04 Mai 2024
Muitas disputas dizem respeito aos abusos da posição dominante do grupo. Nos videogames, na imprensa ou no comércio online, o Google não hesita em enfrentar atores já consagrados.
A reportagem é de Thomas Lestavel, publicada por Alternatives Économiques, 30-04-2024. A tradução é do Cepat.
Ser um intermediário às vezes permite que você obtenha a melhor fatia do bolo, a exemplo do Google. A Alphabet, a empresa-mãe que reúne todas as atividades da empresa, consolidou-se como um elo essencial em vários setores, da hotelaria ao comércio, passando pelos videogames, e começou a competir com atores históricos.
“Quanto mais informação um setor precisa, mais tem necessidade do Google. Esse é o caso especialmente dos serviços a pessoas físicas”, resume Julien Maldonato, especialista em transformação digital da consultoria Deloitte.
Inicialmente dirigida ao público em geral, a empresa californiana rapidamente se tornou essencial para as empresas, ávidas para aparecerem com destaque no seu buscador e no seu serviço de mapeamento, o Maps. Desenvolveu então ofertas de soluções setoriais para a indústria, automóveis, energia... mais ou menos todos os setores da economia.
A sua oferta dedicada a serviços financeiros inclui funcionalidades para gerir a concessão de empréstimos e “algoritmos prontos para uso para calcular o risco de crédito”, ilustra Julien Maldonato. Mas se o campeão tecnológico apoia as pequenas e médias empresas e as grandes companhias, começa cada vez mais a competir com eles.
A imprensa constitui um caso clássico. “O Google colocou-se entre os leitores e os editores”, aponta o advogado Damien Geradin, especialista em direito da concorrência, que está na origem de vários processos movidos contra o Google por abuso de posição dominante.
Inicialmente, a mídia se beneficiou de suas relações com a Alphabet. O mecanismo de busca utilizou seu conteúdo em suas páginas de resultados e no Google News. Quando um usuário fazia uma pergunta, eram enviados links para títulos da imprensa, gerando receitas publicitárias para o Le Monde, BFM TV ou France Info.
“Esse equilíbrio foi perturbado quando o Google não se contentou mais em fazer referência a artigos, mas começou a responder ele mesmo às perguntas dos usuários da internet com recursos como Knowledge Panels e Featured Snippets”, continua Damien Geradin.
O primeiro, criado em 2012, disponibiliza informações diretamente na página de resultados sem que o usuário precise navegar para outros sites. O segundo é um resumo das respostas às perguntas mais frequentes, que aparece num bloco separado no topo dos resultados. O que parece trivial na tela tem consequências graves. “O Google mantém o internauta em sua plataforma e faz com que o tráfego para as mídias caia. Torna-se um concorrente direto dos meios de comunicação”, analisa Damien Geradin.
O desequilíbrio piora com o agente conversacional Gemini que recolhe o conteúdo dos meios de comunicação. Assim, é possível perguntar, como de fato se poder fazer ao ChatGPT e a outras ferramentas generativas de inteligência artificial (IA): de acordo com o The Economist, Donald Trump vencerá as próximas eleições?
“A inteligência artificial responde diretamente às perguntas dos internautas, desencorajando-os a ler as fontes primárias”, explica Damien Geradin.
Os anunciantes não se enganam. Eles reorientam os seus investimentos publicitários dos meios de comunicação social para o Google ou para a Meta, a empresa-mãe do Facebook e do Instagram.
As autoridades públicas tentaram reagir. Uma diretriz europeia, implantada na França em 2019, exige que os gigantes da web paguem aos meios de comunicação social quando reutilizam o seu conteúdo. Isso é chamado de “direitos conexos”. Mas a Alphabet está resistindo. Em 2021, a Autoridade da Concorrência multou-a em 500 milhões de euros por não ter negociado “de boa fé” com os editores da imprensa francesa. Novamente este ano, com uma nova multa de 250 milhões de euros por “descumprimento de alguns dos seus compromissos no que diz respeito aos direitos conexos”.
O domínio do Google também é claramente ilustrado na venda de aplicativos móveis. 95% dos aplicativos Android, que equipam dois terços dos smartphones do mundo, são adquiridos na Play Store do Google. No entanto, a Alphabet, assim como a Apple através da App Store no iPhone, cobra uma comissão de até 30%. Estamos falando de um mercado atraente.
Em 2021, o Google teria gerado 11 bilhões de euros em lucros só com esta atividade. O grupo norte-americano tenta justificar os seus custos, destacando “o desenho de tecnologias em benefício dos desenvolvedores, a revisão das aplicações pelos seus colaboradores antes de entrarem online, a manutenção e atualizações regulares da loja”, enumera o consultor Christophe Carugati, fundador da empresa Digital Competition. Mas os editores não se deixam enganar.
Particularmente rentável, com margens que beiram os 70% do volume de negócios, a comercialização de aplicativos tornou-se uma fonte de receitas considerável para o Google e a Apple, o que faz estremecer Netflix, Spotify e outros Tinder.
Veja o exemplo dos videogames. A produtora Epic Games, conhecida por seu jogo Fortnite, travou uma queda de braço contra o duopólio em 2020. Ela foi excluída das duas lojas de aplicativos por ter montado loja própria para escapar das comissões da Apple e do Google. Ela foi à justiça e um tribunal da Califórnia reconheceu em dezembro passado que a Play Store gozava de uma posição “dominante e ilegal”.
A Epic Games alegou que a Alphabet estava abusando de sua posição “para cobrar taxas exorbitantes, sufocar a concorrência e reduzir a inovação”. Neste ano, espera-se uma mudança de prática do Google. Tendo entrado em vigor em março, a Lei do Mercado Digital Europeu (DMA) exige que a Alphabet e a Apple autorizem as lojas de aplicativos de terceiros em seus sistemas operacionais. No entanto, “os programas de adaptação que apresentaram estão muito aquém do esperado. Não podemos descartar a possibilidade de outros litígios”, afirma Damien Geradin.
O controle da Alphabet vai muito além desses dois exemplos emblemáticos (imprensa e aplicativos). Há quase 15 anos que existe uma disputa entre a União Europeia e a gigante do Vale do Silício sobre o mercado de comparação de preços. Em janeiro, a justiça europeia confirmou a multa de 2,4 bilhões de euros imposta ao grupo por ter favorecido a sua ferramenta Google Shopping em detrimento de rivais, tais como: Trivago, Kelkoo ou Kayak. Ele modificou a exibição dos seus resultados para cumprir os regulamentos europeus.
“O DMA deve acabar com a autopreferência”, espera Christophe Carugati.
Mas ainda não está tudo resolvido. Faça o teste. Se você pesquisar “hotel Roma” no Google, encontrará um mapa do Maps que oferece diversos estabelecimentos. Eles pagam o mecanismo de busca pela conexão. Comparadores como Booking devem pagar se quiserem aparecer acima deste mapa.
“Assim, o Google está retirando seus concorrentes da lista... que devem pagar para voltar a uma boa posição. É o crime perfeito!”, comenta Damien Geradin.
O departamento jurídico da Alphabet tem muito a fazer, mas isso ainda não acalmou o entusiasmo do gigante.
“A filosofia dos gigantes da web é ‘move fast and break things’ (avance rápido e quebre coisas), continua Damien Geradin. Mas o Google enfrenta cerca de cem disputas em todo o mundo. É possível que eventualmente desista”.
Também não está excluído que a Alphabet, que agora emprega mais de 180.000 pessoas, seja ultrapassada por um novo concorrente. Seu crescimento a fez perder em agilidade. O sucesso do ChatGPT demonstrou que outras empresas podem oferecer um serviço valioso e coletar dados monetizáveis. Mas, por enquanto, o domínio da campeã californiana continua avassalador.
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Como o Google domina setores inteiros da economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU