16 Fevereiro 2024
"Nenhuma outra área da teologia sistemática passou por tantas revisões quanto a teologia da missão, e isso se deve ao fato de que seus especialistas entenderam que a missão precisa mudar porque o mundo mudou", escreve Paolo Trianni, professor do Centro Gregoriano de Estudos Inter-religiosos, em artigo publicado por Settimana News, 13-02-2024.
Em 24 de novembro de 2023, celebraram-se os dez anos da publicação da exortação apostólica Evangelii gaudium. Um documento programático de Francisco que reuniu os trabalhos da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, com o tema: "A nova evangelização para a transmissão da fé cristã".
A uma década de distância, é possível fazer um balanço desta exortação que, dada a sua relevância, talvez merecesse mais comemorações, embora não tenham faltado eventos que a recordaram, como os da diocese de Roma na Basílica de São João de Latrão; na sala Quadrivium de Gênova com Giuliano Zanchi, diretor da Revista do Clero Italiano; e o evento organizado pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
Eventos comemorativos que tinham como objetivo refletir sobre a importância que este documento tem no pontificado de Francisco e, mais geralmente, sobre seus efeitos na vida da Igreja. A impressão é que nem todos, no mundo católico, compreenderam a amplitude até mesmo revolucionária da mensagem contida no texto, que recentrou a evangelização no centro da Igreja e revolucionou a própria missiologia.
Evangelii gaudium desde o início deixou claro qual é a natureza deste pontificado e quais são as prioridades na agenda do Papa Francisco. Especificamente, mostrou como sua intenção é operar uma transformação missionária da Igreja que, inevitavelmente, modifica e modificou a própria missiologia.
Relacionado a esses propósitos, Francisco será indubitavelmente lembrado como um papa missionário e missiólogo, também por ter trazido de volta à atualidade um termo já em desuso. Em particular, ele interpretou de maneira nova a missão e indicou estratégias para uma evangelização eficaz ou re-evangelização. A teologia, como um todo, não poderia deixar de tomar nota das indicações contidas em um texto tão autoritário. Após isso, até mesmo aqueles teólogos da área dogmática que tendem a marginalizar a pastoral e a missão, reconheceram que a teologia não pode mais prescindir de se envolver nas dinâmicas de uma Igreja "em saída".
Esta exortação deve ser lida, portanto, como um sinal dos tempos que busca responder ao mandato missionário de Jesus (Mt 28,19-20), reconhecendo que, no quadro contemporâneo, a evangelização e a nova evangelização são expressões de uma única necessidade pastoral. Com sua exortação, Francisco atualizou o que o Concílio Vaticano II diz sobre a natureza missionária da Igreja, falando não apenas da Igreja "em saída", mas também de sua reforma sinodal. As páginas do documento enfatizam que todo o corpo eclesial é chamado a evangelizar, destacando as motivações que devem sustentar o empenho missionário, a importância da homilia e a necessidade de incluir os pobres cultivando a paz e o diálogo social.
Abrangendo sob o único chapéu da evangelização temas tão diversos, Francisco de fato revolucionou a missiologia tradicional. Isso pode ser afirmado porque o Evangelii gaudium fez entender que a globalização obriga a superar os parâmetros geográficos tradicionais da missão; porque inseriu na missiologia questões ético-sociais; porque associou a missão ao diálogo; porque deu à missão uma abordagem pastoral; e porque valorizou os contextos e a descentralização teológica.
Ao comentar cada uma das inclusões temáticas mencionadas, é necessário reconhecer que a globalização, fruto da era digital e das migrações em massa, criou sociedades multiétnicas e plurirreligiosas.
Seus efeitos foram de fato múltiplos e de natureza variada, pois a isso se pode atribuir também o relativismo moral e o secularismo, que por sua vez se manifesta em expressões inconciliáveis e opostas, como a crescente indiferença religiosa, o pluralismo religioso, o sincretismo e as reações fundamentalistas.
Como foi escrito, a globalização é de fato um confronto entre jhad e McMondo. Se por um lado aproximou os povos, na verdade não os uniu e, ao contrário, os fragmentou, criando novas desigualdades econômicas. Este é o motivo pelo qual, como escrevem os missiólogos Bevans e Schroeder, "na era da globalização, o evangelho deve honrar as culturas e os contextos locais e posicionar-se firmemente do lado da justiça".
Quando o Papa Francisco, em Evangelii gaudium, falou sobre a economia da exclusão, a idolatria do dinheiro, a iniquidade que gera violência, a proteção do bem comum, o diálogo como contribuição para a paz, ele se inspirou nesta compreensão precisa da missão e a desenvolveu ainda mais. Tornou-se evidente, em resumo, que hoje a missão deve ser reprogramada com base nos objetivos listados pelo papa, cumprindo os quais a missiologia se torna ainda mais indutiva e interdisciplinar.
Em Evangelii gaudium, o papa argentino também falou insistentemente sobre o diálogo, enfatizando que a tarefa primária de alguém que deseja inculturar o evangelho se resume à capacidade de construir relações dialógicas. Ao fazer esta recomendação, no entanto, ele simplesmente recolheu a herança de Paulo VI, que em Evangelii Nuntiandi já havia instado toda a Igreja a se tornar diálogo.
É digno de nota que vários números deste documento missionário sejam dedicados ao diálogo entre fé e ciência, ao diálogo ecumênico, às relações com o judaísmo, ao diálogo inter-religioso e até ao direito à liberdade religiosa.
Com esta Exortação, em resumo, Bergoglio redesenhou a missiologia e a orientou pastoralmente e para o diálogo. Suas palavras destacam como é necessário passar "de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária", reafirmando que a missão continua a ser o maior desafio da Igreja e o paradigma de toda a sua obra.
O papa define como "imperioso" a necessidade de evangelizar não tanto a cultura, no singular, mas as culturas, no plural, mostrando-se assim consciente de que as sociedades atuais têm rostos culturais diversos.
Mais do que um convite, o de Bergoglio parece ser um apelo alarmado, porque, como escreve dentro da exortação, "não podemos mais permanecer tranquilos, em espera passiva, dentro de nossas igrejas".
Em resumo, é como se Francisco dissesse a cada cristão que não é mais permitido esconder-se ou procrastinar, convidando assim cada batizado a se reconhecer em uma espécie de "também sou missão". Especificamente, Evangelii gaudium diferencia três níveis de pastoral missionária: a ordinária; aquela para os batizados que se afastaram da Igreja; e aquela para aqueles que não conhecem Jesus Cristo.
Além dessas distinções programáticas, Bergoglio também inseriu no texto duas recomendações metodológicas, enfatizando que a Igreja "não cresce pelo proselitismo, mas pela atração" e reafirmando que a dinâmica do anúncio requer alegria.
Apesar de não falar explicitamente de contextualização, o termo "contexto" retorna várias vezes nas páginas da exortação de Bergoglio. Desde o título, que destaca que o documento magisterial tem como tema a evangelização no "mundo atual", indica que não trata o tema de forma abstrata, mas o insere na contemporaneidade, obviamente caracterizada pelos efeitos da globalização.
No entanto, Francisco também fala de "saudável descentralização", uma precisão que pode ser considerada sinônimo de contextualização. Fazer essas observações essencialmente indica que a missão não pode ser exercida de forma abstrata, mas sempre em relação às diferentes realidades às quais se destina. Especialmente no mundo atual, portanto, atualizar não é apenas uma questão de cortesia, mas a condição básica para o sucesso da missão.
Declarar que a missão é sempre e apenas contextual implica que ela seja o resultado de um encontro e, portanto, de um diálogo. Este último, longe de ser apenas uma estratégia, é na verdade uma atitude ontológica que se explica pelas dinâmicas da antropologia personalista.
Deve-se acrescentar que ao anunciar o Evangelho em um contexto particular, esse contexto retornará o mesmo mensagem transformada e enriquecida pela contribuição que apenas aquele contexto cultural específico pode oferecer. É por isso que o diálogo missionário contextual assume a forma de reciprocidade no dar.
Calibrar a mensagem da Igreja para um determinado contexto - social, cultural ou religioso que seja - requer habilidades específicas. É por esta razão que existe a missiologia, que não é apenas "teologia da missão", mas uma verdadeira e própria faculdade universitária, demonstrando a interdisciplinaridade e a transversalidade de habilidades necessárias para realizar uma ação missionária eficaz.
Para dizer melhor, o que a missiologia acrescenta à dogmática é a sua transformação em teologia contextual. Esta disciplina, de fato, não se limita a "defender" as verdades do cristianismo - como já faz a teologia fundamental - mas também se encarrega de ser "propositiva" e "construtiva", principalmente em contextos culturais ainda não cristianizados, mas também naqueles onde o cristianismo perdeu relevância. Neste aspecto, a teologia contextual implementada pela missiologia não é menos conceitual do que a teologia clássica, e se distingue dela por ser mais pastoral e dialógica.
Nenhuma outra área da teologia sistemática passou por tantas revisões quanto a teologia da missão, e isso se deve ao fato de que seus especialistas entenderam que a missão precisa mudar porque o mundo mudou. Aqueles que se ocupam desta disciplina perceberam que não faz mais sentido usar categorias geográficas e é mais apropriado falar em campos de experiência humana, independentemente de onde se apresentem. Sobretudo, no entanto, o que se tornou muito evidente em uma época de secularismo e pluralidade religiosa é a necessidade de a teologia e a Igreja abraçarem uma transformação global "missionária".
Com isso, entende-se uma preocupação teológica que coloca a evangelização no centro e uma Igreja em saída que se equipa com uma pastoral adequada às necessidades espirituais de nosso tempo.
Uma certa missiologia, além disso, teve seu tempo e, por várias décadas, a missão não está mais ligada à salvação das almas nem ao estabelecimento de novas igrejas. A ação que a caracteriza atualmente, na verdade, é mais o de escutar. O missiólogo contemporâneo deve "ouvir" a voz do homem pós-moderno e suas necessidades existenciais e espirituais, fornecendo-lhe as seguranças e respostas que busca.
Além do escutar, a missão de nosso tempo deve ser configurada pelo diálogo. No entanto, o diálogo abrange dentro de si várias facetas muito diferentes entre si. O mundo missionário requer que o diálogo se dirija preferencialmente a três áreas específicas: os pobres, a cultura e as outras religiões.
Os dois missiólogos já mencionados, Bevans e Schroeder, seguindo o ensinamento de David Bosch, explicam que "a missão deve ser caracterizada principalmente como um exercício de diálogo". É o diálogo, de fato, que permite conhecer as outras religiões não como sistemas abstratos, mas como modos de vida vividos. Através dele, além disso, aqueles que creem de forma diferente ainda podem se tornar amigos com quem colaborar para a construção de um mundo melhor. Deve-se considerar, por outro lado, que do ponto de vista do Reino de Deus, o diálogo não é apenas um meio, mas já é em si um fim.
Os mesmos autores, ao lado do substantivo diálogo, costumam colocar o adjetivo "profético". Ambos, de fato, insistem que a missiologia contemporânea deve se expressar através de um diálogo profético, entendendo com isso a interpretação crítica dos sinais dos tempos. No entanto, sendo "profético", uma tal ação dialógica não pode deixar de ser "ativa", e explica, portanto, por que a missiologia contemporânea está experimentando uma virada pastoral.
Adjetivar o diálogo como profético, além disso, também significa que a missão deve sempre assumir a face da reconciliação, em todos os níveis: pessoal, familiar, cultural, político e eclesial.
No entanto, dialogar significa em primeiro lugar entrar em relação com as culturas e as religiões. Isso se tornou ainda mais inevitável em um mundo que, encolhido pela globalização, manifestou toda a sua variedade religiosa e toda a sua complexidade. Uma missão cristã monótona, expressão de um único ponto de vista, uma única linguagem, uma única perspectiva, uma única sensibilidade, uma única cultura, não seria capaz de dar aos homens que habitam um mundo tão articulado e complexo a plenitude de significado que eles procuram.
É por isso que a missiologia atual critica abertamente a missiologia do passado, que pretendia ser universal, universalizando uma teologia elaborada apenas em nível local, no caso específico do contexto europeu. Hoje, diante de um maior respeito pela alteridade e do recente apreço pelos valores do diálogo, surgiu quase que espontaneamente a necessidade de criar uma teologia intercultural. Sem ela, aliás, será difícil para a Igreja se defender da acusação de neocolonialismo ou de cripto-racismo cultural. Entende-se, portanto, por que a missiologia - muito mais do que outras disciplinas - requer uma mistura de humildade e audácia, mas também uma espiritualidade profunda e autêntica, pois só o Espírito abre horizontes inesperados e chega onde a dialética da razão não pode alcançar.
Para elaborar uma teologia intercultural, e mais genericamente uma nova teologia da missão, é frutífero valorizar a distinção proposta por Bernard Lonergan entre cultura clássica e cultura empírica. Até muito recentemente, a teologia se ancorou em uma concepção classicista de cultura. A missiologia contemporânea, no entanto, está aprendendo a cultivar um conceito empirista de cultura, entendida como um conjunto de significados e valores que informam um modo de vida. Claramente, em relação à distinção mencionada, se concebemos a cultura de forma empírica, em vez de clássica, o diálogo se torna mais fácil, pois esse modelo, ao contrário do clássico, é igualitário. Ele não é normativo, não é universal e não considera uma cultura específica como uma conquista permanente e imutável.
Uma missiologia baseada no modelo empirista de cultura, portanto, é muito mais dinâmica e flexível, além de dialógica. Isso torna a inculturação muito mais fácil porque não assume a forma de uma imposição cultural, mas sim de uma inserção e adaptação às dinâmicas de vida e de sentido próprias de outras sociedades. Em relação a este objetivo, a consciência máxima que sempre deve acompanhar o trabalho missionário é que o Evangelho nunca encontra um povo no vazio, e é preciso entrar na cultura desse povo como em um jardim.
Assim, como inculturar o Evangelho não é um tema periférico ou o clichê de um clube de teólogos progressistas, mas o horizonte em que se decide o destino da Igreja. Este é o problema mais relevante da evangelização contemporânea, porque o futuro do cristianismo depende do sucesso ou fracasso da inculturação. No entanto, como escreveu João Paulo II refletindo sobre esses temas, a inculturação não é apenas um caminho lento, mas também um processo difícil que causa sofrimento.
Isso também é evidente nas mudanças lexicais. O termo "inculturação", por exemplo, nos últimos anos parece cada vez mais inadequado e está agora em processo de superação. O prefixo "in", de fato, sofre a preposição "ad", e se refere a um "ir em direção a" de uma determinada posição, representada obviamente pelo cristianismo como se desenvolveu no Ocidente. No entanto, essa visão, apesar de as bases judaicas não serem relativizáveis, caiu tanto em um plano teológico quanto em um plano histórico.
No plano teológico, esta perspectiva não se sustenta mais desde que o Concílio afirmou que em outras civilizações religiosas estão presentes sementes do Verbo e raios da Verdade. No plano histórico, no entanto, não se sustenta desde que a maioria dos católicos não está mais na Europa, e a digitalização, globalização e imigração mudaram todas as sociedades do globo terrestre. O termo "ad-gentes" deve ser substituído por "inter-gentes", enquanto o termo "inculturação" deve ser substituído por "interculturalidade". Este último conceito melhor expressa a ideia de troca mútua e benefício mútuo, além do fato de que, objetivamente, nas sociedades de hoje experimentamos há muito tempo um mestiçamento étnico, linguístico, cultural, religioso e teológico.
Portanto, entende-se por que a missiologia vive a tripla evolução em direção ao diálogo, à pastoral e à interculturalidade mencionadas anteriormente. É somente através destas três integrações, de fato, que se torna possível responder adequadamente aos desafios, como diria o Papa Francisco, não de uma época de mudanças, mas de uma mudança de época. Além disso, são essas as razões pelas quais a missão hoje se tornou uma realidade estereofônica que, como explica Evangelii Gaudium, se desdobra em áreas e contextos muito diversificados.
Em resumo, o texto programático de Bergoglio deve ser considerado como ponto de partida para repensar de forma nova a teologia da missão e até mesmo a Igreja, que ele convida a conceber não mais de forma centralizada, mas "sinodal". A partir dessa exortação, é possível refletir sobre qual seria a melhor teologia para a missiologia contemporânea, mas também qual é a estratégia missionária mais eficaz para uma teologia que pretende se abrir para o mundo atual.
Refletindo sobre esses imperativos, é necessário reafirmar que a missão, entendida como continuação da mesma missão da Trindade; como continuação da missão de Jesus que anuncia o Reino; como continuação na proclamação do anúncio de que Cristo é o salvador do mundo, nunca passará. No entanto, as formas de pensamento através das quais o Evangelho é comunicado variam, e devem variar, de acordo com as culturas a que se destinam. Assim, o principal papel da missiologia torna-se estabelecer o que, quanto e como os fundamentos da doutrina podem ser adaptados às diversas civilizações humanas.
O missionário, de acordo com as três definições de missão citadas, é aquele que, respondendo ao seu chamado, participa da mesma vida da Trindade; liberta na medida em que Cristo foi libertador; e salva na medida em que testemunha o mistério da cruz. No entanto, ao realizar essas atividades, torna-se constantemente necessário para o missionário realizar um "diálogo contextual". É somente através dele, de fato, que pode entrar em uma relação real com as sociedades que pretende evangelizar. Portanto, não há oposição entre missão - entendida como anúncio da Revelação - e diálogo, porque o ser e a própria ação de Deus são dialógicos.
Uma relação de tipo dialógico, mesmo com religiões muito distantes da tradição cristã, é sempre teoricamente possível porque a presença da graça salvífica de Deus não está confinada dentro da Igreja e a cada pessoa é dada a possibilidade de entrar em contato com o mistério pascal. A teologia das religiões, que nos últimos anos redescobriu a pneumatologia, reconheceu que o Espírito de Deus está constantemente trabalhando em lugares inesperados e de maneiras que ultrapassam a compreensão humana. Neste aspecto, sair ao encontro do outro pode reservar surpresas e abrir para um novo modo de compreender a profundidade e o mistério da própria fé.
Em particular, a saída missionária, e portanto o confronto direto com os diversos contextos humanos, culturais e religiosos, sempre pede à teologia da missão que repense de forma nova as questões centrais que caracterizam o cristianismo. Este último, de fato, pode ser sintetizado em algumas noções básicas: o mistério de Cristo, a natureza da Igreja, o futuro do homem segundo as escrituras bíblicas ou a natureza da salvação anunciada pelo Evangelho.
Aqueles que se ocupam da missiologia, impulsionados pela sensibilidade, linguagem e cultura religiosa ou filosófica em que estão inseridos - muitas vezes muito diferentes e incompatíveis com a cultura religiosa e filosófica cristã - têm, portanto, o papel da "forma". Melhor dizendo, mantendo-se inalterável a substância (da doutrina), eles devem modelá-la para dar ao cristianismo uma apresentação formal que seja significativa e envolvente para a cultura em que estão operando.
Esta recontagem dos mistérios cristãos, ou melhor, sua exposição contextualizada, pode ser realizada pela teologia segundo três sensibilidades diferentes. Embora em dois mil anos de história a igreja tenha testemunhado uma proliferação de teologias, sempre houve, de fato, três sensibilidades diferentes na transmissão da doutrina cristã: uma mais tradicionalista; uma mais liberal; e uma mais orientada para a libertação histórica.
A preocupação da primeira era, e é, de natureza essencialmente soteriológica, pois sempre se voltou para a comunicação de que Cristo é o único e verdadeiro salvador do mundo. A orientação da segunda, distinguindo-se claramente da anterior, está voltada para alcançar uma verdade que nunca é total e desvelada de forma evidente. Ao estabelecer esse objetivo, essa linha teológica recupera, pelo menos em parte, o potencial contributo que as culturas e religiões podem oferecer, na perspectiva, se não de uma evolução do dogma, de um necessário e contínuo desenvolvimento da doutrina. A terceira perspectiva, por sua vez, sempre olhou com mais atenção para a história, seus dramas e sua necessidade de libertação, paz e justiça, optando assim por uma orientação mais ortoprática.
A importância de pensar em modelos diferentes Uma evangelização e uma missão que operem no mundo atual, portanto, devem questionar qual é a melhor abordagem teológica para o nosso tempo e para seus diversos e variáveis contextos. No entanto, nenhuma dessas três sensibilidades programáticas pode ser totalmente ignorada, e é possível combiná-las entre si.
O teólogo, portanto, depois de analisar as necessidades e peculiaridades do contexto, é chamado a escolher quais devem ser as prioridades e estratégias de seu trabalho missionário. O único erro que ele deve evitar é usar um único modelo de missão e teologia para todos os contextos, como se todas as realidades culturais e sociais fossem iguais e cada uma delas não exigisse ajustes específicos.
No entanto, independentemente das diferentes sensibilidades com as quais a missão pode ser abordada, ela deve sempre manter quatro imperativos: anúncio, diálogo, libertação dos pobres e inculturação. Nos últimos anos, cada um desses quatro campos tem sido objeto de reflexão teológica; no entanto, inegavelmente, o que tem sido o centro dos repensamentos mais radicais é principalmente o último: a inculturação.
Existem diversos modelos de inculturação que foram elaborados. De fato, é possível privilegiar ou enfatizar diferentes abordagens, desde aquela que se concentra na tradução rígida da tradição dogmática, até a ortopraxia daqueles que privilegiam a libertação e os valores do Reino de Deus. Também é possível escolher uma abordagem mais antropológica, especialmente em contextos culturalmente não estruturados, ou, ao contrário, adotar uma atitude contracultural, adequada principalmente em contextos secularizados onde é necessário avaliar criticamente, à luz do Evangelho, certas exacerbações do relativismo ético e religioso contemporâneo. Alguns missionários podem optar por uma abordagem dialógica ou transcendental, enfatizando o encontro e a relação, enquanto outros podem considerar uma abordagem mais sintética, para determinar, a cada momento, qual seria a expressão mais adequada do cristianismo para uma determinada cultura.
Nenhum desses modelos, no entanto, é absoluto, pois a missão requer flexibilidade, criatividade, imaginação e adaptabilidade ao contexto. O ensinamento doutrinário elaborado pelo teólogo, portanto, deve ser filtrado pelo missiólogo, que está ciente de que não existe uma maneira de evangelizar que sirva para todos os contextos. Esse é o papel da missiologia, e a natureza última que distingue essa disciplina da teologia, justamente porque sua principal tarefa é conhecer os diferentes ambientes histórico-sociais e culturais e, em seguida, ajustar o anúncio da doutrina a essas particularidades contextuais.
Transpor a doutrina para o contexto A teologia, portanto, precisa da missiologia para se tornar missionária. Sem vestir esse manto, permaneceria monocromática, monovisual e monocultural. Seria como se estivesse aprisionada em um monólogo que realmente não encontra o outro e não torna o cristianismo compreensível e significativo. Sem a missiologia, poderíamos dizer que a teologia correria o risco de se tornar historicamente irrelevante e não poderia lidar adequadamente com as perguntas e necessidades do homem contemporâneo, independentemente da cultura a que ele pertence.
Um anúncio teológico que se limitasse a repetir uma tradição nascida no Ocidente e formulada com linguagem e categorias ocidentais, ignorando a diversidade de idiomas, culturas, preconcepções e visões de mundo, teria poucas chances de enraizar em civilizações diferentes da ocidental. Embora os fundamentos da doutrina (católica) devam ser cuidadosamente guardados, de nada adiantaria esse rico patrimônio dogmático se fosse expressão de um particularismo cultural e de uma autorreferencialidade que não se envolve e não dialoga.
O serviço que a missiologia presta à teologia e à Igreja como um todo é justamente o de transpor a doutrina para o contexto, fazendo com que o anúncio se torne vital, crível e significativo. No entanto, precisamente porque assume uma tarefa de adaptação, reinterpretação e reapresentação dos dogmas de acordo com os contextos, o trabalho do missionário às vezes foi interpretado como um ataque à "identidade".
Enfrentando essa suspeita, a missiologia - mais do que outras disciplinas sistemáticas - questiona o que é a identidade cristã, em que consiste e a que deve estar essencialmente ancorada. Em relação a essa pergunta, na Igreja, não são poucos os que reivindicam a necessidade de manter os fundamentos da doutrina na forma em que foram pensados e expressos no Ocidente. Defender essa linha é tarefa do teólogo dogmático, mas o teólogo missionário não seria tal se ignorasse que a doutrina da Igreja é na verdade a expressão de apenas uma cultura e que, após dois mil anos, o cristianismo ainda aguarda para ser repensado de acordo com categorias não ocidentais.
Uma verdadeira universalização do cristianismo - necessária como nunca no mundo pós-colonial - deve passar pela apropriação de outras linguagens e pela reformulação da fé através das sensibilidades das quais são expressão, como aliás João Paulo II convidava a fazer (cf. FR 72). Deve-se ressaltar, de fato, que enquanto a Palavra de Jesus pode ser absolutizada, o mesmo não ocorre com as coordenadas e categorias através das quais a fé nela foi transmitida ao longo dos séculos, especialmente nos países ocidentais ou de colonização ocidental.
Essa operação é possível e, de fato, necessária, porque o missiólogo é sempre chamado a distinguir entre um núcleo imutável - obviamente o Evangelho - e a forma externa e acidental através da qual foi pensado ao longo dos séculos, especialmente em determinados domínios culturais. Querendo defini-lo através de seu trabalho conceitual, o missiólogo é, portanto, aquele que questiona "o que é a Tradição?"; "quanto dela é fundamental e quanto é acidental?"; "o que pode ser modificado ou adaptado?"; "quais sobreestruturas surgiram ao ocidentalizar (ou latinizar) o Evangelho?".
Vanguarda, pioneirismo e profecia Em resumo, portanto, embora a missiologia desempenhe um serviço delicado e difícil - e às vezes ambíguo - é ela que decide o destino da Igreja, em termos e funções complementares à missão, que cria as condições para sua expansão e crescimento futuro. Podemos dizer, portanto, que a missiologia nasce da teologia, mas depois a transporta para horizontes desconhecidos.
O pensamento teológico do missiólogo é sempre vanguardista, pioneiro e profético. É claro, além disso, que tendo um ritmo indutivo e uma direção de saída, a especulação deste último avança como em um avant-garde, expondo-se assim a possíveis riscos e insuficiências, às vezes até mesmo erros. Este é, poderíamos dizer, o preço inevitável do anúncio, mas que não deve frear a iniciativa do missiólogo, que nunca deve faltar-lhe uma grande dose de coragem. Por outro lado, se o "ajuste" pode às vezes ser "arriscado" para a identidade cristã, para a Igreja seria um risco ainda maior continuar a repetir fórmulas que não dizem mais nada ao homem secularizado da contemporaneidade e ainda menos àquele que vem de outras culturas religiosas.
Uma teologia - sem missão - que não "sai", corre o risco de se tornar a expressão de uma visão eclesial solipsista, que não "encontra" e não "enfrenta". Ela seria a expressão de uma Igreja que corre o risco de se isolar porque permanece "não compreendida" e "não progredindo". Em outras palavras, um medo excessivo de perder ou contaminar sua identidade tradicional pode resultar em irrelevância pública.
Pelo contrário, para ser significativa no contexto atual, a missão deve passar por um ajuste que pode assumir uma forma dupla e oposta: aquela do desenvolvimento doutrinário, seguindo os frequentes apelos de Francisco a Vicente de Lerins; ou aquela da simplificação, seguindo os muitos missionários que enfatizaram como uma missão eficaz exige um retorno à essência do anúncio e à sua referência bíblica. Cristo e seu evangelho, de fato, não podem parecer estranhos a nenhum homem, mas certas institucionalizações filhas da cultura romana, ou certas formulações linguísticas ligadas à filosofia ocidental, devem ser modificadas para serem compreensíveis, especialmente para aqueles que compartilham de outros universos culturais.
Além da simplificação, no entanto, uma missão adequada ao nosso tempo requer uma verdadeira reconsideração das estruturas da Igreja e uma exposição diferente de suas doutrinas. Hoje, é necessária uma gramática atualizada e atualizante para criar as condições para um verdadeiro desenvolvimento doutrinário. A luta contra o secularismo, incluindo o confronto atual com a pluralidade religiosa, não é vencida com uma estratégia de "trincheira". Para vencer esse desafio, pelo contrário, a Igreja terá que "se comunicar" de maneira nova e ainda mais "repensar" a si mesma.
O caminho sinodal atual vai exatamente nessa direção e é funcional às necessidades de um cristianismo que está redescobrindo a importância da missão para voltar a ser significativo no Ocidente e penetrante nos lugares onde ainda não chegou, por vários motivos.
A transformação missionária desejada por Francisco em Evangelii Gaudium, no entanto, não poderá ser realizada sem uma espiritualidade adequada. Ele mesmo, em sua exortação, destaca isso. O Espírito, de fato, cria pontes e diálogo mesmo onde a dialética teológica parece não encontrar pontos de apoio. Uma espiritualidade missionária consciente ajuda porque ensina a "deixar ir" e a "falar claramente". Através dela, isto é, torna-se possível abandonar sobreestruturas e ilusórios complexos de superioridade, desenvolvendo ao mesmo tempo confiança na força da simples evidência do Evangelho.
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"Evangelii Gaudium", a agenda missionária do pontificado. Artigo de Paolo Trianni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU