26 Março 2024
Seis de sete áreas monitoradas já têm recifes impactados, cortesia do El Niño e das petroleiras.
A reportagem é publicada por Observatório do Clima, 25-03-2024.
Hoje é aniversário do OC. Há 22 anos, um encontro de 26 organizações da sociedade civil em São Paulo lançava a carta de princípios do que se tornaria uma rede de 107 ONGs e movimentos sociais, o principal coletivo do país no debate climático atualmente (pelo menos é o que a gente gosta de dizer por aí). E, como é aniversário, a gente queria pedir um presente. Aliás, dois, para abusar, mas não muito.
É o seguinte: tem um monte de gente ruim no Congresso, com apoio mais ou menos discreto de um monte de gente ruim no governo, a fim de destruir o licenciamento ambiental no Brasil. O licenciamento é a pedra angular da proteção ambiental no país; ele garante que empreendimentos econômicos que afetem a saúde, o meio ambiente e o clima precisem passar por uma avaliação de impacto ambiental e, no limite, sejam vetados – como a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que alagaria terras indígenas e parques e sumiria com as corredeiras do afluente do Amazonas. A indústria e o agro querem eliminar a exigência de licença ambiental para a maioria dos empreendimentos no país, e planejam aprovar no Senado o PL 2.159, relatado pela ex-ministra de Jair Bolsonaro, Tereza “Menina Veneno” Cristina (PP-MS). Nesta página você vai saber mais sobre o PL e pode escrever direto aos senadores pedindo que não aprovem essa sandice. Dá esse presente para a gente?
O outro mimo não é para agora. Em outubro tem eleição, como você sabe. E, como leitora desta newsletter, você também sabe que estamos numa p***** de uma emergência climática. Embora as políticas de corte de emissões sejam federais, é nas cidades que a luta pela adaptação ao clima é travada, e é também nas cidades que os impactos da crise são sentidos, como Petrópolis está mostrando no momento em que escrevemos este texto. Pergunte ao seu candidato a prefeito qual é o grau de prioridade do clima na agenda dele. E escolha outra pessoa caso a resposta não seja convincente.
Gratiluz,
Os aniversariantes.
Na newsletter anterior destacamos o alerta do Coral Reef Watch, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (Noaa), sobre o quarto branqueamento de corais em massa no mundo. A atualização desta edição é que o bicho já começou a pegar nas águas brasileiras. Dados compilados pelo observatório americano mostram que, de sete áreas de recifes monitorados no Brasil, seis estão com algum tipo de alerta de branqueamento neste mês. Quando publicamos a reportagem, na noite de segunda-feira (18), Maracajaú, no Rio Grande do Norte, e Todos os Santos, na Bahia, apresentavam alerta de nível 2, o que significa que há um risco de branqueamento em todo o recife com mortalidade de corais sensíveis ao calor. Passados alguns dias, a Costa dos Corais, localizada em Pernambuco e Alagoas, se juntou à dupla. Fernando de Noronha, em Pernambuco, Abrolhos, na Bahia, e Trindade e Martins Vaz, no Espírito Santo, seguem com alerta de nível 1, ainda sem risco de mortalidade. O mundo está entrando na quarta pandemia de branqueamento, mas os corais brasileiros têm sido afetados por essa síndrome – causada por ondas de calor marinhas e que descolorem as colônias, podendo matá-las de fome – de forma recorrente neste século.
A sexta-feira começou com alerta de grande perigo para chuvas intensas no Sudeste. O mais alto grau de alerta na classificação do Instituto Nacional de Meteorologia, vigente da meia-noite de sexta-feira (22) até a manhã de domingo (24), engloba todo o estado do Rio de Janeiro, o litoral norte de São Paulo, o sul do Espírito Santo e de Minas Gerais. Após pressão de organizações da sociedade civil, o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, decretou ponto facultativo no estado na sexta-feira.
Houve chuvas na capital e alerta de alto risco hidrológico nas cidades de Maricá, Niterói e São Gonçalo, com potencial para alagamentos e inundações. O governo do estado também reportou risco geológico alto para deslizamentos em Angra dos Reis, Maricá e São Gonçalo. O Cemaden-RJ o transbordo do rio Quitandinha. Até o fechamento desta newsletter, a cidade já registrava 35 deslizamentos e três mortes. Em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, uma pessoa morreu após ser atingida por um raio.
Os temporais vêm na sequência da onda de calor que fez o Rio quebrar recordes e registrar sensação térmica de 60ºC no sábado passado. Na última quinta-feira, 14 crianças passaram mal em colégio municipal e foram hospitalizadas em Mangaratiba, na Costa Verde do estado, por causa do calor. As altas temperaturas também atingiram o Centro-Oeste e o Sul do Brasil. No Mato Grosso do Sul, a queda abrupta de temperatura – em Dourados, os termômetros caíram 17,3 °C em um intervalo de 30 minutos – foi seguida por uma tempestade de areia que encobriu quatro cidades ao sul e no centro do estado. No Rio Grande do Sul, os temporais que sucederam a onda de calor deixaram mais de 1 milhão de residências sem energia elétrica na quinta-feira.
*O número de mortes por causa das chuvas aumentou após o envio da newsletter. Foram registradas 19 no Espírito Santo e oito no Rio de Janeiro.
Você já sabe o que aconteceu no ano passado, mas a Organização Meteorológica Mundial fez questão de repetir: 2023 foi um ano lazarento, de longe o mais quente da história. Com uma temperatura média global de 1,45ºC acima dos níveis pré-industriais (com margem de erro de 0,12ºC para mais ou para menos), o planeta chegou “perigosamente perto” do limite de 1,5ºC de aquecimento, determinado pelo Acordo de Paris. Se o ano tivesse começado em fevereiro ou março, teríamos ultrapassado 1,5ºC. “Estou soando o alerta vermelho para o clima”, declarou a argentina Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, ao lançar o apavorante relatório anual Estado do Clima 2023.
Não foi só Saulo quem entrou em pânico. O climatologista britânico Gavin Schmidt, chefe do Centro Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, publicou um artigo de opinião na revista científica Nature levantando uma hipótese arrepiante sobre a elevação extrema de temperatura de 2023. Segundo Schmidt, que é o guardião de uma base de dados mensais de temperatura global que começa em 1880, nenhum fator isolado – vulcões ou aerossóis, por exemplo – ou nenhuma soma de fatores explica a elevação brutal das temperaturas do oceano no mundo inteiro antes do começo do El Niño de 2023. Ele afirma que o que pode estar acontecendo é uma “lacuna de conhecimento sem precedentes” sobre o estado do clima. Ou seja, estamos em mares nunca antes navegados. “Poderia significar que o planeta já está alterando fundamentalmente a maneira como o sistema climático opera, muito antes do que os cientistas anteciparam.” Apertem os cintos.
As altas temperaturas nos perseguem e podem balançar com força o PIB global. Um estudo publicado na revista Nature diz que, em 2060, podemos ter uma perda entre US$ 3,75 trilhões, se segurarmos o aumento da temperatura em 1,5 °C, e US$ 24,7 trilhões, se deixarmos os termômetros dispararem. O estudo analisou o impacto do estresse térmico nos sistemas socioeconômicos, incluindo perda de saúde, diminuição da produtividade diária e perdas indiretas devido à estagnação da produção. Tudo por causa das ondas de calor extremo. Leia mais aqui.
O Congresso brasileiro não dorme em serviço quando o assunto é piorar a política ambiental. A rasteira da vez foi na quarta-feira (20), quando a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, por 38 votos a 18, o substitutivo ao PL 364/19, que elimina a proteção ambiental da vegetação nativa em “áreas não-florestais”. Isso significa que cerca de 48 milhões de hectares de campos naturais e outros tipos de vegetação poderão ficar disponíveis para a expansão agrícola. Agora, o projeto deve ser votado direto no Senado, a não ser que seja aprovado um recurso para passar primeiro pelo plenário da Câmara. Durante a votação na CCJ, a bancada ruralista argumentou que nenhuma árvore será derrubada. O texto, no entanto, mostra que há brechas para desmatamento. Leia mais aqui.
Defendendo a construção da Ferrogrão – ferrovia de quase mil quilômetros que ligaria Sinop, em Mato Grosso, aos terminais graneleiros de Miritituba, em Itaituba (Pará) – Zequinha Marinho (Podemos-PA) destacou na semana passada seu caráter “verde”. Em discurso no plenário do Senado, afirmou que o empreendimento “reduziria em 77%” as emissões de CO2 na região. Fakebook.Eco checou a declaração e mostrou que dados apresentados pelo senador são inverificáveis (o estudo que supostamente os embasaria está, segundo o governo, “perdido”). Além disso, mesmo se corretos, não permitiriam a conclusão de que a construção da ferrovia reduziria emissões – que, na verdade, aumentariam por conta do desmatamento induzido pelo empreendimento na região. Veja a checagem completa aqui.
Apesar das declarações contundentes de Lula contra o massacre promovido pelo governo de Israel na Faixa de Gaza, o petróleo brasileiro segue abastecendo a máquina de guerra de Benjamin Netanyahu. Levantamento da Oil Change International revelou que o Brasil é um dos cinco maiores fornecedores de óleo cru a Israel, juntamente com Estados Unidos, Azerbaijão, Cazaquistão, Gabão e Rússia. Um dos dez maiores produtores de petróleo do mundo, o Brasil enviou 260 mil toneladas de óleo a Israel em dois carregamentos, um em dezembro de 2023 e outro no mês passado. O óleo é proveniente de campos no mar da britânica Shell e da francesa Total Energies em parceria com a Petrobras. Como um importante fornecedor de petróleo, o Brasil tem a oportunidade de pressionar por um cessar-fogo embargando o fornecimento de combustíveis fósseis, utilizados para abastecer a frota militar do país, apontou a análise.
A troika de presidências de COPs formada por Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil aproveitou a reunião ministerial de clima que aconteceu nesta semana em Copenhague para mandar aos países signatários do Acordo de Paris uma carta delineando a visão do grupo para o trabalho de aumentar a ambição das metas nacionais (NDCs) daqui até a COP do Brasil, no ano que vem. O documento coloca o financiamento como condição primordial das NDCs e diz que a ambição das metas dos países ricos será medida pelo apoio financeiro dado aos países em desenvolvimento. Teve gente no Norte global que não gostou. Segundo a Argus, EUA, Bélgica e Reino Unido se disseram “surpresos” pelo pleito. Os americanos declararam que a visão da troika poderia ser “altamente prejudicial” às negociações. “O financiamento das NDCs está previsto no Artigo 3o do Acordo de Paris. Alguns reclamaram, porque estão acostumados a dizer o que os outros devem fazer e não o que eles têm de fazer e não estão fazendo”, devolveu um negociador do G77, o bloco dos países em desenvolvimento.
Decisão histórica do Supremo Tribunal Federal reconheceu, no último dia 14 de março, que o governo Bolsonaro promoveu um estado de coisas inconstitucional na Amazônia, violando direitos socioambientais. A sentença foi resultado da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, que contestava o desmonte promovido pelo governo anterior e exigia uma série de medidas para seu restabelecimento. O Supremo determinou medidas quanto à redução efetiva do desmatamento na Amazônia Legal, a fiscalização e investigação de infrações ambientais, o fortalecimento institucional e transparência dos órgãos ambientais e o monitoramento e prestação de contas das políticas públicas. As medidas, a partir de agora, são expressamente determinadas como políticas de Estado, que devem ser necessariamente cumpridas pelos governos. Mais aqui.
Rio, 40 Graus, de Fernanda Abreu, que, segundo as internetes, anda precisando de um título novo.
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Calor, Petrópolis, corais morrendo e tretas da troika - Instituto Humanitas Unisinos - IHU