25 Março 2024
Rosemary Segurado e José Genoíno reforçam a importância de qualificar o debate de políticas públicas nas eleições.
A reportagem é de Letycia Holanda, publicada por Brasil de Fato, 22-03-2024.
O podcast Três por Quatro desta semana, produzido pelo Brasil de Fato, tem como tema a posição da esquerda para as eleições municipais. Muito tem sido questionado a respeito da postura dos representantes do campo progressista espalhados pelo país em relação a aliados, vices e propostas. Do lado da direita, o assunto é a tensão que envolve a possível prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e como isso pode interferir nas urnas.
Quando se trata do município de São Paulo, onde apenas três prefeitos de esquerda foram eleitos nas últimas dez eleições municipais – Luiza Erundina (eleita pelo PT, atualmente no PSOL) Marta Suplicy (PT) e Fernando Haddad (PT) –, o histórico dos candidatos também pode representar uma batalha adicional para os partidos progressistas.
Segundo Rosemary Segurado, cientista política e professora da PUC, Guilherme Boulos (PSOL), principal pré-candidato de esquerda à prefeitura de São Paulo, e sua vice, Marta Suplicy (PT), carregam o desafio de apagar as ideias preconcebidas pelos paulistanos antes da ida às urnas.
"Nós vamos discutir kit gay ou a reforma do ensino médio e a precariedade de creches, por exemplo? Se você entra colocando programa, bloqueia essa pauta que é para desviar o debate político. A extrema direita, quando impõe costumes, além de arregimentar sua base, que é mais conservadora, ela desloca o debate de políticas públicas", destaca.
Da mesma forma, José Genoino, ex-presidente do PT e comentarista fixo do podcast, destaca a relevância de uma campanha firme e consistente. "A esquerda tem que mostrar a que veio, mostrar as credenciais. Temos que ir para o enfrentamento democrático."
Genoíno afirma que Marta "era a segunda liderança do PT depois do Lula. Quando o Lula foi impedido, a Marta vinha com tudo se ela não tivesse saído do PT. [...] Ela era uma mulher muito afirmativa e tratava dos direitos das mulheres, temas da comunidade LGBTQIA+, a presença dela na comunidade era progressista, ela quebrava com os muros, quebrava com preconceitos, e fazia isso na periferia."
Boulos, que é professor, psicanalista e militante da área de moradia, tem "um perfil determinado, nas palavras de Genoino. "Com esse perfil ele tem uma base sólida, e as pesquisas estão indicando isso. O problema é como ampliar [as intenções de voto]. Essa ampliação vai depender do debate. O dilema nosso é fazer uma campanha alegre, combativa, esperançosa, e que fale de futuro, no âmbito de uma eleição municipal."
A esquerda busca fortalecer sua presença em regiões onde já é majoritária e expandir sua influência onde não é. Locais como Santa Catarina, Bahia e Rio de Janeiro demandam atenção especial por conta da forte competição com candidatos de direita e ao histórico eleitoral do PT e PSOL.
Salvador, por exemplo, nunca teve uma prefeitura petista. Para Genoíno, a situação deste município específico "é muito difícil, porque a extrema direita do ACM Neto (ex-prefeito de Salvador) tem uma ampla maioria consolidada".
Da forma similar, para garantir a participação da esquerda no segundo turno das eleições cariocas, seria necessário um movimento de frente ampla do PT apoiando o PSOL na campanha de Tarcísio Motta. Em regiões onde o PSOL tem mais força, como em Fortaleza, o apoio se inverte.
Apesar dos interesses particulares de cada partido, movimentos de apoio são importantes. "Se a gente não entender que terão momentos que nós vamos ter que fazer esse tipo de articulação, esse tipo de aproximação, teremos um cenário bem preocupante", reforça Segurado.
Após as eleições presidenciais de 2018, o Brasil testemunhou um aumento da polarização política, tornando crucial o posicionamento político, principalmente meses antes das eleições municipais.
Segundo a professora, "diferente da eleição de 2018, a grande imprensa ficava o tempo todo falando 'a gente precisa de uma candidatura de centro' quando o mundo está polarizado. O fenômeno que nós temos de polarização no Brasil, é um fenômeno que se verifica em muitos lugares."
Para Genoino a esquerda não pode ter uma postura defensiva no período eleitoral. "O PT aprendeu pela derrota que defensiva, esconder a estrela, o vermelho e seus programas, é derrota eleitoral certa [...]. Tem que meter a cara!". Ele ainda reforça a ideia, utilizando a vitória de Lula nas últimas eleições como exemplo para este ano. "Essa vitória de 2022 mudou o eixo tático, a gente estava em uma defensiva e passamos para uma tática."
A extrema direita, por sua vez, também se movimenta na busca por eleger seus representantes, enfatizando a polarização, visto que "o centro se evaporou", na avaliação de Genoino.
No entanto, ainda é preciso entender qual o papel de uma possível prisão de Bolsonaro no cenário eleitoral. Atualmente, o ex-presidente está sob investigações que vão desde a tentativa de desvio das joias sauditas até a tentativa de golpe de Estado.
Segurado aponta que em São Paulo "o atual prefeito [Ricardo Nunes] queria o apoio de Bolsonaro, e aí ele fica nesse bate e assopra. Então, às vezes, para algumas situações ele usa [o Bolsonaro], e para outras situações ele esconde, porque ele sabe que há elementos muito fortes de um desgaste da imagem do ex-presidente com uma prisão", conclui a cientista política.
Genoíno avalia que uma possível prisão de Bolsonaro "enfraquece politicamente as candidaturas (bolsonaristas). Quando você bota (em pauta) cartão de vacinação é barra pesada, aí amanhã você também bota na pauta as joias [...] e depois o golpe. É muita coisa, vai desmontando", acredita.
Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país. Acompanhe as outras edições neste link.
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“A esquerda tem que mostrar a que veio, mostrar as credenciais”, afirma ex-presidente do PT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU