04 Mai 2024
O gigante americano impôs as suas ferramentas, cada vez mais fechadas, ao mercado global da publicidade digital. Extrai a maior parte dos seus lucros da sua posição dominante… e de uma flagrante ausência de regulamentação.
A reportagem é de Justin Delépine, publicada por Alternatives Économiques, 29-04-2024. A tradução é do Cepat.
Se o nome do Google continuar associado ao seu buscador, a maioria dos usuários sabe que o seu império se estende muito além dele: Gmail, um dos serviços de mensagens dominantes, a plataforma de vídeos YouTube, Android – sistema de busca que opera mais de dois de cada três smartphones –, a ferramenta de mapeamento Maps, o navegador mais usado no mundo que é o Chrome, o serviço de pagamento Google Pay, o aplicativo Waze, etc.
Esta lista de produtos para o grande público é ampliada pela oferta de produtos voltados para empresas: Google Cloud, Wind (empresa que oferece drones), a empresa de condução autônoma Waymo (ex-Google Car), as soluções de segurança cibernética, etc.
A gama de serviços desenvolvida pela Alphabet (empresa-mãe que reúne todas as entidades) é a de uma empresa digital muito diversificada e baseada em inúmeras atividades. No entanto, ao examinar as fontes de receitas da empresa, esta aparece sobretudo como um gigante da publicidade, que fornece 80% dos seus recursos e, portanto, financia quase todos os serviços do Google, alguns dos quais são gratuitos.
O mercado de publicidade online é de cerca de 600 bilhões de dólares por ano, soma nada desprezível. Desse total, o Google abocanha mais de um terço – 220 bilhões de dólares. Ou seja, quatro vezes mais que o valor da venda de carros pela Renault (52 bilhões de euros) ou quase oito vezes mais que o somatório das vendas de produtos lácteos da Danone (28 bilhões de euros).
O mercado global de publicidade online está numa situação de duopólio, ou mesmo de triopólio, com a ascensão da Amazon. A Meta, a controladora do Facebook, domina a publicidade nas redes sociais e o Google em outras mídias.
A particularidade do Google é que está presente em dois tipos de espaços. Em primeiro lugar, seus serviços próprios, a começar pelo buscador. Alguns links “patrocinados”, ou seja, de anúncios, aparecem no topo nos resultados das consultas dos usuários da internet: as empresas compram palavras-chave através de leilões. É fácil imaginar a quantidade de empresas que querem estar no topo da lista quando um usuário digita “hotel em Barcelona” ou “smartphone barato”.
Centro nevrálgico das ações online, os buscadores constituem um importante espaço de publicidade na internet. Na França, representam 21% do mercado publicitário total, tanto quanto os spots televisivos e mais do que os das redes sociais. Os gastos com publicidade em motores de busca atingem mais de 3 bilhões de euros na França, país onde o Google detém uma cota de mercado superior a 90%.
Este quase monopólio é replicado na maioria dos países ocidentais, na América Latina, na Índia, no Japão, na Coreia... e dá uma ideia dos lucros obtidos pela empresa. Somam-se a isso anúncios em outros serviços do Google – principalmente no YouTube.
Em segundo lugar, um dos pontos fortes da Alphabet é intervir também na gestão da publicidade em outros sítios de internet, qualquer que seja a sua natureza: sítios de comunicação social, de culinária ou do comércio online que, se quiserem alojar publicidade, devem passar por prestadores de serviços para comercializar os seus espaços. E no ecossistema empresarial deste mercado, o Google ocupa um lugar dominante.
O setor de publicidade online vive uma transição tecnológica que está prestes a ser concluída: o advento da programática. Por trás deste termo técnico, há uma mudança de lógica: não se oferece mais espaço publicitário por x dias para um anunciante divulgar sua mensagem, mas vende-se o público representado por um internauta, com todas as informações conhecidas sobre ele, para exibir uma mensagem publicitária exclusivamente para ele.
Concretamente, quando você abre um sítio, ocorre uma fase de leilão durante o tempo de carregamento, colocando diferentes anunciantes em competição para determinar quem está disposto a pagar mais para transmitir sua mensagem a esse usuário específico da internet.
Esse público é oferecido com uma grande quantidade de dados extraídos do rastreamento do comportamento do internauta (histórico de navegação e compras, sexo, idade, local de conexão, etc.). O processo ocorre em poucos milésimos de segundo e é totalmente automatizado, mas requer uma série de intermediários técnicos entre o anunciante e o editor.
“A publicidade programática envolve uma forte intermediação tecnológica entre compradores e vendedores de espaços publicitários, indica a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) num relatório sobre o tema. A complexidade dos algoritmos e dos dados a serem tratados explica a especialização das funções na cadeia de valor, desde os anunciantes até os consumidores”.
Desenvolveu-se assim uma verdadeira indústria para implantar todas estas soluções técnicas. Estima-se que 40% dos gastos realizados pelo anunciante sejam captados por esses intermediários.
“A particularidade do Google é que, neste mercado, tem soluções em toda a cadeia, tanto do lado do editor como do lado do anunciante”, explica o economista Rémi Deveaux. Esta posição de força em sites de terceiros está associada a um monopólio total de todos os seus serviços próprios.
“Para publicidade programática em sítios de terceiros, o Google pode pegar carona nas ferramentas de outros, mas em seus próprios serviços, ao passo que é mais difícil para outros pegar carona nas ferramentas do Google”, explica Théophile Megali, pesquisador associado em gestão da Universidade Paris Dauphine. Se quiser anunciar no YouTube ou no buscador Google, é necessário utilizar as ferramentas de automatização da empresa”.
Esta estratégia denominada de “jardim murado”, encontrada no Facebook, permite à Alphabet oferecer “uma compra automatizada controlada de ponta a ponta e que lhe permite controlar a licitação, o endereçamento técnico, a segmentação e, por fim, medir a audiência e a eficácia das campanhas. […] Com isso, as plataformas desenvolvem um ambiente técnico onde os dados são produzidos e valorizados de forma integrada, numa lógica de acumulação”, explica Théophile Megali em artigo sobre o assunto.
Isso resulta em uma forma de conflito de interesses na organização do mercado publicitário digital, pois o Google assiste tanto o anunciante quanto o editor, que têm interesses divergentes, e organiza os prazos e o espaço da venda. Tudo numa grande opacidade técnica.
“Em termos de medição de audiência e desempenho, os intercâmbios entre anunciantes e plataformas baseiam-se exclusivamente em dados de monitoramento e impacto produzidos pelas próprias plataformas, e não podem ser verificadas pelos compradores do espaço. As plataformas, ao ‘se autocontrolarem’, são, portanto, ao mesmo tempo juiz e parte”, apontam os autores do relatório da IGF.
Este poder de impor as suas ferramentas a todo um ecossistema para fortalecer a sua posição é uma constante das Gafam. No caso do Google, podemos medir isso pelo anúncio de que seu navegador Chrome ignorará os cookies de terceiros. A gigante estadunidense aproveita a sua posição dominante para acabar com uma ferramenta que centra muitas críticas na vigilância online, mas que constitui uma tecnologia que não pertence a ninguém e permite o desenvolvimento de todo um ecossistema.
Para substituí-los, o Google poderá apresentar soluções próprias. Com efeito, que melhor alternativa do que os “universos registrados”, ou seja, os de identificadores únicos que permitem o acesso a diversos serviços, universos como os do Google e do Facebook que têm mais usuários no mundo?
Outra característica comum às Gafam: este domínio do Google é, em parte, produto de aquisições destinadas a fortalecer a posição da empresa.
“O Google tinha sua própria rede de publicidade, mas não tinha anunciantes suficientes. Assim, compraram o seu principal concorrente em 2007, o DoubleClick, explica Rémi Deveaux. Este tinha muitos anunciantes importantes e a sua integração ao Google pôs em ação mecanicamente efeitos de rede e ampliou o seu peso no setor”.
O poder do Google nesta área é também consequência da falta de regulamentação e da menor supervisão da publicidade digital em comparação com outros formatos, sujeitos a restrições mais fortes.
Na televisão, por exemplo, o tempo destinado à publicidade é limitado e a lei proíbe canais ou regulamenta estritamente os spots em determinados setores (grande distribuição, publicação, álcool, preparação de alimentos infantis, etc.). Um jingle também deve separar as sequências publicitárias do resto do conteúdo, e a publicidade segmentada foi proibida há muito tempo, etc.
A regulamentação do setor é, portanto, uma urgência e uma necessidade política. Mas atacar as regras e o funcionamento da publicidade online, que está no cerne do modelo e dos recursos do Google, é atacar uma das empresas mais poderosas do mundo.
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A publicidade digital, principal fonte de riqueza do Google - Instituto Humanitas Unisinos - IHU