A guerra e a implosão da esperança nos conduzem ao derradeiro colapso civilizacional. Destaques da Semana do IHU

Confira os destaques de 29 de março a 05 de abril

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: João Vitor Santos e Cristina Guerini | 06 Abril 2024

Nesta edição, abrimos os Destaques da Semana mais uma vez tratando de guerra, mas não é só da guerra. Falamos de uma ótica capaz de implodir a missão daqueles profetas de nosso tempo que levam amparo para quem sofre em disputas bélicas. Enquanto governo e Igreja silenciam, insistimos na memória do Golpe de 1964, que completou 60 anos no último fim de semana. Por fim, em meio a situações desesperadoras em seus territórios, somos chamados a olhar e aprender com a autonomia e resistência dos povos originários.

Descida ao inferno

A cada dia que passa, a guerra em Gaza assume contornos cada vez mais perversos. Nesta semana, um brutal ataque matou sete trabalhadores da ONG World Central Kitchen. Fundada pelo chef espanhol José Andrés, a organização estava na zona de guerra como uma espécie de grande cozinha para, minimamente, assegurar que as pessoas tenham o que comer.

Grupos como World Central Kitchen, que atuam em um mundo fraturado, animam os corações e revelam que é possível ainda crer na humanidade, pois é como se levassem um pedaço de céu a quem luta num calvário sem fim. No entanto, diante de ataques como estes, como destaca o jornalista Lluís Bassets, é como se a guerra, a ganância e a violência envoltas nela, nos promovesse uma rápida descida aos infernos deste mundo.

A fome continua

Enquanto Israel busca justificativas para o ataque, a guerra segue e, com ela, a desumanização do outro por meio da fome: uma em cada três crianças sofre de desnutrição em Gaza.

Live sobre guerra em Gaza

Na próxima terça-feira, dia 09-04, às 10h, o IHU promove a live Israel e o Genocídio em Gaza.

Espiral de guerra

Luigi Ferrajoli observa que, no mundo de hoje, inclusive as democracias de perdem neste espiral de guerra. E aqui, infelizmente, não se trata apenas de Gaza. Sudão vive uma crise humanitária sem precedentes, enquanto judeus atacam palestinos, o Estado Islâmico coloca suas mãos na África. E ainda nem mencionamos a situação na Síria, Jordânia ou Irã.

Descemos mais um degrau da barbárie

“Não podemos resignar-nos à tortura”. De forma enfática Andrea Lavazza condena a exposição promovida pelas forças de ordem de Moscou, que resolveram gravar e expor cenas de tortura que nos remetem ao mal mais profundo - é difícil encontrar adjetivos para descrevê-las aqui: “o insuportável vídeo da orelha sendo cortada e colocada na boca de um dos prisioneiros”.

Domenico Quirico recorda que, em qualquer guerra, a prática da tortura revela outra sórdida estratégia que nos leva a pensar nos limites a que a humanidade chega.

Resposta bélica e ameaça nuclear

E, claro, neste espiral de guerras, não se pode perder de vista o que ocorre na Ucrânia. Um conflito sem fim em que a resposta da Europa parece sempre a mesma: armem Kiev! E enquanto Putin tenta dar suas cartas ao Ocidente no velho continente, a Europa parece não ter aprendido com as duas e drásticas experiências do passado. O risco, que parece cada vez mais ignorado, é de tragar o mundo todo para uma guerra nuclear. Como aponta o jornalista espanhol Rafael Poch: “dizer que uma nova grande guerra na Europa, ou que uma Terceira Guerra Mundial envolvendo, não só a Rússia, mas também a China é implausível, é tão pouco tranquilizador como considerar improvável um confronto nuclear”.

Razões para não esquecer

Se a Europa parece querer esquecer a trágica experiência de suas guerras mundiais, aqui no Brasil se vive a estranha onda de querer não fazer memória do golpe civil militar de 1964. Uma onda, aliás, encabeçada pelo próprio presidente Lula. Só que, como observa o professor José Geraldo de Sousa Junior, “uma das formas de inibir recrudescências autoritárias, de atentados à democracia e de afronta ao estado de direito é o antídoto da memória e da verdade, da responsabilização, da reparação e da justiça”. Felizmente, há insurgências e, mesmo de forma tímida, há, dentro do governo, quem encare de frente essa onda.

Silêncio episcopal

Mas é bem verdade que o silêncio “recomendado” pelo presidente Lula reverberou e passou em branco em outras instâncias. A Igreja no Brasil, que no passado se ergueu contra a violência dos governos militares, não disse e nem publicou uma linha sequer sobre os 60 anos do golpe. Será que a Igreja de hoje está mais para aquela da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que lastreou o golpe? Não, talvez melhor mesmo seja ficar com a memória da Igreja de Dom Paulo Evaristo Arns e o culto ecumênico em memória a Vladimir Herzog.

Então, façamos memória!

Edson Teles observa  que o golpe de 64 revela um caudaloso e obscuro desejo social que segue vivo no Brasil de hoje. Por isso, ele diz, é importante que não nos esqueçamos: “Faz 60 anos que o país fez um mergulho profundo no abismo político e social do autoritarismo. Trata-se do golpe empresarial-racista-torturador-religioso-patriarcal-imperialista-militar orquestrado pelas Forças Armadas”. No IHU, para fazer essa memória, houve uma série de conferências online que podem ser assistidas e revistas para gravar na memória este tempo sombrio.

 

 

Polícia, milícia, heranças da ditadura

Aliás, as heranças da ditadura estão muito mais perto de nós do que, às vezes, nos damos conta. Nesta semana, o IHU promoveu um live sobre os desdobramentos do Caso Marielle Franco. E, nas análises, fica evidente que tanto o modo de proceder das polícias de hoje quanto a eclosão das milícias têm estreitas relações com o ideário dos tempos da repressão.

Ainda sobre o Caso Marielle, que já nem parece mais ser notícia na imprensa, vale conferir as entrevistas com José Cláudio Souza Alves, Pablo Nunes e Luiz Eduardo Soares.

Escorregões e patinadas

Voltando à conjuntura do governo Lula, a questão do silêncio sobre os 60 anos do golpe de 1964, infelizmente, não é o único escorregão da atual gestão. Chama especialmente atenção em como Lula e seu ministério tem patinado na questão ambiental e, dentro dela, na questão indígena. Enquanto celebra uma TV 3.0 que parece um presente ao mercado, insiste, apesar de todos os riscos, na exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas.

Ok, é bem verdade que a esquerda nacional nunca assimilou bem a questão indígena, mas o que ocorre no norte do país vexatório. Veja a Nota Pública dos Movimentos Sociais e da Diocese de Roraima sobre a situação desesperadora dos territórios indígenas. Não obstante, estudo divulgado pela Fiocruz revela que todos os Yanomami de nove aldeias estão contaminados com graus altíssimos de mercúrio do garimpo ilegal.

Diante do colapso, a experiência dos povos originários

Para encerrar, um caminho de esperança, mas que requer esforço nosso para aprender. Nesta semana, o jornalista, escritor e educador social, o uruguaio Raúl Zibechi palestrou no IHU. Para ele, as sociedades atuais vivem em colapso. Podemos ser evasivos com uma ideia de estado de crises, mas, no fim, é um colapso civilizacional. E antes de qualquer coisa, nós, o pensamento crítico e até a esquerda, que tem patinado como o governo Lula, precisamos ser descolonizados e despatriarcalizados. Como? Ora, basta olhar para experiências e práticas emancipatórias de resistências dos povos originários. O caminho, como aponta, não é cargo em governo ou criação de ministério, é muito mais um deixar viver e aflorar a busca pela autonomia dos povos originários.

Com os pés na aspereza da realidade concreta e os olhos e corações na utopia de um tempo melhor, desejamos uma ótima semana a todas e todos!