03 Abril 2024
“Testamento: A História de Moisés” narra a vida e o legado do patriarca do Antigo Testamento com perspectivas inter-religiosas entrelaçadas.
A reportagem é de Alix Champlon, publicada em La Croix Internacional, 02-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Das pirâmides de Ramsés II ao deserto do Sinai, a Netflix está cobrindo a vida de Moisés em sua nova série de três capítulos, “Testamento: A História de Moisés”.
O drama documental alcançou um sucesso impressionante ao liderar as listas da plataforma Netflix desde seu lançamento em 27 de março, demonstrando um fascínio contemporâneo pela figura do Antigo Testamento.
O ator israelense Avi Azulay abre a série como um Moisés determinado a subir o Monte Sinai, cuja jornada é acompanhada por uma trilha sonora épica. O julgamento divino lança luz sobre toda a vida do profeta, que é reconstruída ao longo da série pelo diretor britânico Benjamin Ross, conhecido pelo drama policial de época “As Crônicas de Frankenstein”.
Uma reconstrução inter-religiosa
Além de retratar a vida de Moisés contada pelas três religiões abraâmicas, o drama documental desvenda o mistério histórico do grande profeta e patriarca. Um egiptólogo traça a ligação entre o tio de Moisés e Ramsés II, enquanto outro arqueólogo fornece o contexto sobre a economia da escravatura na sociedade egípcia.
A maioria dos especialistas entrevistados pela série, porém, são teólogos e representantes do judaísmo, do cristianismo e do Islã. O que eles têm em comum é uma veneração compartilhada pelo patriarca que conduziu os israelitas para fora do Egito.
“Moisés é único na tradição judaico-cristã-islâmica, porque ele aparece em todas as três”, explica Jonathan Kirsch, escritor estadunidense e autor de “Moses: A Life” (Random House, 1999). “O profeta Moisés é mencionado no Alcorão mais de 100 vezes”, acrescenta a estudiosa islâmica estadunidense Celene Ibrahim.
Seu comentário é principalmente teológico: imãs, pastores e rabinos discutem trechos do livro do Êxodo, lido pelo ator inglês Charles Dance (conhecido por interpretar personagens como Tywin Lannister em “Game of Thrones” e Lord Mountbatten em “The Crown”), embelezando as sequências reconstruídas sobre a vida de Moisés, como quando ele é resgatado do Nilo.
“Eles conseguem escondê-lo por três meses. E, no fim de três meses, constroem uma pequena arca”, explica a rabina Rachel Adelman. “Ela se chama tevah em hebraico. É a mesma palavra para a Arca de Noé. Então, temos essas duas histórias – uma na parte inicial do Gênesis e outra na parte inicial do Êxodo, onde algo grande vai acontecer, e é por causa da tevah. E uma tevah está carregando alguém que representará um novo começo”, acrescenta Peter Eric Enns, biblista protestante estadunidense.
Figura histórica relevante para a contemporaneidade
Além de reconstruir cenas da vida de Moisés, os teólogos se esforçam para construir pontes com as preocupações sociais atuais.
“Tudo sobre a vida dele, o que ele passou, seus desafios e o que ele fez: não há nada que não seja relevante para nós hoje”, diz o rabino Shlomo Einhorn, decano da Academia Hebraica Yavneh, em Los Angeles. “Justiça social? A justiça social começou com Moisés”, diz ele, apontando os protestos de Moisés contra um capataz que espancou um escravo hebreu.
Carol Meyers, biblista feminista estadunidense, observa que a desobediência civil nasceu com Séfora e Fua, as duas parteiras mencionadas no livro do Êxodo que desafiam o Faraó ajudando mulheres hebreias a dar à luz seus filhos e depois escondendo-os.
E, em relação ao momento em que Moisés vê a Terra Prometida sem poder entrar nela antes de sua morte, o bispo batista Andy Lewter explica que a cena ecoa a vida do reverendo Martin Luther King Jr., que, antes de sua morte, afirmou ter “estado no topo da montanha”.
“Eu vi a terra prometida”, declarou o Dr. King no famoso discurso que proferiu no dia 3 de abril de 1968, um dia antes de ser assassinado. “Posso não chegar lá com vocês”, disse ele. “Mas quero que vocês saibam esta noite que nós, como povo, chegaremos à terra prometida.”
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Netflix lança série de três capítulos sobre o Moisés bíblico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU