanha 0,5% e os Estados Unidos apenas 0,2%. Também seria preciso controlar que as grandes empresas, que dominam a economia global, se comportassem de forma mais justa na fixação dos salários dos funcionários em vários níveis.
O aumento exponencial das crises ambientais e sociais demonstra que o mundo não pode suportar o custo das desigualdades. Mesmo em Itália, encontramo-nos numa fase política caracterizada pela indiferença do governo em relação à pobreza, que atingiu níveis muito preocupantes.
É absolutamente necessário que os governos ajam rapidamente para impedir o aumento das desigualdades e favorecer a acumulação de riqueza, uma tendência que perdura há décadas.
Em primeiro lugar, os governos deveriam escolher formas de tributação progressiva para transferir para as pessoas mais ricas o custo das infraestruturas necessárias para a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis e para melhorar as estruturas sanitárias. Nos EUA, até meados do século passado, a tributação dos mais ricos ultrapassava 70%, enquanto hoje é de apenas de 37%.
Precisamos parar de favorecer os ricos: o nosso planeta não pode mais arcar com isso.
Leia mais
- Desigualdade. Artigo de Ladislau Dowbor
- Davos: a desigualdade extrema cresceu junto com a riqueza extrema
- Os mais ricos do planeta acumularam 45,6% da riqueza em 2021, mais do que antes da pandemia
- Riqueza dos cinco homens mais ricos do mundo dobrou desde 2020, enquanto a de 5 bilhões de pessoas diminuiu, revela novo relatório da Oxfam
- Bilionários aumentam sua riqueza enquanto a desigualdade se torna global
- O 1% mais rico do mundo embolsou quase duas vezes a riqueza obtida pelo resto do mundo nos últimos dois anos
- A desigualdade se aprofunda. Artigo de Frei Betto
- 10 homens mais ricos do mundo têm riqueza equivalente a 3,1 bilhões de pessoas
- A pirâmide da desigualdade global da riqueza. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- Um mundo de desigualdade. Relatório da ONU sobre o desenvolvimento humano
- A reforma urbana é uma via para combater as desigualdades sociais. Entrevista especial com Thiago Trindade
- A desigualdade e a morte nos Estados Unidos
- Lula cobra ricos na ONU e diz que reduzir desigualdade é “agenda-síntese”
- Riscos globais, crises ambientais e reformas do desenvolvimento. Artigo de Eduardo Gudynas
- Por um acordo global para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Desigualdades e sustentabilidade. Artigo de Vincenzo Balzani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU