12 Março 2024
"Se há indignação contra os donos de flutuantes pelo mal que causam à natureza, por que há tanto silêncio e resignação diante da falta de saneamento, que tanto prejudica a saúde dos rios e das pessoas?", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Vivemos mais um episódio da saga da retirada dos flutuantes da Bacia do rio Tarumã-Açu. Centenas de flutuantes foram instaladas nesse rio ao longo das últimas décadas sem o menor cuidado pelas águas. Descartam toneladas de lixo e esgoto, promovendo a poluição hídrica, em um total desrespeito à vida aquática e à vida do próprio rio. A intervenção inadequada e irresponsável sobre os corpos hídricos marca a nossa época contemporânea, que é regida por uma mentalidade utilitarista e egoísta, minimizando a importância e o significado da água.
A agressão ao rio Tarumã-Açu não é praticada somente pelos flutuantes que foram instalados ao longo do tempo no leito desta bacia, mas a violência às águas é causada também pela falta de saneamento básico, largamente conhecida em Manaus. Os efeitos deletérios provenientes da ausência deste serviço essencial se alastram também por todos os rios e igarapés da cidade, promovendo igualmente a degradação da vida aquática, humana e social.
Se há indignação contra os donos de flutuantes pelo mal que causam à natureza, por que há tanto silêncio e resignação diante da falta de saneamento, que tanto prejudica a saúde dos rios e das pessoas? A retirada dos flutuantes também deveria impulsionar a expulsão dos responsáveis pela falta de saneamento, começando pela concessionária de plantão e passando pela substituição dos gestores públicos que aprovam tal violência contra o meio ambiente e às pessoas.
Segundo as informações do IBGE, Manaus ocupa a segunda posição entre as capitais que usam rios, lagos e córregos (igarapés) como esgoto sanitário. De acordo com o Censo 2022, divulgado em fevereiro pelo IBGE 7,45% das residências manauaras despejam dejetos nestes cursos d’água. Isso porque apenas 5,81% dos lares da capital possuem sanitários ou buracos para despejos nos terrenos. O Estado do Amazonas também ocupa o segundo lugar com mais esgotos jogados em rios e lagos, ficando atrás apenas do Amapá. Do total de domicílios amazonenses, 8,25% despejam o esgoto nestes lugares.
Há poucos dias para o Dia Mundial da Água, 22 de março, essa situação não gera celebração, mas ao contrário, mostra que não temos cumprido o dever de casa no que diz respeito ao cuidado pelas águas e pela natureza. Esse cenário indica que ainda não somos capazes de promover políticas públicas democráticas que visem ao bem comum. Contrariando a sua inspiração original, a política tem sido utilizada prioritariamente para beneficiar grupos privados. A ausência de preocupação socioambiental anuncia a privatização da política.
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Esgoto não combina com rios. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU